O que a fenomenologia de Husserl pode nos ensinar sobre as diferenças culturais

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Julia De Marchi.

Estima-se que 1,57 bilhão de pessoas, o equivalente a 23% da população mundial, identifiquem-se como muçulmanos. Em 53 países do mundo a maioria religiosa é muçulmana. Segundo a Associação Nacional de Entidades Islâmicas, um milhão e meio de muçulmanos vivem no Brasil (MARCOS HERMANSON, 2019). Apesar disso, vemos diariamente notícias com relatos de intolerância religiosa e cultural no Brasil. 

Em entrevista ao G1 (LIMA, ARCHANJO e PEREZ, 2018), Fatima Cheaitou, estudante muçulmana que vive no Brasil, conta que já foi alvo de preconceito e recebeu insultos relacionados ao terrorismo. "Às vezes, eu atravessava a rua no Brasil e faziam barulho de bomba”, afirma. Ela acredita que a desinformação e a distorção dos fatos constroem uma imagem negativa das mulheres islâmicas no Ocidente.

Manal Ounkhir, também muçulmana, relata que já ouviu comentários preconceituosos no Brasil, assim como olhares discriminatórios (NELSON URT, 2019). Ela é autora de um projeto de extensão, com estudo e discussões em torno dos estereótipos formados a partir de princípios religiosos islâmicos, e busca estudar mais sobre os estereótipos que são criados em torno da religião islâmica, ajudando as pessoas a compreenderem essa questão. 

Para a antropóloga Francirosy Campos, em entrevista ao portal de notícias G1, casos como esses são reflexo de uma visão etnocêntrica. A sociedade ocidental comprou a ideia de que as roupas das muçulmanas representam subjugação. “Vivemos, na verdade, realidades muito diferentes, e temos muita dificuldade de compreender essas diferenças sociais, de contextos religiosos. Para nós, tudo o que é nosso é melhor, e tudo que não diz respeito a nós é ruim, opressor e primitivo”. (LIMA, ARCHANJO e PEREZ, 2018).

Fonte: Cox & Forkum (2005).
Contudo, como podemos superar essas diferenças culturais e acabarmos com o preconceito?  Husserl, através da teoria fenomenológica, nos mostra um caminho. Ele apresenta a fenomenologia como um método de investigação que tem o propósito de compreender o fenômeno, que nada mais é do que o “descobrimento” ou “desvelamento” das coisas pela nossa consciência. Ou seja, é o estudo do objeto pela forma como ele se apresenta, é seu aparecimento na consciência. 

Porém, a consciência não existe por si só, mas sim na intencionalidade, no movimento de olhar para as coisas. Esse princípio afirma, portanto, que a consciência é consciência de alguma coisa. E como o objeto só pode ser apreendido pela consciência, um depende do outro.  Assim, sendo a consciência inerente a cada ser, pessoas diferentes tenderão a pensar de forma diferente, ainda que tenham como base um mesmo objeto. Schutz evidencia isso ao afirmar que

a origem e a fonte de toda realidade, seja de um ponto de vista absoluto, seja prático, sempre está, portanto, em nós mesmos. Consequentemente, existe um número considerável, provavelmente mesmo infinito, de diferentes ordens da realidade, cada uma das quais com seu estilo peculiar de existência e separada das outras. (SCHUTZ, 2002, p. 751).

Portanto, para que possamos verdadeiramente ver e entender uma cultura diferente da nossa, precisamos intencionalmente olhar para ela, despidos de crenças e preconceitos existentes em nós. Consequentemente, o foco será a experiência, possibilitando que o fenômeno observado fale por si mesmo. A essa prática Husserl chama de epoché, que pode ser traduzida como a ‘suspensão’ do juízo a respeito das coisas, ou ainda a suspensão das nossas atitudes naturais, a forma habitual pela qual olhamos o mundo. Essa atitude possibilitará ver a cultura como ela realmente é (ou melhor, como ela se revela), de maneira direta, sem deixar que conceitos prévios influenciem na experimentação do fenômeno. 

Ou seja, as diferenças culturais se apresentam como barreiras simplesmente pela nossa dificuldade de encarar realidades diferentes, achar a essência das coisas, sem os nossos pré-conceitos. Afinal, como podemos crer que sabemos a respeito do outro se não o conhecemos? Tudo o que podemos saber a respeito do mundo depende desses fenômenos e só existem na mente. Diante disso, Husserl (2008) traz uma posposta para que olhemos para o mundo pela primeira vez, como se nunca o tivéssemos visto. Aliás, será que já o vimos?

Referências:

COX & FORKUM. [Imagem com charge the real suicide bomb] 20/07/2005. Disponível em: http://www.coxandforkum.com/archives/2005_07.html. Acesso em: 30/10/2019.
HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 2008.
LIMA, Isabella; ARCHANJO, Nathália; PEREZ, Nathalia. (São Paulo) G1. 'Youtubers' muçulmanas dão voz à religião e rompem com estereótipos e preconceito. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/educacao/noticia/2018/10/27/youtubers-muculmanas-dao-voz-a-religiao-e-rompem-com-estereotipos-e-preconceito.ghtml>. Acesso em: 08 out. 2019.
MARCOS HERMANSON (São Paulo). Brasil de Fato. A intolerância religiosa na visão de muçulmanos que vivem na periferia de São Paulo. 2019. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/01/21/a-intolerancia-religiosa-na-visao-de-muculmanos-que-vivem-na-periferia-de-sao-paulo/>. Acesso em: 08 out. 2019.
NELSON URT (Mato Grosso do Sul). Jornal Diário Corumbaense. 241 anos: estudante usa véu como identidade e combate estereótipos. 2019. Disponível em: <https://diarionline.com.br/?s=noticia&id=112510>. Acesso em: 08 out. 2019.
SCHUTZ, A. Fundamentos da fenomenologia. In: WAGNER, H. R Fenomenologia e relações sociais. Textos escolhidos de Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
______. Don Quixote e o problema da realidade In: LIMA, L. C. Teoria da literatura e suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Fenomenologia e o filme Cisne Negro

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Mariana Laporta Barbosa.

Na aula passada, vimos que Auguste Comte, assim como outros filósofos positivistas, limitavam o seu campo de análise ao experimental, afirmando que o conhecimento científico era a única forma verdadeira de conhecimento. Para essa corrente, as ciências partiam dos dados empíricos para desenvolverem seus postulados. É na metade do século XIX que o matemático e filósofo alemão, Edmund Husserl, começou a questionar esse método científico, pois para ele, a instabilidade dos dados da empiria não fornecia o rigor necessário para sua investigação filosófica. 

Segundo Schutz (1979, p. 55), a fenomenologia “recusa-se a aceitar de modo acrítico percepções sensoriais, fatos biológicos, sociais e ambientais como dados, como pontos de partida inquestionáveis para a investigação filosófica”. Assim, buscando constituir a filosofia como uma ciência de rigor, “de início, não nos é permitido admitir conhecimento algum como conhecimento” (HUSSERL, 2008, p. 21), ou seja, seria necessário encontrar o início real de todo o pensamento filosófico.

