Mensagem de boas-vindas: Pensar, livre pensar...


A morte de Sócrates, por Jacques-Louis David (1787)

“(...) Pois se vós pensardes que matando as pessoas, impedireis que vos reprovem por viverem mal, estais em erro. Esta forma de se desembaraçarem daqueles que criticam não é nem muito eficaz nem muito honrosa.“  Sócrates

Pensar, livre pensar...

Por Carolina Andion

Seja bem vindo! Esse espaço foi criado para estimular a reflexão crítica na e sobre a ciência, considerando esta última como uma construção social e histórica. A ideia surgiu do trabalho desenvolvido na disciplina de Epistemologia da Ciência da Administração, na qual os alunos, o monitor e a professora são estimulados a conhecer, dialogar e refletir com e sobre o percurso da ciência, desde os seus primórdios, com os pré-socráticos, passando pelos modernos, até chegar nas controvérsias mais atuais trazidas com a sociologia da ciência.

No Blog estaremos publicizando as reflexões feitas por nós neste percurso em forma de pequenos ensaios que esperamos sejam inspiradores de novas reflexões e debates fora da sala de aula e além dos muros da Universidade. Boa leitura!

A invenção do sujeito na arte de Georges de La Tour

Por Daniel Ouriques Caminha,

Petit souffleur à la lampe
Afinal o que é arte? Quando lanço esta pergunta a um grupo qualquer via de regra recebo respostas muito variadas, discretas e acanhadas. Se intuitivamente podemos facilmente afirmar que a Capela Sistina e a Monalisa são arte, temos certos bloqueios a racionalizar sobre os porquês disso e daquilo e não outras coisas serem arte. Tenho a intuição de que a cadeira na qual estou sentado redigindo este texto não é arte, mas as obras que estão no Louvre o são (incluindo a própria construção arquitetônica do museu). Certamente isso não é uma questão fácil mesmo. Eu e você não somos ignorantes por termos uma certa dificuldade em racionalizar a arte. É uma questão filosófica da qual o problema estético vem se debruçando há séculos. Neste blog, pretendo ir trazendo à tona diversas perspectivas estéticas da questão artística. Ato contínuo, lanço uma provocação inicial a partir da arte plástica de Georges de La Tour (França, 1593-1652). Seria a arte senão a postura intencional de imprimir em algo um sentimento singular/específico/empírico? Ora, não se trata, por exemplo, da representação de sentimento tais como a tristeza ou a felicidade em geral, em abstrato, mas da impressão intencional de alguém acerca de algum sentimento particular que está a sentir no processo artístico (mesmo não sabendo ainda bem qual sentimento é) e expressou-o através da via artística. Em La Tour, neste caso, o elemento artístico reside não no sentimento que achamos que as pessoas representadas estão sentindo, mas num sentimento específico de La Tour que foi representado  pelo próprio no processo artístico que resultou na composição específica (portanto, singular) das pinturas. 

Madeleine pénitente 
Christ dans l'atelier du charpentier

A fragilidade da educação brasileira e o desafio de reconstruir um sistema de ensino com base no conhecimento

Texto dissertativo produzido pelo aluno Eduardo J. Jara

Florianópolis, 24 de março de 2018


O Ranking PISA, abreviação em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), coloca o Brasil na 63ª posição em Ciências, na 59ª em leitura e na 65ª colocação em Matemática, em uma ranking onde foram avaliados 70 países (INEP, 2016), e em estudo de 2018 do Banco Mundial, estima-se que o país irá demorar cerca de 260 anos para atingir a média do nível educacional dos demais países em Leitura e 75 anos para atingir esta média em Matemática. (WDR, 2018, p.3). Acrescenta-se a este baixo desempenho avaliado internacionalmente, os resultados nacionais da edição 2015 do Sistema de Avaliação da Educação, o SAEB. Em Matemática, os estudantes do Ensino Médio obtiveram o pior resultado verificado em onze anos da série histórica, iniciada em 1995 (SAEB, 2016). Um contrassenso ao desenvolvimento de novas tecnologias, cujo princípio básico envolve a formação qualificada em linguagem matemática e de programação. Podemos associar à Matemática não apenas o desenvolvimento de novas tecnologias, mas a ela devemos toda a excelência da lógica, ou, destacando a interpretação positivista de Roger Bacon, as Matemáticas “são a porta e a chave das ciências e das coisas deste mundo das quais se permitem um conhecimento certo” (CROMBIE, 1952, p.143, apud KOYRÉ, 2011, p.56).

