As Bases Positivistas do Programa Future-se

 Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de doutorado Monica F C Pedrozo Gonçalves

Este breve ensaio pretende apresentar questões fundamentais do paradigma da ciência moderna, representados aqui pelo empirismo de Bacon e racionalismo de Descartes e sua relação com as políticas públicas educacionais, especificamente, no que tange ao Programa Future-se (BRASIL, 2019).

Conforme Kneller (1980), a ciência é histórica uma vez que é uma atividade, uma instituição e um corpo de conhecimentos que se modificam no tempo em prol da busca de uma completa explicação da ordem da natureza.

No contexto de desenvolvimento das ciências, a ciência moderna, constituída na Europa do século XVI, caracteriza-se pela crença na capacidade do homem em transformar a sociedade. É um período no qual predomina-se a ideia de que a ciência e a técnica podem desvendar toda a realidade, além da certeza de que a razão humana tem a capacidade de conhecer toda a complexidade que envolve a subjetividade.

Os filósofos Bacon e Descartes, foram representantes da ciência moderna e desenvolveram em seus  estudos, o empirismo e o racionalismo, respectivamente. Bacon elabora e apresenta o método experimental que tem por objetivo descrever todas as condições em que um fenômeno ocorre. A investigação minuciosa dos diferentes casos individuais e a combinação entre eles, leva a produção do conhecimento, ou seja, compreender as formas como os fenômenos acontecem significa entender as possibilidades de manipulá-los. Segundo Bacon (1979), a melhor demonstração é a experiência, desde que se dedique rigorosamente ao experimento e não se aplique a outros fatos entendidos como similares, a não ser que se proceda de forma metódica e correta.

Descartes, por sua vez, fundamenta seus estudos na dúvida, e a converte em um método, pautado na razão. Para ele, nada é tão verdadeiro que não possa ser colocado em dúvida. Neste sentido, encaminhou seus estudos especialmente na matemática, na qual oferecia a certeza de suas razões. Os estudos ligados a poesia e às línguas não eram férteis para o espírito, considerando que tais estudos não conseguiriam tornar as coisas mais claras e distintas. Descartes (1979) defendia que não existia tanta perfeição nas obras compostas por várias peças e feita pela mão de vários artistas, pois para ele, todos os corpos eram semelhantes, o que se diferencia entre eles, é a mente pensante. 

A reverência à ciência na racionalidade, embora tenha tido muito avanços, sobretudo, do ponto de vista tecnológico, revela também questões passíveis de críticas. Conforme Souza Santos (1989), o paradigma científico da racionalidade nega o caráter racional de outras formas de conhecimento que não se sustentaram nos seus princípios e regras epistemológicas e metodológicas, o que revela o caráter arbitrário do método. Ademais, este paradigma considera que, o que não é quantificável é cientificamente irrelevante, o que denuncia um desprezo ao conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo.

As orientações oferecidas pelo paradigma da racionalidade remetem a uma questão atual, que interfere em questões científicas, formativas e sociais das universidades públicas federais brasileiras, a saber, o Programa Future-se. O referido programa foi lançado em 2019 (BRASIL, 2019), com a proposta de transformar de forma inédita e inovadora, a cultura nas instituições públicas de ensino superior, conferindo-lhes maior autonomia. Trata-se de uma proposta de Projeto de Lei que teve sua primeira versão lançada em julho de 2019, a segunda versão em outubro de 2019 e a terceira versão em janeiro de 2020.

Fonte: Elaboração própria

À medida que as versões eram lançadas seguiam-se um período de análise crítica. O Future-se foi objeto de muitas críticas da comunidade científica, uma vez que provocou controvérsias e preocupações às comunidades universitárias das instituições envolvidas e aos cidadãos do país que defendem a ideia da educação superior estatal pública. Giolo, Leher e Sguissardi (2020), advertem que no Future-se é evidenciado o autoritarismo do método, considerando que não houve um diálogo prévio com os agentes destinatários da proposta. Ademais, as proposições contidas no Programa apontam para a desresponsabilização do Estado em relação ao financiamento do ensino superior e atendem a um modelo de gestão voltado para a privatização. 

No programa Future-se, é possível perceber a sustentação em bases positivistas, reveladas inicialmente pela própria arbitrariedade do método que não ousou ouvir, dialogar com as instâncias envolvidas. O positivismo tem como fundamento a concepção de verdade como um princípio absoluto. Outrossim, o positivismo possui em sua essência, a base nos métodos científicos, pautando-se sob a égide do capitalismo e no progresso advindo da industrialização.

Deste modo, é importante ressaltar que o papel das universidades federais está diretamente vinculado com a vida social e política do país e, portanto, as diretrizes das políticas públicas educacionais impactam no desenvolvimento científico, social e formativo da universidade.

Faz-se necessário uma ruptura do paradigma dominante, daquilo que é estabelecido e vigente, no que tange a ciência e a sociedade, trabalhando dentro de uma concepção que entenda o natural e o social como eixos indissociáveis. É relevante que os indivíduos, enquanto sujeitos que interagem com esta realidade, assumam o desafio de exigir mudanças e se coloquem no papel de agentes de transformação, não somente como sujeitos sociais, mas também numa perspectiva diferente de constituição da pesquisa científica.

Referências

BACON, F. Novum Organum. In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979.
BRASIL. MEC lança programa para aumentar a autonomia financeira de universidades e institutos. Brasília: 2019. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/index.php?option=com_content&view=article&id=78211:mec-lanca-programa-para-aumentar-a-autonomia-financeira-de-universidades-e-institutos&catid=212&Itemid=86>. Acesso em: 07 out. 2019.
DESCARTES, R. Discurso do Método. In: René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
GIOLO, J.; LEHER, R.; SGUISSARDI, V. FUTURE-SE: ataque à autonomia das instituições federais de educação superior e sua sujeição ao mercado. São Carlos: Diagrama Editorial, 2020.
KNELLER, G. F. A Ciência como atividade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
SANTOS, B. de S. Um discurso sobre a ciência. Porto: Afrontamento, 1989.