Visando alcançar sua tão desejada exatidão filosófica, Husserl (2008) diz que é necessária uma clarificação do sentido íntimo das coisas. Para isso, o autor trabalha com o conceito de redução fenomenológica, que seria a suspensão momentânea da atitude natural com a qual nós nos relacionamos com as coisas do mundo. Resumidamente, precisaríamos deixar de lado todos os preconceitos, teorias e definições que são utilizadas para dar sentido as coisas. Schutz (1979) define isso como colocar “entre parênteses” os julgamentos do senso comum sobre o mundo exterior e dos resultados científicos, os quais implantaram uma preconcepção básica em todos nós, com a ideia de que tudo só pode ser explicado cientificamente.

Após o uso dessa epoché, o resultado seria a consciência transcendental, “nada mais nada menos que a totalidade concreta da corrente de nossa experiência, contendo todas as nossas percepções, reflexões, enfim, as nossas cogitações” (SCHUTZ, 1979, p. 59). Dessa forma, conseguimos acessar a corrente de consciência em si, que é mutável, pois envolve a situação, em um tempo e espaço. Aqui, temos uma noção de intencionalidade, pois para Husserl, toda a consciência é relacionada a algo, ou seja, existe uma relação entre o sujeito e o objeto.

O autor também tece as definições de noese, como os atos de compreensão de algo, e de noema, como aquilo de que se tem consciência. Em outras palavras, a noética seria ter a consciência de algo, ou seja, é o aspecto subjetivo da vivência, abarcando o perceber, o lembrar e o imaginar, enquanto a noemática corresponde aos aspectos objetivos dessa vivência. Músicas, apresentações teatrais, pinturas e esculturas são alguns exemplos de formas noéticas, pois há a percepção, retenção e lembrança nos indivíduos que entram em contato com essas formas de arte. Nesse ponto, a fenomenologia se aproxima da psicologia, e o psicólogo americano William James compartilha dos pressupostos da teoria em seus estudos.

Para exemplificar o estudo da psicologia fenomenológica, podemos utilizar o filme Cisne Negro, cujo enredo gira em torno de uma companhia de balé, que está montando a peça dramática “O Lago dos Cisnes” para sua temporada e procura uma nova bailarina principal. No filme, a jovem Nina (interpretada por Natalie Portman) ganha a chance de assumir esse posto, mas para isso precisa lidar com a rigidez do diretor artístico Thomas (interpretado por Vincent Cassel), além das exigências de sua mãe e da concorrência, tanto interna, por meio do seu pensamento perfeccionista, quanto externa, na figura das outras bailarinas.

Fonte: Fox (2010).
A trama mostra o esforço de Nina para poder interpretar dois personagens da apresentação: o inocente e frágil cisne branco e o misterioso e sensual cisne negro. Apesar de ser a própria personificação do cisne branco, ela não é capaz de incorporar as características do outro e é para esse papel que aparece Lilly (interpretada por Mila Kunis), uma bailarina que se encaixa perfeitamente, com sua espontaneidade e sensualidade. A partir da chegada dessa nova personagem na trama, Nina desencadeia uma paranoia de concorrência, transpondo uma imensa pressão sob si, fruto de uma projeção: Lilly era tudo que ela queria ser. Dessa forma, Nina perde o senso da realidade e passa a assumir personalidades distintas, que são frutos de alucinações.

De início, podemos perceber o balé, em geral, como um exercício fenomenológico, bastando para isso observar os momentos em que as artistas colocam os seus mundos “em parênteses”. Um exemplo dado por Gonzaga (2018) é o esforço para o desempenho de um determinado papel, como ocorre no filme. Para que Nina vivesse ambos os cisnes, ela teria que colocar sua vida “entre parênteses” e se comportar diferentemente da sua personalidade, para assim conseguir acessar o mundo sombrio do cisne negro durante a interpretação. Além disso, a obra em si, quando escrita, foi a criação de um mundo de personagens e espaços diferenciados, feito “entre parênteses” do nosso mundo, mas que é construído para que a ficção possa parecer tão real (GONZAGA, 2018).

Sem querer dar mais spoilers ao leitor, me limito a dizer que o filme passa a maior parte do tempo na linha tênue de realidade e ilusão de Nina, contendo cenas fortes de seus transtornos mentais, que irão se intensificar com a aproximação da data de estreia da peça. Schutz (2002) nos traz alguns elementos para compreender essa crise da personagem, entre o real e o irreal, sendo que para exemplificar as teorias de William James, o autor faz alusão ao problema de realidade apresentado na obra de Dom Quixote, de Cervantes.

A diferenciação do real, para aquilo que é sonho, passa pela nossa escolha do modo de pensar, ou seja, quando o objeto não for refutado, ele é uma realidade que acreditamos e pressupomos como absoluta, logo, somos nós mesmos que escolhemos o que queremos aderir ou ignorar (SCHUTZ, 2002). Dessa forma, seria possível afirmarmos que existem infinitas ordens de realidade e que os objetos que pensamos devem sempre se referir a pelo menos um destes “subuniversos”. No filme Cisne Negro, assim como em Dom Quixote, essas múltiplas realidades são a narrativa central, havendo um choque constante entre o mundo dos sentidos, experimentado pelo senso comum, e o mundo da pura loucura.

No subuniverso que Nina se insere, o espaço, o tempo e a causalidade são modificados, o que explica os momentos retratados no filme, onde a bailarina acredita ter vivido certas experiências que, na realidade preponderante da vida quotidiana, não se comprovam. Schutz (2002) afirma que isso ocorre porque os fatos do mundo da loucura não são verificáveis por meios comuns de percepção sensorial, e isto gera conflitos entre os esquemas díspares de interpretação. Logo, se a “crença na identidade substancial da experiência intersubjetiva do mundo se rompe, então a própria possibilidade de estabelecer comunicação com os nossos semelhantes é destruída” (SCHUTZ, 2002, p. 758). E é nesse ponto que devemos escolher: transformar a identidade por completo ou perceber as experiências como meras ilusões. 

A mente deve escolher em qual realidade ficar e é aqui que as obras apresentadas tomam caminhos distintos. Dom Quixote, após um episódio de visão de Dulcinéia, entra em dúvida quanto a sua identidade e acaba por destruir o seu subuniverso da loucura, voltando à realidade da vida quotidiana. Já para quem assistiu ao filme Cisne Negro até o final, fica claro que a personagem não consegue alcançar essa conscientização, e o seu trágico fim é um reflexo do abismo insuperável entre os dois subuniversos.