Esta breve introdução sobre a fragilidade do Ensino e Aprendizagem de Matemática no Brasil remete a questões maiores. Não apenas esta disciplina específica carece de melhorias, mas toda a formação dos estudantes, de forma geral, necessita de incremento substancial para que de fato possamos estar falando em formação de qualidade no nível educacional. Todavia, por destacarmos a Matemática como exemplo, não significa que estamos aqui privilegiando uma formação positivista, estritamente associada à análise quantitativa e numérica. Instigar nos educandos a capacidade de culto ao saber e ao conhecimento é algo que deveria estar impregnado na matriz educacional como característica intrínseca de educadores e de todos envolvidos com a Educação. Instigar estudantes a terem um espírito que tenham a “liberdade de duvidar dos princípios que aceitaram” (DESCARTES, 1979, p.36). Como os estudantes hoje muitas vezes partem da pergunta do para que aprender e não sobre o porquê de aprender, transforma-se o ato de aprimorar o conhecimento em algo utilitário. A reflexão de Descartes [1596-1650] sobre liberdade de duvidar surge de sua classificação de que existem tão somente duas espécies de espírito. Estes dois tipos sugeridos por Descartes, grosso modo, são aqueles que crêem ser mais hábeis do que são e não duvidam dos princípios que lhe são repassados e, de outra forma e o que seria muito bom que resgatássemos, aqueles espíritos que modestamente privilegiam a razão. Para tornar esta reflexão mais prática, podemos exemplificar o caso com uma situação de aprendizagem Matemática. Quantos dos estudantes brasileiros de Ensino Médio conhecem a Fórmula de Baskara? Solução chave para equações do Segundo grau. Ainda que tenhamos um número razoável de estudantes que possam afirmar conhecimento de causa, de fato este conhecimento é completo ou apenas uma reprodução de símbolos que lhe foram repassados? O verdadeiro espírito tomado pela inquietação do saber devia seguir o princípio de “jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal” (DESCARTES, 1979, p.37), e do ponto de vista matemático, para o exemplo da Fórmula de Báskara, sustentar e demosntrar o porquê da fórmula. Como se chegou a tal conclusão que as raízes são definidas? Vale o mesmo para argumentos da área de geometria (a soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre 180º?), trigonometria (sen2θ+cos2θ=1); álgebra (produtos notáveis) e muitas outras áreas. Um ensino que reproduza tão somente, no caso da Matemática, fórmulas e regras, capacita estudantes a reproduzirem, quando muito, as mesmas formulas, sem ao menos refletir como se chegou até elas. Ampliando este problema para todas as disciplinas, ensinam-se conteúdos para cumprir um cronograma de grade curricular muitas vezes de forma descontextualizada e artificial.

É bem possível que para os educadores envolvidos na formação dos jovens estudantes seja mais simples repassar o conhecimento tal qual vem sendo feito no Brasil há muitas décadas, como podemos verificar nos indicadores de qualidade da educação disponíveis para o Brasil. Todavia, a mesma facilidade teremos para analisar as consequências disto para o desenvolvimento do país. Francis Bacon [1561-1626] a sua época já constatara que “as ciências que ora possuímos nada mais são que combinações de descobertas anteriores” o que até hoje continua sendo um argumento válido. Apresentar aos estudantes novos conhecimentos carrega consigo uma construção histórica de séculos, e isto pode ser resgatado a partir de reflexão para melhor compreensão dos temas em estudo. Isto exige dos formadores capacitação adequada. Uma formação distinta que resgate a importância do culto ao conhecimento em detrimento a uma aprendizagem utilitarista com fim em si mesmo. Todavia este é um desafio maior que implicaria reestruturar um sistema de educação complexo e de dimensões continentais como é o caso brasileiro.

