Ensaio desenvolvido com base na obra “Crítica da razão pura” de Immanuel Kant

 Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Daniela Faliguski

Kant aborda alguns aspectos que, segundo ele, poderão indicar que dado estudo pode não estar no que ele chama de “caminho seguro para a ciência”: a existência de impasses relacionados ao seu fim, a necessidade de retornar e buscar outros caminhos para atingir a finalidade estabelecida e o fato de existirem dificuldades por parte dos diferentes colaboradores sobre qual seria o propósito em questão. Esse pensador exemplifica esse ponto de vista citando a lógica como bem sucedida neste caminho em direção à ciência, pois, conforme ele descreve, ela não precisou retroagir desde a sua concepção aristotélica, estando concluída e completa desde o seu primórdio. Esse pensador também menciona que quando os limites de uma ciência se confundem com o de outra não se pode dizer que há um aumento, mas sim uma deformação da mesma.

Outro ponto enfatizado por Kant diz respeito à necessidade de que a razão deva estar presente na ciência, sendo fundamental para isso que algo seja conhecido a priori, estando esse conhecimento relacionado ao objeto tanto no que se refere ao seu conceito, como no sentido de torná-lo real. Ele complementa tal pensamento descrevendo como ocorreu o percurso da matemática e da ciência da natureza (física) ao encontro do caminho da Ciência. Em relação a esse último exemplo, sobretudo, se percebeu segundo ele que “[...] a razão somente entende aquilo que ela mesmo produz segundo o seu projeto” (KANT, 2015, p. 28), ressaltando a necessidade de que haja um plano preconcebido, sendo isso algo que a razão busca e necessita.

Diferentemente do que se observou na lógica, na matemática e na física, muito mais difícil é o percurso da metafísica em direção à ciência, uma vez que o caminho percorrido por ela é refeito inúmeras vezes, por não conduzir aonde se quer chegar, assim como existe amplo combate entre aqueles que são seus defensores. Perante esse contexto, Kant comenta que, para que a metafísica atinja o que ele chama de caminho seguro da ciência, ela deverá se ocupar de conceitos a priori. Haveria, segundo ele, um ponto perturbador nessa concepção que é o fato de se saber que, neste sentido, nunca seríamos capazes de ultrapassar os limites da experiência possível, sendo que esse seria o interesse essencial dessa ciência. Tal problemática se resolveria por meio da concepção de que há no conhecimento prático dados a partir dos quais seria possível determinar um conceito racional transcendente. Neste sentido, Kant irá diferenciar os conhecimentos a priori, aqueles que independem de toda e qualquer experiência, dos conhecimentos a posteriori, sendo esses últimos possíveis apenas a partir da experiência.

Na discussão acerca de como a metafísica pode ser purificada pela Crítica, Kant reforça a necessidade de se medir sua faculdade a partir da “diversidade dos modos” pelos quais ela escolhe seus objetos para o pensamento e como se define o modo como dispõe as tarefas. Com base nesta diferenciação trazida por Kant, na tabela a seguir constam alguns pontos fundamentais apontados pelo autor, a fim de proporcionar um mais adequado entendimento do seu raciocínio:

Tabela: Diferenças entre conhecimentos a priori e a posteriori e outros conceitos

Conhecimentos a posteriori

Conhecimentos empíricos ou advindos da experiência.

Não conferem uma universalidade verdadeira e estrita, mas apenas suposta e comparativa.

Conhecimento a priori.

 

Independe de toda e qualquer experiência.

Conhecimento que antecede ao empírico.

Proposição que é necessária para a dedução de outra.

Universalidade estrita.

Indispensáveis a própria experiência.

Conhecimento puro.

Conhecimento a priori que não tenha nada de empírico misturado.

Conhecimento Metafísico

Conhecimentos que abandonam qualquer vínculo com a experiência.

Juízos analíticos/de explicação

Quando um conceito está situado em outro. Permite a decomposição.

Juízos sintéticos/de ampliação

Quando um conceito apenas se conecta a outro, mas está fora. Contemplam todos juízos de experiências.

São os que são utilizados no conhecimento a priori.

São tidos também na Matemática e Física.

Fonte: Elaborada pela autora com base em KANT, I. Crítica da razão pura. 4.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2015. p.17-68.