Referências: 

GONZAGA F., B. M. Cinema e fenomenologia: sentidos e sentimentos. In: XIII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada - ABRALIC, 2013, Campina Grande - PB. Anais ABRALIC Internacional, 2013. v. 1. Disponível em: <http://www.abralic.org.br/anais/arquivos/2013_1434328 968.pdf>. Acesso em 09 de out. 2019.
FOX Searchlight Pictures. [Imagem de divulgação do filme cisne negro.] 2010. In: BARBOSA, Neusa. Cisne negro revela sonhos e pesadelos de uma bailarina. DomTotal, São Paulo, 05/02/2011. Disponível em: <bailarinahttps://domtotal.com/noticia/296574/2011/02/cisne-negro-revela- sonhos-e-pesadelos-de-uma-bailarina/>. Acesso em: 22 out. 2019.
HUSSERL, E, A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 2008.
SCHUTZ, A. Fundamentos da fenomenologia. In: WAGNER, H. R. Fenomenologia e relações sociais. Textos escolhidos e Alfred Shutz. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
SCHUTZ, A. Don Quixote e o problema da realidade. In: LIMA, L. C. Teoria da literatura e suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 

Os limites do utilitarismo à luz da sustentabilidade ambiental

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Camila Alves d’Avila.

Desenvolvido principalmente pelos filósofos britânicos Jeremy Bentham e John Stuart Mill entre os séculos XVIII e XIX, o utilitarismo é uma corrente epistemológica que constrói suas premissas a partir do princípio da utilidade – ou princípio da maior felicidade –, o qual, de acordo com Bentham (1979, p. 3), “estabelece a maior felicidade de todos aqueles cujo interesse está em jogo, como sendo a justa e adequada finalidade da ação humana e até a única finalidade justa, adequada e universalmente desejável [...]”. Assim, a dor e o prazer dos seres humanos balizam suas ações, sendo uma ação moral aquela que aumenta a felicidade do maior número possível de indivíduos. 

A partir dessa máxima, a argumentação de que o utilitarismo é marcadamente antropocêntrico poderia se fazer plausível. Contudo, Bentham (1979) se antecipou à essa crítica ao afirmar que não há motivo para que animais não-humanos fossem tratados de maneira cruel, visto que eles são capazes de sofrer, apesar de não serem capazes de falar ou raciocinar. Peter Singer (2004) exemplificou a questão: seria um contrassenso dizer que não é do interesse de uma pedra ser chutada na estrada – ela não possui interesses, uma vez que não sofre –, ao passo que um camundongo tem interesse em não ser chutado, já que sofrerá se isso acontecer. 

Entretanto, é imprescindível considerar a ética e a moralidade das ações para além dos seres sencientes, aqueles que têm a capacidade de sentir. Mesmo que seja difícil de conceber o sofrimento de uma árvore caso ela fosse derrubada, por exemplo, continuam existindo motivos para que não seja realizado desmatamento em massa: muitos organismos não-sencientes são recursos naturais – como é o caso das matas – e, por isso, são fundamentais para a vida dos seres sencientes, incluindo a dos humanos (SINGER, 2002a). Freitas e Zambam (2015, p. 41) reforçam a concepção dessa ética mais ‘biocêntrica’: 

Essa proteção é uma obrigação ética, para fins de continuidade da vida humana no planeta, porque a garantia da existência humana e sua perpetuação passam pela proteção da integralidade da biosfera e do reconhecimento de sua dignidade. Logo, a intervenção humana no espaço natural deve ser equilibrada, sobretudo observando o todo simbiótico. (FREITAS; ZAMBAM, 2015, p. 41)

Fonte: Vilter (2019).
O utilitarismo, além de não prever toda a magnitude de organismos não-sencientes, valida desastres naturais em prol do atingimento de uma maior eficiência para um maior número de pessoas. Por exemplo, estaria justificada a destruição de grande parte das riquezas minerais do nosso ecossistema, se isso representasse avanços tecnológicos e aumento do prazer para a maioria da população (FREITAS; ZAMBAM, 2015). 

Talvez, essa despreocupação com a sustentabilidade ambiental possa ser fruto do pouco conhecimento acerca da temática e sua relevância, na época em que o utilitarismo foi concebido. Ainda assim, atualmente,  

mesmo diante dos esforços internacionais, nacionais e locais, no sentido de demonstrar a importância da construção de uma sociedade ambientalmente sustentável, que utiliza os recursos naturais de forma ética e responsável, ainda há importes nações e considerável número de sociedades empresarias e de seres humanos, que continuam se relacionando com a natureza de forma utilitarista (CARMO, 2018, p. 1).

Hoje, infelizmente, seja a partir da aplicação de agricultura, da construção de moradias ou de infraestrutura pública, etc., nem mesmo áreas de preservação permanente são respeitadas. Numa balança utilitarista, o fator socioeconômico acaba pesando além do fator ambiental. Evidentemente, a nossa subsistência enquanto sociedade civil é extremamente importante e, muitas vezes, a exploração dos recursos naturais se faz necessária. Apesar disso, é fundamental que exista um limite bem esclarecido: até onde vai essa necessidade de exploração? Há décadas o homem usa e abusa da natureza sem considerar as consequências a longo prazo dessa sua ambição (CARMO, 2018).

Fonte: Santos (2019).
Mesmo que Mill (2007) reforce esmiuçadamente que o padrão utilitarista visa promover a felicidade coletiva de todos os envolvidos e não somente a do próprio agente, essa não deixa de soar como uma epistemologia que, de certa forma, se faz egoísta ao não considerar propriamente as gerações e o ecossistema futuros. Certamente, “a base filosófica para uma ética da ecologia profunda é difícil de ser sustentada”, conforme aponta Singer (2002b, p. 136). De qualquer modo, o argumento em favor da preservação ambiental não é enfraquecido, apenas reconhecido como desafiador e complexo. De maneira nenhuma ele deve deixar de ser incorporado aos pensamentos científicos (SINGER, 2002b).

Além disso, é essencial ressaltar que, ainda que os recursos naturais sejam muitas vezes subjugados como um empecilho para o desenvolvimento socioeconômico (CARMO, 2018), não é preciso que seja realizada uma escolha entre este e a preservação ambiental. O conceito de desenvolvimento sustentável, que surge como um meio de solucionar tal embate, é definido, de acordo com a Organização das Nações Unidas, como “aquele que atende às necessidades das gerações presentes, sem comprometer as necessidades das gerações futuras” (ONU, 1987, p. 24). Esse ideal de desenvolvimento busca promover não só a sustentabilidade econômica, social e ambiental, mas também considera outras dimensões, como a cultural e a espacial (SACHS, 2009 apud ARAUJO; MORAES, 2016).

Frente a uma pauta tão valiosa e urgente como a sustentabilidade ambiental e, principalmente, como o desenvolvimento sustentável no seu todo, é muito importante destacar os limites do utilitarismo que, até hoje, se faz presente nas relações e nos constructos da nossa sociedade civil.  O ser humano precisa compreender mais a fundo o seu verdadeiro lugar em meio ao nosso ecossistema diverso e complexo, assumindo suas responsabilidades éticas e morais, melhorando sua postura enquanto integrante do mesmo. 