Este desafio, embora imponente, não deve por este motivo ser deixado de lado. Cabe a nós educadores e pessoas envolvidas com o ambiente acadêmico propor alterações que modifiquem a atual estrutura como está formada. Como deve ser feito é algo que demanda muito estudo e planejamento, todavia há indicações importantes de como não fazer, ou nas palavras de Francis Bacon:

Seria algo insensato, em si mesmo contraditório, estimar poder ser realizado o que até aqui não se conseguiu fazer, salvo se se fizer uso de procedimentos ainda não tentados (BACON, 1979, p.14)

Dito de outra forma, não poderemos modificar a qualidade do ensino no Brasil se forem mantidas as mesmas práticas e estrutura de ensino já consolidadas. Evidentemente que existem boas práticas e bons gestores públicos que conseguem resultados positivos na Educação mesmo inseridos em contextos completamente adversos. Isto deve ser incentivado e replicado tanto quanto possível. Um quadro de mudança na educação que privilegie uma formação de qualidade com culto à razão e ao conhecimento é essencial para o desenvolvimento do país. O resgate de algumas ideias de grandes pensadores como René Descartes e Francis Bacon deve servir como incentivo de um caminho possível e repleto de sabedoria.

REFERÊNCIAS

BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. (trechos escolhidos).
DESCARTES, R. Discurso do Método. In René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (trechos escolhidos).
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasil no PISA 2015: análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros / OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico — São Paulo: Fundação Santillana, 2016.
KOYRÉ, A. As origens da ciência moderna: uma nova interpretação. In KOYRÉ, A. Estudos de História do Pensamento Científico. Rio de janeiro. Forense Universitária, 2011.
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica. Resumo dos Resultados Edição 2015. Brasília/DF. Setembro de 2016.
WDR – World Development Report– Learning to Realize Education´s promise - International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank, 2018. https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/28340/9781464810961.pdf, acessado em 07/03/2018.

Pensamento moderno: da antiguidade clássica ao empirismo e racionalismo

Texto dissertativo produzido pelo aluno Fernando Zatt Schardosin.

