Introduzindo as humanidades Científicas de Latour por meio das limitações do Neo-Racionalismo Popperiano.


Pequeno ensaio produzido pela aluna de Doutorado Emillie Michels

Considero por mais instigante no estudo da epistemologia a busca pelo entendimento do que se entende por verdade, como se busca a verdade por meio da ciência, bem como os problemas acerca das crenças desse conhecimento, de como ele é produzido. Em como cada etapa, no sentido de evolução do pensamento científico, os posicionamentos se distinguem e se perpetuam, simultaneamente, aspectos para a compreensão da expressão.

Partindo do entendimento de Popper (1979) sobre a ciência, sob a perspectiva neo-racionalista, a tarefa do cientista seria identificar enunciados científicos, para que assim sejam produzidas leis científicas, que devem ser falseadas pelo método dedutivo de teste. Somente assim seria possível conceber uma hipótese a ser testada empiricamente, firme na sua oposição direta ao indutivismo e suas dificuldades insuperáveis.

Para Popper, o mecanismo de compreender a verdade é falsear (princípio da falseabilidade) uma hipótese por meio de um experimento ou observação lógica, para assim caracterizar o que é e o que não é científico ou mesmo ciência. “Pode justificar-se um enunciado? E em caso afirmativo, como? É testável? [...] Para que este enunciado possa ser logicamente examinado desta maneira, [...] alguém deve tê-lo formulado e submetido a um exame lógico.” (POPPER, 1979, p. 6)

O teste de uma teoria poderia ser levado a cabo a partir de uma comparação lógica dos enunciados entre si para verificar a consistência interna do sistema. Após, seria a investigação lógica da teoria, com o objetivo de determinar se ela é uma teoria empírica ou (não-) científica. A comparação entre outras teorias seria imprescindível para estabelecer o avanço científico a partir de vários testes de contradição, para finalmente ser possível o científico por meio de aplicações empíricas. (POPPER, 1979). Seu posicionamento firme sobre a lógica da investigação científica, sobre o que considera ciência, se exprime neste parágrafo:

                    [...] não exijo que  todo enunciado científico deva ser de fato testado antes que seja aceito; exijo somente que todos estes enunciados sejam suscetíveis de ser testados; ou em outras palavras, recuso-me a aceitar a concepção de que existem na ciência enunciados que devemos, resignadamente, aceitar como verdadeiros simplesmente porque não parece possível, por razões lógicas, testá-los (POPPER, 1979, p. 20).

A demarcação científica é necessária para distinguir as ciências empíricas de um lado, a matemática, lógica (e os sistemas metafísicos) de outro, e o que não é ciência. É o que Popper (1979) perpetua desde o marco da ciência moderna como a entendemos hoje. Distingue pondo em cheque o método indutivo (a partir das ideias de Hume,na incapacidade de responder todas as perguntas partindo do particular para o geral) a partir do teste dedutivo dos enunciados científicos para garantir uma ciência empírica.E, assim, também perpetua a divisão das ciências.

O que se nota nas ideias de Popper é a necessária distinção das expressões científico e social. São dois mundos. Um onde se expressa(m) a(s) hipótese(s), noutro um padrão a ser seguido ou repetido. Um enunciado científico de sentido social não determinaria necessariamente que algo acontecesse, mas que existiria essa possibilidade lógica para se acontecer e, assim, se tornar uma teoria científica.
Nesse contexto, quando Popper exclui/expurga/combate o método indutivo em si, ele busca purificar a ciência do mundo social. De um lado, faz uso da base do nascimento da ciência moderna, numa nova roupagem ao “penso, logo existo” sem abstrações impossíveis logicamente, que faz uso da experiência como o método de se fazer ciência além da matemática. Considero, de outro lado, que valoriza o método (dedutivo) empírico para solidificar a importância das ciências não-matemáticas.

Nas palavras de Popper, o mundo real seria o mundo da nossa experiência (POPPER, 1979). A verdade estaria neste mundo científico. Contudo, distancia-se do social como objeto de estudo naturalmente imbricado na sua investigação científica, na própria empiria. Em conclusão ao objetivo principal deste paper, aqui seria possível incluir Latour (1994) na discussão não de uma nova ciência, se jamais fomos modernos, mas de um novo campo de conhecimento. Nem matemático, nem empírico, mas do movimento ou da mobilidade. 

A partir das minhas inferências, para Latour (2016), os enunciados científicos das humanidades
científicas seriam as controvérsias postas, dadas, reconhecidas por todos, entre o mundo social e científico, entre leigos e especialistas. O mundo real para Latour seria o estudo do movimento entre científico e político. As demarcações científicas são fluidas, se deslocam, interagem, estão em constante negociação a partir dos usos e aplicações das descobertas científicas modernas. Estes enunciados não seriam testados para encontrar ou não contradições entre teorias científicas. As controvérsias seriam apresentadas cientificamente para compreensão sistêmica destes dois outros campos científicos.

Então, essas contradições que seriam hipóteses de pesquisa por meio enunciados científicos não se encontram apenas entre as teorias e leis científicas. Para Latour (2016), as controvérsias estão para além das contradições. As controvérsias se dão quando os cientistas não estão do mesmo lado das demarcações científicas, considerando o posicionamento ontológico do cientista. O ato de “atravessar” a demarcação científica para compreender o mundo real estaria na interação social entre humanos e não-humanos, não seria o mesmo mundo real da ciência moderna em Popper (1979).


Referências

LATOUR, B. Cogitamus: seis cartas sobre as humanidades científicas. São Paulo: Editora 34, 2016.
______. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. 

POPPER, K. A lógica da investigação científica. In: Karl Popper. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.