Racionalismo e Empirismo: opostos que se atraem?

Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico de doutorado Luis Antonio Pittol Trevisan

“Cogito ergo sum” (Penso, logo existo) é uma das máximas mais populares da filosofia. Escrita por René Descartes (1596 – 1650 d.C.), a célebre frase, lida de relance, parece despretensiosa. Contudo, a simplicidade da afirmação oculta uma imponente declaração: a de que o conhecimento só se obtém por meio da razão e que a única certeza alcançável é a da própria existência. Essa crença no “racionalismo” se chocava com a corrente então propagada por Francis Bacon (1561 – 1626 d.C.) de que o conhecimento do mundo não provinha da razão, mas sim da experiência, visão esta denominada “empirismo” (KIM, 2016; STOKES, 2016).

Alcunhado por alguns como o pai da filosofia moderna, Descartes afirmava que a razão é o instrumento fundamental do conhecimento e da verdade espiritual, e que o exercício da razão, não a percepção dos sentidos ou a revelação “divina”, forneceria a única base válida para a ação e a crença. Com o objetivo de fornecer fundações firmes ou “ordem” para a produção do conhecimento, elaborou um “método da dúvida” com o objetivo de questionar a origem de crenças e testar a sua (in)falibilidade (DESCARTES, 1979; STOKES, 2016; RUSS, 2015).

(...) produziu um método de quatro fases de investigação científica, baseado em matemática: não aceite nada como verdade, a menos que seja evidente; divida problemas em partes simples; resolva os problemas passando dos simples aos complexos; e por último, verifique seus resultados. Ele também desenvolveu o sistema cartesiano de coordenadas – com eixos x, y e z para representar pontos no espaço, usando números (HART-DAVIS, 2016, p. 332).

Partindo do pressuposto de que boa parte das crenças são derivadas de sentidos e percepções, Descartes desconfia e põe em dúvida todas as supostas certezas obtidas por estes meios por acreditar que, frequentemente, podem levar a enganos, incertezas e falhas (STOKES, 2016).

Vejamos, abaixo, um exemplo de como o cérebro interpreta o que vemos e como molda nossa percepção da realidade:

Fonte: The Illusions Index (2020)

A ilusão ótica acima engana nossos sentidos e nos induz a enxergar vários pontos pretos quando somente existem pontos brancos. Em verdade, nosso sistema sensorial parece não conseguir processar com precisão todas as informações, levando a uma interpretação equivocada. Descartes, assim, afirmaria que deveríamos rejeitar todo conhecimento perceptivo, pois é baseado em frágeis alicerces. Constata-se, assim, uma intenção de mudança de foco – ou até mesmo de separação –, daquilo que é pensado (objeto) para o que pensa (sujeito), ou seja, da realidade para a razão (KIM, 2016).

Esta certa autonomia do pensamento não afasta uma questão crucial: a razão é capaz de produzir o conhecimento genuíno do real e da compreensão do mundo? Autores como Immanuel Kant e Gottfried Leibniz convalidariam o pensamento de Descartes ao acreditarem em um conhecimento a priori ou inato. Já autores como Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume fariam parte da oposição e afirmariam que não existem ideias inatas, nem conceitos abstratos, e todo o conhecimento é fruto da experiência sensível, que vai preenchendo a mente como uma “página em branco” (KIM, 2016; STOKES, 2016).

A divergência quanto à origem do conhecimento, razão ou percepção dos sentidos, não afasta, todavia, um ponto de partida comum vigente na ciência: a centralidade do ser humano, e a busca pela natureza da mente humana e do “eu”.

Referências

BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. (trechos escolhidos)
DESCARTES, R. Discurso do Método. In: René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (trechos escolhidos)
HART-DAVIS, A. [et al]. O livro da ciência. 2ª. ed. São Paulo: Globo, 2016.
KELLY, Paul et al (Org.). O livro da política. São Paulo: Globo, 2013. 352 p. Tradução de: Rafael Longo.
KIM, D. O livro da filosofia. 1. Ed. São Paulo: Globo Livros, 2016.
KNELLER, G. F. A Ciência como Atividade Humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p. 15-29
RUSS, Jacqueline. Filosofia: os autores, as obras. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
STOKES, Philip. Os 100 pensadores essenciais da filosofia: dos pré-socráticos aos novos cientistas. 4ª. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2016.
THE ILLUSIONS INDEX. [Imagem da ilusão de grade de Ludimar Herman (1838-1914)]. Disponível em: < https://www.illusionsindex.org/i/hermann-grid>. Acesso em: 02 set. 2020.