Florianópolis, 24 de março de 2018


           O objetivo deste paper é apresentar uma crítica argumentativa sobre o tema, origem do pensamento moderno, da antiguidade clássica ao empirismo e racionalismo, tomando como principais referências Bacon (1979), Descartes (1979) e Koyré (2011), cuja estrutura metodológica consistiu na dialética da leitura dos textos selecionados, abstração e síntese dos principais fundamentos teóricos dos autores.
            Ao longo da história do desenvolvimento da ciência, muitas pessoas se debruçaram para entender os aspectos da natureza, assunto que não foi exaurido ainda, pela dialética a natureza está subordinada ao pensamento humano que por sua vez está subordinado as palavras (BACON, 1979), embora grandes avanços foram possíveis e se complementaram com a própria história da evolução científica, sendo a ciência entendida como tal, em razão do rigor metodológico que contempla, mas cada cientista compreende o método de sua própria forma.
Utilizando como exemplo Bacon (1979), que tinha o método como o estabelecimento dos graus de certeza, determinação do alcance exato dos sentidos e rejeição do labor da mente na maioria dos casos, enquanto que Descartes (1979) possuía um modelo positivista constituído primeiramente por não acolher algo como verdadeiro, que ele mesmo não conhecesse como tal diante das evidências, dividir as dificuldades no maior número de parcelas possíveis, condução do pensamento na ordem dos mais simples e fáceis primeiramente e ainda fazer enumerações e revisões gerais para que nada se omitisse. Métodos tão distintos entre personalidades tão importantes para a ciência, não poderia afirmar que um está mais correto que o outro, mas que são formas de tratar temas distintos ou mesmo podendo ser tratados nos mesmos temas.
Neste viés, a disputa entre o normativismo e positivismo é infrutífera para a ciência, pois podem explicar o mesmo ou distintos fenômenos, mas como complementares ou apropriadas a cada investigação, tomando o devido cuidado em relação as certezas aparentes, como Bacon (1979) afirma, passamos a admirar e exaltar de modo falso os poderes da mente e sem a busca de adequados auxílios, sendo enganados pelas afirmações que fazemos em relação aquilo que investigamos, denota que a verdade pode estar muito mais profunda do que nossa visão consegue visualizar, o autor trata que a lógica é mais danosa do que útil, pois consolida e perpetua erros em vez de indagar a verdade, tais erros, uma vez cometidos, podem passar de cientista a cientista até que se torne verdade absoluta, maculando a sua história.
Bacon (1979) vai além ao dizer que aquilo que foi desvendado, o foi em razão maior do acaso do que da ciência, marcando um ponto de inflexão sobre o desenvolvimento técnico da humanidade, que a invenção tem sido mais importante a meditação, a escrita e a experiência, à teoria, que corrobora com a afirmação de Koyré (2011) de que não há nada de desenvolvimento científico em uma série de invenções que transformaram a vida da humanidade, tais como o arado, arreio, biela, manivela, leme a ré, compreensível portanto as razões que levam a estas afirmações, entretanto temerário pois afirmar que desenvolvimento técnico nada tem de científico e que toda e qualquer evolução que não tenha ocorrido por meio de método científico foi ao acaso. Há de concordar, porém, que o método científico conduz a reflexão a respeito dos meios adotados para determinada finalidade, mas tal reflexão não garantem o êxito do engajamento, como os autores deixam claro, por outro lado, o desenvolvimento técnico também utiliza de raciocínio aplicado a resolução de problemas reais, embora possa não ser sistematizado ou ainda que possua uma teoria para explicar cada processo, sendo o estudo empírico destes procedimentos que promoverão o avanço teórico.
Para aprimorar esta discussão, pode-se utilizar da própria afirmação de Bacon (1979) que afirma que para “revelar o que não foi revelado” é necessário “tentar o que não foi tentado”, entendendo a complexidade das coisas e acompanhamento entre o que é descrito e o que é recorrido, buscando eliminar os “hábitos pervertidos arraigados na mente”, obviamente este estava se referindo ao estudo metodológico, mas pode-se reduzir para afirmar que nem todo o progresso é científico, mas a ciência precisa estudar todo o progresso, assim como eventuais regressos. Para desvendar a ciência dos fenômenos empíricos, pode-se utilizar de Bacon (1979) ao afirmar que é necessário estabelecer e fazer surgir os axiomas da experiência e em seguida deduzir e derivar novos experimentos dos axiomas.
Neste sentido Bacon (1979) recomenda ao cientista a não partir do sentidos e das coisas aos axiomas e as conclusões, pois a reflexão é um procedimento importante para análise dos fenômenos, principalmente nas ciências sociais, que noções são mal abstraídas das impressões dos sentidos e que o pesquisador pode revelar a falha ao demonstrar as próprias impressões, pois os sentidos são viciosos e induzem ao erro, como exemplo, o pesquisador não procura inventar, imaginar o que a natureza faz ou produz, mas deve descobrir, porém não é possível se desabastecer das ideologias e conhecimentos que fizeram o pesquisador ao de seu desenvolvimento como tal.
Descartes (1979) vem afirmar que o trabalho realizado coletivamente é imperfeito por natureza, ou seja, mesmo grandes obras, precisam ser realizadas por uma única pessoa para que não contenha erros que prejudiquem a sua estética, tal afirmação é inata equivocada, pois até mesmo nos exemplos comete grosseiro erro, embora um prédio possa ser desenhado por apenas um arquiteto, os operários que o constroem apõe suas digitais na obra, incoerente portanto dizer que foi realizado por apenas uma pessoa, pois qualquer uma delas poderá cometer erros na execução, edificações reformadas, já o são porque estavam imperfeitas, ou por projeto, ou por ação do tempo e de uso, necessitando de qualquer aprimoramento para ficar melhor do que esteve, na ciência também é errado este raciocínio, caso contrário o nome de Descartes não estaria sendo citado nem mesmo neste ensaio.
Convém concordar com Descartes (1979) quando afirma que os trabalhos não se desfazem com a mesma facilidade de quando foram feitos novos, como exemplo, normalmente não se destroem as casas para se construírem outras, a menos que sejam obrigados a fazê-lo, na ciência o processo é análogo, novas teorias surgem rotineiramente, mas para que uma seja completamente abandonada de uso e razão, precisa-se construir uma argumentação forte que a torne imprópria para qualquer utilização.
Do mesmo modo há de concordar com o método cartesiano, não somente por seu populismo, mas por funcionar em inúmeras situações, não em todas, consistindo em nunca acolher algo como verdadeiro, em um primeiro momento, até que se tenha a certeza de sua veracidade, dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem necessárias para entender a cada uma delas, quanto aos pensamentos, conduzi-los em ordem dos mais simples e fáceis até os mais complexos e difíceis e fazer enumerações completas e revisões para não omitir nada durante o processo. Constituindo-se de um modelo de raciocínio rigoroso para estudo e desenvolvimento da ciência.