 O autor expõe, a partir das reflexões feitas sobre o conhecimento a priori, o que ele considera ser o verdadeiro problema da razão pura: “[...] como são possíveis juízos sintéticos a priori” (KANT, 2015, p. 56). Segundo ele, caso não entendida como ciência, a metafísica deverá ser considerada ao menos como disposição natural, uma vez que a razão humana, impulsionada pela própria necessidade, vai até questões que empiricamente não podem ser respondidas. Ele ressalta a necessidade de se trazer a metafísica para algumas certezas, sejam elas relacionadas a saber ou não saber sobre seus objetos, ou definindo os objetos de suas questões, ou mesmo a capacidade ou incapacidade da razão para julgar algo em relação a eles. Dessa forma estaria se adotando, por meio da crítica da razão, um caminho seguro rumo à ciência.

Ao chamar de crítica da razão pura, Kant define o que seria o caminho para uma purificação da razão, se constituindo esse em um conhecimento transcendental, o qual se ocuparia muito mais do modo de conhecer os objetos e não tanto com os próprios objetos, para tanto se utilizaria de uma filosofia transcendental, sendo essa um sistema para todos os princípios da razão pura. Cabe destacar que o que Kant verifica como diferencial entre a razão pura e a filosofia transcendental, é o fato de a primeira se ocupar somente dos conhecimentos sintéticos a priori, sendo esses caracterizados por conterem uma verdadeira universalidade e uma estrita necessidade, aspectos que o conhecimento empírico não apresenta.

Por fim abaixo são apontados alguns passos que, para Kant, seriam necessários ao caminho de tornar seguro e confiável o campo do conhecimento puro:

1. Descobrir o fundamento de possibilidade dos juízos sintéticos a priori com a devida universalidade;

2. Discernir as condições que tornam possível cada espécie destes juízos;

3. Determinar em um sistema esse conhecimento como um todo segundo suas fontes originárias, suas divisões, seu alcance e seus limites.

Tendo sido explanado alguns pontos fundamentais sobre a crítica da razão pura, se ressalta que ela extrapolaria o empirismo e o racionalismo, pois ela inaugura um “novo modo de pensar” em filosofia, constituindo um exercício da razão que se redobra sobre si mesma. Kant, neste sentido, inova, ao mostrar que a capacidade racional encontra sua perfeição no pensamento, não se resumindo apenas ao conhecimento. Neste sentido, cabe a reflexão sobre os princípios que se mostram em toda e qualquer ciência positiva (física, biologia, economia, etc.), como também sobre os objetos que não se deixam reduzir a uma sistematização (filosofia, psicanálise, crítica literária, etc.).

Por fim, se destaca que Kant a partir da “Crítica da razão pura”, cria um sistema de conceitos básicos no campo da epistemologia, uma vez que ele busca equilibrar o racionalismo e o empirismo. Tais contribuições, ao instigar reflexões sobre como ocorre a construção dos diversos conhecimentos e pensamentos, contribuem para todas as ciências. Ao se pensar especificamente sobre a administração, sendo essa uma ciência social aplicada, se observam diversos desafios em relação às reflexões desenvolvidas por Kant, reforçando assim a pertinência de se explorar suas contribuições nos estudos propostos na área.

REFERÊNCIA

 KANT, I. Crítica da razão pura. 4.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2015. p. 17-68.

 


O Positivismo de Durkheim aplicado ao Espiritismo de Kardec

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Renata Biana da Silva 

Enganam-se os leitores desavisados ao acreditarem que as teorias filosófico-sociológicas desacreditam/negam umas às outras, uma vez que um olhar atento e perspicaz perceberá, sem maiores esforços, a sucessão lógico-moral que cada qual revela em sua essência, concluindo, sem dificuldades, que todas possuem pontos convergentes.

Não raras vezes, os pesquisadores se recusam a reconhecer a propriedade intelectual dos pares, e intentando conquistar seu lugar ao sol, negam conhecimentos importantes já tornados inteligíveis por seus antecessores.

Faz-se perceptível, ao longo do desenvolvimento da Humanidade, a influência da metafísica na vida visível; uma vez que ao inquirirmos à nossa própria consciência sobre o conceito de perfeito, de belo e de moral, compreendemos que tais designações dizem respeito, na maioria das vezes, a conceitos-sentimentos, não sendo eles resultado do convívio social, contudo inerentes ao ser espiritual que somos todos.