Referências: 

ARAUJO, J. MORAES, G. Utilitarismo e desenvolvimento sustentável: eles podem se encontrar? Revista de Economia Mackenzie, v. 11, n. 3, p. 187-208, 2016.
BENTHAM, J. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
CARMO, Wagner. O Utilitarismo da natureza. 2018. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/o-utilitarismo-da-natureza>. Acesso em 23/11/2019.
FREITAS, F. ZAMBAM, N. O utilitarismo e o princípio responsabilidade para o desenvolvimento sustentável. Revista Direito Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 2, p. 28-53, 2015.
MILL, S. Utilitarismo. São Paulo: Escala, 2007.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Report of the World Commission on Environment and Development: our common future. New York: ONU, 1987.
SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
SANTOS, Arionauro da Silva. [Imagem de charge sobre desmatamento da floresta.] Pinterest, 2019. Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/ 535998793146043718>. Acesso em: 22/10/2019.
SINGER, P. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002a.
______. Libertação animal. Porto Alegre: Lugano, 2004.
______. Vida ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002b.
VILTER, Nick. [Imagem de aperto de mãos entre homem e árvore.] In: Respect Nature. Descubra ideias sobre vida sustentável, Pinterest, 2019. Disponível em: https://www.pinterest.ru/pin/659425570413374798/?nic=1a. Acesso em 22/10/2019.

Ordem e Regresso

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Maria Júlia Pereira Spindler Guedes.

O positivismo do século XIX teve como seu idealizador Auguste Comte. Dentre as diversas teorias abordadas por esse pensador, surgiram os conceitos de evolução e progresso. Essa corrente teórica influenciou muito a política brasileira, principalmente no período da Primeira República e derivou o lema da nossa bandeira “ordem e progresso”. Tendo em vista a influência do positivismo no Brasil, torna-se interessante contextualizar algumas questões atuais à luz dessa corrente, como: o Programa Future-se apresentado pelo Ministério da Educação, o Mobral implementado durante a ditadura militar em 1967 e a relação (ou falta de relação) com o princípio da vedação do retrocesso dos direitos fundamentais estabelecidos.

Para discutir o contexto das questões apontadas é importante relacioná-las com alguns conceitos chaves do positivismo: evolução e progresso. Segundo Padovani e Castagnola (1990), o positivismo reduz substancialmente o conhecimento humano ao conhecimento sensível, a metafísica à ciência e o espírito à natureza, tendo como seu elemento característico o conceito de evolução, considerada como lei fundamental de todos os fenômenos empíricos, isto é, de todos os fatos humanos e naturais. Ainda para os autores, o positivismo acredita estoicamente no progresso. Porém, trata-se de um progresso concebido para o bem-estar material. Além disso, a ideologia positivista apregoa a construção de indivíduos para uma sociedade ordenada, contribuindo assim para  fortalecimento dos princípios do liberalismo na sociedade capitalista. 

Assim, pode-se dizer que a corrente de Auguste Comte ainda influencia a política e o modo de se governar no Brasil, como é o caso do atual presidente Jair Bolsonaro, que traz um elemento marcante do positivismo da Primeira República, o autoritarismo militar positivista. Outro ponto marcante do positivismo nos dias atuais é o que tange a educação. De acordo com Zanotto (2005), os ideais positivistas atribuíam à educação funções conservadoras, de preservação da sociedade com um ensino moral burguês, que daria aos indivíduos uma segunda natureza social. 

Nesse contexto, no dia 17 de julho 2019, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Programa Future-se, que vem causando grandes discussões nas universidades federais de todo o Brasil. Segundo Danniel Figueiredo (2019), o objetivo do programa é dar maior autonomia para as universidades fomentando o empreendedorismo e a inovação, captando recursos privados. O programa  apresenta-se, então, como uma tentativa de desresponsabilizar o Estado pelo investimento na educação, principalmente no que tange às ciências sociais aplicadas e à pesquisa nessa área, e aproxima-se muito do ideal positivista de caráter mercadológico, com fins lucrativos, que ao reduzir  a metafísica à ciência, o espírito à natureza, acaba por excluir a pesquisa na área das ciências sociais. 


Fonte: Santos (2019)
Para o APUFPR-SSind (2019), o programa traz um viés tecnicista que vai sufocar essas pesquisas, desequilibrando ainda mais o investimento e a importância entre as áreas científicas. Logo, o Future-se assemelha-se muito ao Programa Mobral implementado pelos militares em 1967.

O Mobral, de acordo com Castilho (2010), teve como objetivo reducionista ensinar a ler e a escrever. À época, o sistema universitário também foi alvo da proposta educacional. O Ministério da Educação brasileiro e a United States Agency for International Development (USAID) assinaram, em 1965, um acordo para a reforma universitária. O acordo tinha como fim “integrar a universidade na vida econômica nacional, a fim de capacitá-la e atender a demanda de mão de obra”. Além disso, o convênio estabelecido pelo MEC-Usaid deixava à margem a produção científica nacional e tinha como medida a cobrança de anuidades. 

Assim, pode-se dizer que, seguindo um pensamento positivista e influenciado por um autoritarismo militar ainda existente no Brasil, o Future-se e o Mobral relacionam-se em diversos pontos, como: submissão à lógica mercantil; desmonte do tripé ensino, pesquisa e extensão; desrespeito ao acesso universal à educação; afronta à autonomia universitária; perseguição política; fim da estabilidade e redução salarial; e intervenção na nomeação de reitores. 

O Future-se não traz somente um grande risco para as universidades federais e para a pesquisa na área das ciências humanas, mas é uma afronta ao princípio de vedação do retrocesso de direitos humanos estabelecidos. Entende-se por direitos humanos, os valores universais que garantem a qualquer cidadão o direito à vida, à liberdade de expressão de opinião e de religião, direito à saúde, à educação e ao trabalho. É uma característica desses direitos, segundo Mazzuoli (2011), a vedação do retrocesso, ou seja, os Estados estão proibidos de retroceder em matéria de proteção de direitos humanos. Os direitos humanos devem sempre agregar algo de novo e melhor ao ser humano, não podendo o Estado proteger menos do que já protegia. 

À luz desses conceitos e da breve introdução sobre o Programa Future-se, fica o questionamento: progresso ou retrocesso? Como um Estado pode reformular totalmente a administração das universidades e institutos federais sem respeitar os direitos já adquiridos? Como um Estado pode desconsiderar a autonomia didático-científica, administrativa e financeira das universidades, deixando-lhes submetidas ao interesse do mercado? Como um Estado pode reduzir o seu papel como mantenedor da garantia dos direitos sociais, como o acesso universal à educação? E por fim, como nós cidadãos, pesquisadores e cientistas podemos lutar pelo futuro da geração do conhecimento do nosso país?