REFERÊNCIAS

BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21.
DESCARTES, R. Discurso do Método. In René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
KOYRÉ, A. As origens da ciência moderna: uma nova interpretação. In: KOYRÉ, A. Estudos de história do pensamento científico. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. p.55-81.

O que é um argumento?


          Dar boas razões a uma afirmação ou uma conclusão que se faz acerca da realidade, justificando-as, é um procedimento fundamental tanto na vida prática quanto na vida intelectual. Geralmente precisamos convencer outras pessoas para conseguir coisas. Na ciência, uma afirmação somente pode ser tida por verdadeira se bem justificada. Um tribunal somente pode condenar alguém se a dúvida quanto a sua culpabilidade for mitigada. A lista é extensa. No entanto, se refletirmos melhor, veremos que muitas das afirmações que fazemos ou são muito intuitivas ou não carecem de justificação. Nem sempre precisamos nos justificar aos nossos amigos e companheiros mais íntimos. As vezes é obvio que que as aranhas têm oito pernas. Mas outras afirmações imediatamente nos aparecem ao espírito como carentes de justificação. Porque isso ocorre? Eis que se abre uma questão propriamente filosófica, que é a de nos questionarmos sobre o porquê certas afirmações de realidade exigem uma reconstituição racional. Em muitos casos somos levados a listar razões para que levem a crer no que afirmamos. É preciso expor argumentos em favor de uma afirmação. Nos termos da lógica, devemos demonstrar (ou deduzir) uma determinada afirmação.

                Mas afinal, se acabei de apontar a causa formal e final de um argumento (o que é... para onde se dirige...), qual é sua estrutura interna? Em geral, a estrutura argumentativa pode ser dividida entre o conteúdo que vem antes e o que vem após a palavra “logo” (em gramática, é uma conjunção coordenativa conclusiva). Esta palavra tem por função lógica indicar que uma determinada afirmação “se segue” de uma primeira, ou de que a primeira sentença é uma boa razão para aceitar a segunda.  A estrutura geral, que é composta pelo que vem antes (as premissas), o conectivo “logo”, e o que vem depois (a conclusão) é chamada em Lógica de “argumento”. Em outros termos, os argumentos são um conjunto de sentenças, nas quais apenas uma é chamada de conclusão e as demais são premissas, sendo estas as que justificam, evidenciam ou asseguram a conclusão.

                Disso desdobra-se um pequeno problema. O de refletirmos se todas as formas sentenciais são permissíveis à construção de um argumento. Se conferirmos no Aurélio, veremos que uma sentença é a sequência de palavras com ao menos um verbo flexionado. Por exemplo, “Hoje fez sol em Florianópolis” é uma sentença. Mas nem toda sentença pode fazer parte de um argumento. É uma regra de ouro da lógica o fato de que tanto a conclusão quanto as premissas sejam sentenças que possam ser julgadas por nosso juízo em termos de verdadeiro ou falso. O exemplo que dei se enquadra nas regras, pois muito facilmente podemos afirmar com base na experiência que hoje na cidade fez sol. Do ponto de vista da lógica, somente sentenças declarativas interessam, aquelas que podemos afirmar e/ou negar. Mas uma sentença declarativa pode ser “agora está estrelado”. Neste caso, tomando-a fora de qualquer contexto é impossível dizer se é verdadeira ou falsa, podendo até mesmo ser verdadeira e falsa. Pode estar estrelado em Florianópolis, mas nublado em Blumenau. Enquanto na lógica dialética isso pode até ser possível, na lógica tradicional isso se mostra um problema. Neste momento de raciocínio, interessa-nos apenas a tradicional. Algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo, pois se choca com o princípio aristotélico da não-contradição. Ou é verdadeiro ou falso. Mais especificamente, as sentenças declarativas precisam ser proposições se quiserem passar pelo crivo do princípio fundante da lógica tradicional. A proposição é tudo o que é uma sentença declarativa, com a especificidade de ser além disso uma asserção bem clara sobre o mundo (no sentido de realidade). Somente as proposições podem ser verdadeiras ou falsas.

Por Daniel Ouriques Caminha