Sem maiores divagações, cumpre-nos ressaltar a importante contribuição da Sociologia Positivista na expansão da compreensão dos fatos sociais, enquanto, conforme muito bem pontuou Durkheim, contribuições individuais que em interação perpassam a quantia contributa de suas individualidades tomadas em conjunto.

Certamente que, com o passar dos anos, o homem médio compreendeu que a evolução advinha de uma lei natural universal, explicada pela causalidade dos fenômenos, demonstrando ao ser racional que não mais se faz suficiente a satisfação tão somente das necessidades fisiológicas, progresso esse que é também um convite à abertura dos olhos no que tange à investigação da vida que se prolonga para além da existência física, explicando a vontade imanente que todo ser racional possui, segundo preceitua Kant, de desenvolver todas as habilidades latentes rumando alcançar paragens de entendimento pleno.

Notem que em momento algum o Espiritismo – concebido como uma doutrina científica, religiosa e filosófica – afirmou possuir todas as respostas para as dúvidas incitadas por Descartes, entretanto se manteve coerente em relação às verdades que ousou descortinar.

O codificador Hippolyte Léon Denizard Rivail – Allan Kardec – não fez mais do que aplicar uma metodologia experimental, perfeitamente enquadrada no método positivista sugerido por Durkheim, uma vez que não partiu de qualquer conclusão lógica utilizando-se de teorias preconcebidas, no que concerne ao fenômeno “imortalidade da alma”, mas preocupou-se em tomar os fatos como novos, carecendo de explicação quando perscrutadas as leis conhecidas.

Kardec, enquanto discípulo de Pestalozzi e pioneiro na pesquisa científica de atividades paranormais iniciou sua empreitada com o intuito de comprovar o charlatanismo dos adeptos do movimento denominado “Mesas Girantes”, movimento este que pode ser definido como uma congregação de pessoas comuns, hoje denominadas médiuns pela doutrina espírita, que se reuniam em volta de uma mesa, bem como questionavam os desencarnados (quem não habita a carne) sobre questões relacionadas à vida futura, obtendo como resposta dos espíritos batidas das mesas, que se elevavam e tocavam o chão em quantidade correlata à letra correspondente do alfabeto, possibilitando a formação de palavras, e posteriormente de frases compreensíveis.

               Fonte: Jornal O Imortal (2022).

O movimento das mesas girantes, enquanto fato novo, não encontrava explicação nas leis vigentes, necessitando de observação, comparação, análise e, por meio da correlação dos efeitos com as causas, chegou à lei que regia o fenômeno, deduzindo-lhes as consequências, posteriormente, e ainda buscando aplicações pertinentes. O codificador tão somente concluiu pela existência dos espíritos quando ressaltou notória da observação dos fenômenos, não partindo de qualquer pressuposto tal como a existência e a intervenção dos espíritos, ou ainda a reencarnação, ou qualquer dos princípios da posterior doutrina.

Assim sendo, podemos afirmar que o Espiritismo é uma ciência de observação, posto que tido, pelos desinformados, como uma doutrina tão somente religiosa, obteve na codificação o resultado da experimentação. Até a efetiva codificação de Kardec a aplicação do método experimental a fenômenos metafísicos não era considerada possível.

Hodiernamente, a prática das mesas girantes encontra-se superada, uma vez que as comunicações mediúnicas ocorrem por meios menos onerosos, tais como telepatia, vidência, psicografia, inspiração, entre outros.

O mister do presente ensaio é uma invitação à comunidade acadêmica no sentido que sejam repensados os julgamentos que se têm sobre os célebres contribuintes do vasto conhecimento a que hoje temos acesso, porquanto ingressaram na materialidade para que vislumbrássemos o futuro que nos aguarda, sem que seja necessário tornarmo-nos replicadores dos dizeres já ditos, de modo que possamos deixar nossa contribuição para o mundo, no silêncio de nossas elucubrações íntimas, ou nas publicações científicas, tanto faz, desde que cientes da necessidade de concebermos o mundo para além do alcance do que nos é visível, ou até mesmo confortável.

Estaria, portanto, a ciência, apta a dialogar com as demais esferas da vida?

REFERÊNCIAS

DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

KARDEC, A. Qu’est-ce que le spiritisme (O que é o espiritismo). Tradução da Redação de Reformador em1884 – 56. ed.– Brasília: FEB, 2013.