Referências:

APUFPR-SSIND. 12 riscos que o Future-se representa para as universidades públicas. 2019. Disponível em: <https://apufpr.org.br>. Acesso em: 22 ago. 2019.
CASTILHO, Ricardo. Direitos humanos: processo histórico – evolução no mundo, direitos fundamentais: constitucionalismo contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2010. 
FIGUEIREDO, Danniel. Future-se: entenda a nova proposta do MEC. 2019. Disponível em: <https://www.politize.com.br>. Acesso em: 22 ago. 2019.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 
PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. O positivismo In: PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990. 
SANTOS, Patrícia. [Imagem de pessoas protestando pela educação.] In: GALVANI, Giovanna. ‘Future-se’ é principal alvo de estudantes em novos atos pela educação. Carta Capital, 13/08/2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/future-se-e-principal-alvo-de-estudantes-em-novos-atos-pela-educacao/>. Acesso em: 18 out. 2019.
ZANOTTO, Marijane. O legado do positivismo sobre a pesquisa na universidade brasileira. Revista HISTEDBR On-line, n. 18, p. 134-140, jun. 2005.

Teoria antiga, mas dilemas atuais

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Mariana Laporta Barbosa.

Imagine o seguinte dilema: um sequestrador faz 39 pessoas de reféns em um ônibus, mostrando que possui gasolina, isqueiro e armas, ameaçando colocar fogo com todas as pessoas dentro do veículo. Você está distante, mas possui uma arma de precisão e pode acertá-lo, devido ao seu treinamento para tal ato. Deveria, assim, matar uma pessoa, o sequestrador, ou esperar ele queimar as outras vítimas? Após a sua resposta, digo que não é preciso imaginar, já que esta situação não é apenas hipotética, mas ocorreu de fato.

No dia 20 de agosto deste ano, um homem identificado como Willian Augusto da Silva entrou em um ônibus intermunicipal do Rio de Janeiro, perto das 6h, e ordenou sua parada sobre a ponte Rio-Niterói. Após o veículo estar bloqueando o trânsito da região, anunciou que se tratava de um sequestro e começou um intenso período de negociações com a Polícia Militar e o Batalhão de Operações Especiais. Passaram-se 3 horas de sequestro, transmitido ao vivo nas emissoras de televisão, e mesmo com psicóloga disponível para orientação do sequestrador, a decisão foi dar um fim utilitarista.

O utilitarismo é uma corrente filosófica criada no século XVIII e defendida principalmente pelos autores Jeremy Bentham e John Stuart Mill, dois ingleses que se propunham a criar uma teoria da justiça que medisse se uma ação qualquer é correta ou incorreta. E o que seria a coisa correta a se fazer? Para esses filósofos, seria a ação com maior utilidade. A utilidade é “existente em qualquer coisa, propriedade em virtude da qual o objeto tende a produzir ou proporcionar benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade ou a impedir que aconteça o dano, a dor, o mal, ou a infelicidade” (BENTHAM, 1979, p. 4). Em resumo, segundo este pensamento devemos sempre buscar o prazer e evitar a dor. Isso pode parecer um tanto óbvio à primeira vista, mas no dia-a-dia nos coloca em dilemas bastante complexos, como o apresentado no início deste paper.

Fonte: Rocha (2019).
Para sabermos qual alternativa escolher, Bentham (1979) propôs um cálculo da utilidade, ou seja, um método que pode nos guiar quando houver a necessidade de pesar a dor e o prazer de um ato. O filósofo afirma que não se espera a rigorosidade em sua aplicação, mas sim que deve ser mantido diante dos olhos, para quando se precisar do processo (BENTHAM, 1979). O cálculo leva em questão quatro circunstâncias: 1) a intensidade do prazer ou da dor; 2) a sua duração; 3) a certeza ou incerteza de que vá acontecer; e 4) a proximidade ou a distância do objeto. Após medir-se as quatro circunstâncias para as duas opções de ações, procede-se um balanço que, “se for favorável ao prazer, assinalará a tendência boa geral do ato, em relação ao número total ou à comunidade dos indivíduos em questão. Se o balanço pesar para o lado da dor, temos a tendência má geral” (BENTHAM, 1979, p. 18).

Já segundo Mill (2007), a felicidade, composta pelo prazer e a imunidade à dor, seria a única coisa desejável na vida, sendo que alguns tipos de prazeres seriam mais desejáveis e valiosos que outros. Aqui, continuamos com a utilidade quantitativa de Bentham, mas lhe acrescentamos um viés qualitativo, que demonstra a diferença de qualidade entre os prazeres, uma preferência. Dessa forma, existem prazeres superiores e inferiores, e a forma de defini-los seria por meio da experimentação daqueles que estão inteirados de ambos (MILL, 2007). Essa nova visão de Mill (2007) traz um padrão utilitarista de felicidade que não é pertinente apenas ao próprio agente, mas a todos os envolvidos, criando uma associação indissolúvel entre a felicidade individual e a felicidade coletiva.

No caso do sequestro do ônibus seria possível que calculássemos a utilidade das duas alternativas: matar o sequestrador ou esperar ele matar os reféns. A alternativa que proporcionar mais prazer ou a que evitar mais dor e dano, será a de maior utilidade, ou seja, a correta a se fazer. Bentham (1979) afirma que se a parte interessada nessa utilidade for a comunidade em geral, deve-se tratar da felicidade ou dor dessa comunidade. Logo, no desfecho presente que tivemos, de o sequestrador ser morto por um atirador de elite, não se tratou apenas de um indivíduo particular e sua respectiva felicidade ou dor, mas sim de toda uma comunidade ao redor, ameaçada e com medo.

O caso em questão gerou diversas repercussões na internet. Em sua maioria, as pessoas defendiam a atitude do atirador de elite, que não disparou o gatilho sozinho, mas com o consentimento coletivo das forças policiais na operação e do governo. Já defendendo o outro lado, pessoas afirmavam que a negociação teria sido a melhor opção, pois depois do ocorrido, verificou-se que se tratava de uma arma falsa e de um sequestrador que sofria de surtos psicóticos.

O fato é que o utilitarismo ainda é muito usado na atualidade, principalmente os seus conceitos de moral e justiça, sendo que nos deparamos com dilemas que nos fazem pesar diariamente se vale a pena seguir uma ação ou praticar outra. Questões como o fato de acertar uma criança com bala perdida da polícia, se for para matar um líder de facção criminosa, são recorrentes em nossos noticiários. Com as metodologias apresentadas por Mill (2007) e Bentham (1979), conseguimos ter uma noção do famoso “certo a ser feito” utilitarista. Mas a questão que levanto para os próximos estudos é: “até onde podemos ir para alcançar o desejado bem-estar social?” Ou seja: quais são os limites da lógica utilitarista?

Referências:

BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. In: BENTHAM, J. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 3-18.
CORREIO BRAZILIENSE. Após 3 horas, homem que sequestrou ônibus na ponte Rio-Niterói é morto. 20/08/2019. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/08/20/interna-brasil,778153/passageiros-sao-feitos-refens-durante-sequestro-a-onibus-no-rj.shtml>. Acesso em: 25/09/2019.
MILL, S. O que é o utilitarismo? In: MILL, S. Utilitarismo. São Paulo: Escala, 2007.
ROCHA, Fabiano. [Imagem de ônibus sequestrado.] In: AMORIM, Diego. Confira a cronologia do sequestro de passageiros de ônibus na Ponte Rio-Niterói. Agência O Globo, Rio. 21/08/2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/confira-cronologia-do-sequestro-de-passageiros-de-onibus-na-ponte-rio-niteroi-23890367. Acesso em: 15/10/2019.

Evolução sob a ótica positivista: um etnocentrismo?

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Mariana Laporta Barbosa.
Nos estados do Amazonas e Roraima, vivem cerca de 26 mil indígenas ianomâmis, que estão sofrendo com a presença de garimpeiros ilegais. Em agosto deste ano, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou pesquisas que revelam a contaminação de mercúrio, acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em mulheres e crianças dessas aldeias. A causa dessa contaminação está no processo de retirada do ouro do leito do rio, quando os garimpeiros jogam mercúrio para facilitar a extração. É esse mesmo rio que as comunidades indígenas costumam usar para pescar, beber água, banhar-se e trafegar. As consequências da contaminação são problemas neurológicos, neuromotores e sistêmicos (O GLOBO, 2019).

Em 2015, antes de ser eleito presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro afirmou em entrevista que “não tem terra indígena onde não têm minerais. Ouro, estanho e magnésio estão nessas terras, especialmente na Amazônia, a área mais rica do mundo”, continuando com a frase dizendo que “não entro nessa balela de defender terra pra índio”. Segundo ele, o índio deve ser integrado ao povo e “não ser tratado como bicho em zoológico”. Em outra fala, questionou: “os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura. São povos nativos. Como eles conseguem ter 13% do território nacional?” (CAMPO GRANDE NEWS, 2015).

Fonte: Gilmar (2019).
O positivismo, corrente sociológica do século XIX, nos traz alguns argumentos para entender essa relação entre o governo brasileiro e os indígenas que aqui vivem. Padovani e Castagnola (1990) afirmam que o positivismo é devido, em grande parte, ao avanço das ciências naturais e à tentativa de aplicação de seus métodos à filosofia. Métodos esses que são o foco deste pensamento moderno, admitindo apenas a experiência imediata, pura, sensível e os fatos positivos como fonte do conhecimento verdadeiro (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990). Dessa forma, para compreender-se problemas sociais deveria ser produzido um conhecimento por meio da ciência, o único válido.

O francês Augusto Comte é considerado o pai do positivismo e da sociologia, e sua teoria apresenta uma boa perspectiva para entendermos os conflitos ainda atuais. Burguês, nascido em Montpellier, Comte buscava uma ciência neutra, sem ideologias, para explicar a sociedade e substituir a filosofia (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990). O positivista acreditava que se havia leis físicas que regiam o universo, deveriam também haver leis sociais que regeriam a sociedade. E assim, segundo Padovani e Castagnola (1990), procurou fixar em leis mais gerais as relações constantes de sucessão ou semelhança entre os próprios fenômenos.

Mas para este paper, a maior relevância do estudo positivista de Comte está na Lei da Evolução Intelectual da Humanidade ou Lei dos Três Estados, onde este propõe uma linha evolutiva para a civilização humana (COMTE, 1976). Para Comte (1976), teríamos que atravessar três grandes fases: a fase do estado teológico ou fictício, o estado metafísico ou abstrato e, por último, o estado positivo ou real. No ponto de partida, nas sociedades mais “primitivas”, para Comte, a religião seria dominante, recorrendo a seres transcendentes e divinos, como, por exemplo, ocorreu no Egito Antigo. Na fase metafísica, recorre-se a entidades racionais e abstratas, com a argumentação, como no caso do período do Renascimento. Já na última fase, segundo Comte (1976), a sociedade tem um entendimento da realidade pela experimentação, logo, temos a maturidade racional atingida e entendemos os fatos unicamente em sua realidade empírica. Como pode-se perceber, essa evolução de Comte tem a substituição do culto da divindade pelo culto da humanidade (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990), ou seja, deixa o senso comum e o religioso.

Atualmente, sabemos que a Teoria dos Três Estados apresenta vários problemas e cabe aqui apresentá-los, fazendo uma crítica e um paralelo com a questão indígena. De início, podemos perceber que Comte coloca a religião como se fosse algo totalmente desprezível, no mais baixo nível da humanidade (estado fictício). A evolução, para ele, seria a saída desse estado negativo, passando por um estado de debate (aonde falta a prática), para finalmente chegar no positivo. Essa visão é muito positivista, apresentando o estado positivo como a grande salvação da humanidade, ao passo que hoje em dia sabemos que não é exatamente assim. Voltando ao nosso exemplo, alguns avanços tecnológicos e científicos, como as descobertas de mercúrio na garimpagem, quando usados sob as áreas indígena tem gerado vários problemas à uma comunidade que vivia anteriormente isolada, com seus signos, sua cultura e sua religião.

Para o olhar positivista, as comunidades indígenas precisariam de uma evolução, pois seriam consideradas “atrasadas”, assim como o presidente do Brasil afirmou em suas entrevistas. É preciso ressaltar que, atualmente, sabemos que isso não se valida, pois cada sociedade evolui da sua maneira. E a teoria de Comte seria, além de um desrespeito cultural, um enorme etnocentrismo europeu.

Outro autor citado por Padovani e Castagnola (1990) é o inglês Herbert Spencer, que junta a teoria de Charles Darwin com uma teoria social, aplicando a famosa lei da evolução e seleção natural para todo o campo da experiência. Ele afirma que as sociedades começam pequenas, mas ao aumentarem tornam-se complexas e surgem indivíduos que não podem colaborar, podendo apenas “atrapalhar”. Por isso, deveria haver uma eliminação desses que contaminariam os demais. Esta é outra teoria altamente criticável na atualidade, pois se seguíssemos a regra, teríamos que eliminar os pobres, os negros, os pardos, os portadores de necessidades especiais... seria um verdadeiro racismo científico!

Já o francês Émile Durkheim, em sua obra mais famosa, denominada As Regras do Método Sociológico, tenta explicar como analisar os objetos de estudo sem que as subjetividades do pesquisador atrapalhem as análises. Para isso, ele precisaria ter os fatos sociais, que trazem a objetividade das ciências naturais e são estudados pelos métodos (DURKHEIM, 2007). Esses fatos sociais são identificados por três características: exterioridade, ou seja, existem fora dos indivíduos; coercitividade, por meio da influência que exercem sobre os indivíduos; e generalidade, pois servem para todos na sociedade.

Dessa forma, podemos perceber que quando nascemos já existiam valores morais, culturas, religiões, signos e dogmas construídos anteriormente. Assim, há uma “existência própria, independentemente de suas manifestações individuais” (DURKHEIM, 2007, p. 13). Quem adere a essas coisas, que já estão na sociedade, é o indivíduo. A língua própria dos grupos ianomâmis é um exemplo de fato social, já que eles nasceram com ela em seu meio, é imposta onde vivem e tem o caráter geral, pois serve para todos os que participam dessa sociedade.

Referente a isso, pode ser interessante nos perguntarmos: “será que nós evoluímos, quando os portugueses aqui chegaram?” Pode ser um pequeno exemplo, mas enquanto tínhamos mais de 200 línguas indígenas faladas pelas tribos brasileiras, escolhemos trazer o simples português para ser nossa língua oficial. Etnocentrismo europeu ou evolução? Você escolhe.
Referências:

CAMPO GRANDE NEWS. Bolsonaro diz que OAB só defende bandido e reserva indígena é um crime. 22/04/2015. Disponível em: <https://www.campograndenews.com.br/politica/bolsonaro-diz-que-oab-so-defende-bandido-e-reserva-indigena-e-um-crime>. Acesso em: 16/09/2019.
COMTE, A. Discurso sobre o espírito positivo. Porto Alegre: Editora Globo; São Paulo: Editora da USP, 1976. 
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GILMAR. [Ilustração de indígena.] In: ARAÚJO, Pedro Zambarda de. Sangue de índio. Diário do Centro do Mundo. 27/04/2019. Disponível em: <https://www.diariodocentrodomundo.com.br/sangue-de-indio-por-gilmar/>. Acesso em: 15/10/2019.
PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. O criticismo kantiano e o positivismo In: PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
PRAZERES, Leandro. Estudo da Fiocruz mostra que 56% dos ianomâmis têm mercúrio acima do limite. O Globo, 03/08/2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/estudo-da-fiocruz-mostra-que-56-dos-ianomamis-tem-mercurio-acima-do-limite-23852233>. Acesso em: 16/09/2019.

Ética e inteligência artificial: reflexões a partir da teoria utilitarista

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de doutorado Vinicius Schambeck.

Imaginar um mundo onde humanos e máquinas coexistem, há tempos deixou de ser um contexto fictício e cada vez mais se mostra como uma realidade já observável nas diferentes esferas da sociedade. Sejam através das tecnologias que permeiam as complexas estruturas de produção global ou nas aplicações cotidianas, termos como big data, inteligência artificial e machine learning deixaram de ser exclusivos aos especialistas e passaram a ter as suas aplicações afetando de maneira prática a vida cotidiana.

Diante dos rápidos avanços nessas áreas, discute-se hoje não mais apenas o alcance funcional das tecnologias mas também os seus limites éticos. A relativa autonomia conquistada pelas máquinas, quando não mais seguem processos de decisão pré-programados pelos humanos, através de algoritmos, e começam a aprender por si mesmas, caracterizam o então chamado machine learning (aprendizado de máquina). Com o exponencial aumento da capacidade de processamento de dados, chamado de big data, a inteligência artificial tem evoluído no seu potencial de incorporar algoritmos de aprendizado das máquinas, com o intuito de aprimorar suas habilidades de processamento previamente programadas.  

A partir de então, dilemas de ordem moral e ética, que permeiam questionamentos desde as civilizações clássicas, atingem também o campo da tecnologia e remontam reflexões ainda sem respostas: como transferir para as máquinas valores humanos, por vezes ambíguos e não universais, a fim de tomar decisões satisfatórias? Diante desse questionamento, o utilitarismo pode servir como referência para entender de que forma o viés racionalista, inerente da lógica matemática por trás da tecnologia, pode embasar o processo de análise e tomada de decisão das máquinas nesse contexto.

Fonte: EFF (2018).
Em sua essência, o utilitarismo pressupõe-se que cada ação individual deve ser avaliada em relação ao princípio da utilidade. Para Bentham (1979), utilidade é o agregado de prazeres, depois de deduzido o sofrimento de todos os envolvidos em uma ação, uma espécie de prazer líquido, que seria base para a felicidade.  Dessa forma, o julgamento das ações deve levar em conta as suas consequências, se essas propiciam o maior bem-estar para o maior número possível de pessoas, minimizado o sofrimento e priorizando a felicidade do maior número de pessoas envolvidas, e assim caracterizando sua utilidade.

O princípio da maior felicidade cunhado por Mill (2007) reforça que o padrão utilitarista não é a maior felicidade do próprio agente, mas a maior felicidade em termos globais, sendo seu fim último buscar as “melhores consequências” para o maior número de pessoas.

Essa realidade já é vista, por exemplo, na indústria automobilística, através do desenvolvimento de veículos autônomos. O primeiro carro autônomo teve seu protótipo lançado nos anos 1980. No entanto, apenas nos últimos anos as companhias automobilísticas, a indústria tecnológica e o setor acadêmico passaram a investir mais no setor. Entretanto, um dilema central envolve a segurança em torno dessa tecnologia: em caso de falha ou acidente, de que forma decidir qual a melhor ação a ser tomada?

Visando investigar esse dilema, Bonnefon et al (2016) desenvolveram uma pesquisa avaliando a percepção dos cidadãos norte-americanos com relação ao processo de tomada de decisão das máquinas nesse contexto. Uma das conclusões do estudo reflete a moralidade utilitarista de que, diante da necessidade de tomada de decisão envolvendo vítimas fatais, seria melhor matar um passageiro do que atropelar dez pedestres. Por outro lado, a maioria dos pesquisados afirmou que não compraria um veículo com esses critérios em seu algoritmo de programação, o que evidencia de certa forma um caráter individualista na análise da situação.

Ampliando, ainda, as possibilidades de aplicação da tecnologia artificial, surgem ferramentas que possibilitam desde a realização de análise preditiva sobre as chances de um réu cometer novos crimes no futuro até sistemas de saúde que avaliam pacientes e classificam chances de sobrevivência em determinados quadros clínicos – tecnologias essas que carregam os mesmos dilemas de ordem ética enquanto sistemas de apoio à decisão. 

Por mais que as tecnologias avancem, não parece razoável esperar que esses dilemas sejam solucionados de maneira completa, ou ainda que surjam valores universais que orientem a ação dessas máquinas em situações que envolvam decisões de cunho moral. O debate atual é amplo e multidisciplinar, trazendo à discussão formadores de políticas públicas, agências reguladoras, indústrias, pesquisadores e especialistas. Sendo assim, torna-se evidente o fato de que a presença humana sempre será fundamental, mesmo em ambientes altamente autônomos, a fim de que se produzam tecnologias sob parâmetros éticos e orientados por critérios de transparência no seu desenvolvimento.

Referências:

BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. In: BENTHAM, J.  Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 3-18.
BONNEFON, J. F.; SHARIFF, A.; RAHWAN, I. The social dilemma of autonomous vehicles. Science, v. 352, n. 6293, june 2016, p. 1573-1576.
EFF – ELECTROCNIC FROUNTIER FOUNDATION. [Imagem de robô pensante.] In: ECKERSLEY, P. How good are Google's new AI ethics principles? Deeplinks Blog. 07/06/2018. Disponível em: <https://www.eff.org/deeplinks/ 2018/06/how-good-are-googles-new-ai-ethics-principles>. Acesso em: 11/10/2019.
MILL, S. O que é o utilitarismo? In: MILL, S. Utilitarismo. São Paulo: Escala, 2007.

O bem comum e a lógica do utilitarismo

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Julia De Marchi.

Um trem, seguindo seu caminho, vai atingir cinco pessoas que trabalham sobre a linha. Você tem a possibilidade de evitar a tragédia acionando uma alavanca que desviará o trem para a outra linha, na qual há uma pessoa trabalhando, e que será atingida por ele. Você mudaria o trajeto, salvando cinco pessoas e matando uma?

Esse dilema moral é bastante conhecido e pode ser analisado com base em diversas teorias filosóficas, uma delas é o utilitarismo de Bentham (1979) e Mill (2007). Com base nos postulados de Bentham (1979), a ação correta seria aquela que acarretasse em uma maior felicidade a um maior número de pessoas possível. Nesse caso, a decisão mais adequada seria a mudança de trajeto do trem. Segundo ele, a utilidade

é a propriedade existente em qualquer coisa, propriedade em virtude da qual o objeto tende a produzir ou proporcionar benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade, ou a impedir que aconteça dano, dor, o mal ou a infelicidade para a parte cujo interesse está em pauta. Se esta parte for a comunidade em geral, tratar-se-á da felicidade da comunidade, ao passo que, em se tratando de um indivíduo particular, estará em jogo a felicidade do mencionado indivíduo. (BENTHAN, 1979, p. 4).

Ou seja, Bentham (1979) apresenta uma noção de bem comum baseada em uma lógica quantitativa. Trazendo essa lógica para os dias atuais, podemos analisar as políticas públicas a luz do utilitarismo. Um gestor, ao elaborar políticas públicas para o seu governo, tem diversas possibilidades de ação. Para escolher qual é a melhor alternativa, ele pode calcular a utilidade, ou o valor da felicidade que cada uma gerará, e escolher aquela que atenda ao maior número de pessoas. 

Como exemplo, um prefeito de uma determinada cidade conta com um orçamento bastante limitado e possui verba para a construção de apenas uma creche na municipalidade. Há três bairros que necessitam com urgência de uma creche. Como tomar a decisão sobre qual bairro ele deve realizar a obra? Seguindo a premissa do utilitarismo, de forma bastante simples, ele provavelmente escolherá aquele com maior número de famílias e crianças precisando de vaga. 

Mill (2007), por outro lado, fundamentou os seus pensamentos não apenas na maximização da felicidade de forma quantitativa, mas também qualitativa. “Enquanto na avaliação de todas as outras coisas a qualidade é levada em consideração tanto quanto a utilidade, seria absurdo supor que a avaliação dos prazeres devesse depender da quantidade apenas.” (MILL, 2007, p. 23). Ele distingue, ainda, os prazeres em maiores ou menores; e diz que se deve verificar qual ação gerará uma maior felicidade em termos de qualidade, ainda que esta gere um descontentamento para uma quantidade maior de pessoas. “É bastante compatível com o princípio da utilidade reconhecer o fato, que alguns tipos de prazer sejam mais desejáveis e mais valiosos que outros.” (MILL, 2007, p. 23).

Ao analisarmos a elaboração de políticas públicas mais complexas, como para populações em situação de rua ou a construção de penitenciárias, as decisões ficam mais difíceis. Se em um determinado município há a necessidade de construção de uma nova penitenciária, pois as existentes já não suprem as demandas recebidas, como escolher em qual bairro será construída? 

O município de São José, em Santa Catarina, tem enfrentado esse dilema há cinco anos. Os moradores do bairro Potecas, que está prestes a receber as obras do novo cadeião da região, alegam que a comunidade “não merece conviver com todos os percalços de um presídio, como aumento do consumo de drogas, tentativas de fugas de presos, ambiente de muita periculosidade, poluição sonora e sirene de viaturas, que terão circulação 24 horas na região, a serviço do sistema carcerário” (AMARAL, 2018). 
Fonte: NSC Total (2018).
Contudo, seguindo a lógica de Mill (2007), não se deve analisar quantas pessoas ficarão descontes com a implantação dessa penitenciária, e sim, a qualidade da felicidade e os benefícios que essa política trará. Ele salienta, ainda, que o bem-estar geral deve ser prioridade em detrimento do bem-estar individual. Deve-se analisar as consequências das ações e será considerada certa aquela que dê lugar ao coletivo. Ele considera que,

quando se trata de uma questão de saber qual dos dois prazeres vale mais a pena possuir, ou qual dos dois modos de existência é o mais agradável aos sentidos, sem considerar seus atributos e suas consequências morais, o julgamento daqueles que são mais qualificados por conhecer ambos, ou, se divergirem, da maioria dentre eles, deve ser admitido como final. (MILL, 2007, p. 26)

Ou seja, considerando os postulados acima expostos, o papel fundamental de um gestor público é colocar-se como um intermediador de ambos os lados e analisar as consequências de cada decisão a ser tomada. Dessa forma, poderá fazer um juízo de qual é a melhor política pública, de tal maneira que possa atingir o bem público sob todos os aspectos. Muitas decisões são arriscadas e impopulares, mas é a missão do legislador e do gestor buscar a maximização da felicidade e do bem comum, ainda que nem sempre de forma abrangente.

Referências:

BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. In: BENTHAM, J. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 
AMARAL, E. Moradores de Potecas, em São José, não querem cadeião. 2018. Disponível em: <https://www.nsctotal.com.br/colunistas/edsoul/moradores-de-potecas-em-sao-jose-nao-querem-cadeiao>. Acesso em: 24 set. 2019.
MILL, S. O que é o utilitarismo? In: MILL, S. Utilitarismo. São Paulo: Escala, 2007.
NSC TOTAL. [Imagem da comunidade de Potecas fazendo protesto pelas ruas do bairro.] In: EDSOUL. Moradores de Potecas, em São José, não querem cadeião. 21/11/2018. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/ edsoul/moradores-de-potecas-em-sao-jose-nao-querem-cadeiao. Acesso em: 12/10/2019.