A importância do desenvolvimento científico para o Brasil, a partir de uma episteme empírica e racionalista

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Doutorado Anderson Luís do Espírito Santo.


A transitoriedade do mundo moderno implica em descobrirmos respostas cada vez mais rápidas aos problemas públicos atuais. Para dirimir tais problemas um governo (federal, estadual ou municipal) poderá desenvolver inúmeras políticas públicas que atenderão as mais diversas áreas da sociedade (saúde, educação, segurança, outros). Por políticas públicas compreendo-a como uma proposta (programas, ações, diretrizes) elaborada, pelo governo ou em conjunto com a sociedade, para resguardar a coletividade e possibilitar o enfrentamento de um determinado problema público. 

Ocorre que ao analisar o território nacional, observa-se a existência de uma grande dificuldade na implementação de diversos tipos de políticas públicas, ocasionada, principalmente, devido à falta de diálogo e as dificuldades de intersetorialidade entre as esferas públicas. Outro problema recorrente é a falta de interdisciplinaridade na criação dos programas, a aplicação-conclusão destes e a descontinuidade em caso de troca de partidos políticos no poder por todo país. Soma-se as dificuldades elencadas o fato de os governantes seguirem ou o senso-comum, ou uma ideologia política para a criação de políticas públicas, sem considerar a importância e a influência da ciência para a sociedade. 

É claro que a ciência contribui com diversas políticas públicas elaboradas pelos governos centrais, a exemplo, na agricultura. Entretanto, com exceção de alguns poucos políticos, a administração pública brasileira ainda padece de diversos males por não dialogar mais proximamente com os cientistas. Hoje ainda assistimos o possível desmantelamento das bolsas Capes (para a pós-graduação) e diversos cortes na educação e incentivo a ciência e a tecnologia.  Por compreender a importância da ciência para a sociedade brasileira, meu argumento neste paper será: “a importância do desenvolvimento científico para o Brasil, a partir de uma episteme empírica e racionalista”. 

Segundo dados da revista online Galileu (2018) o governo federal anunciou em fevereiro de 2018 que retiraria meio bilhão do orçamento para a ciência. Nos últimos dias o governo federal voltou a anunciar uma série de cortes das bolsas Capes, que incentiva mestrandos e doutorandos no Brasil e esse fenômeno já vem sendo chamado de "apagão científico 2019". Esse desmantelamento é uma série de ocorrências do atual governo Temer com relação a ciência. No ano passado por exemplo, ouvimos sobre a possibilidade de o governo acabar com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Outra ruptura, dentre tantas, foi a criação de mestrados e doutorados EAD, enfraquecendo ainda mais a formação de cientistas, com mestres e doutores recebendo seu diploma por correspondência, atenuando assim, o debate teórico dentro das universidades. 

https://cbncuritiba.com/pesquisa-pode-parar-diz-ufpr-sobre-risco-de-cortes-em-bolsas-capes/

A situação é trágica e a comunidade científica do Brasil e de algumas partes do mundo sinalizam para a catástrofe de toda estrutura de pesquisa do país que comprometerá, ainda mais, a recuperação econômica e a qualidade de vida da população brasileira. 

“O maior problema da ciência é a realidade” (DEMO, 1985). Segundo o autor a pesquisa é a principal atividade acadêmica e seus resultados fortalecem a ciência e podem exercer uma grande influência na vida das pessoas. Daí a necessidade de distinguir a diferença entre ciência, ideologia e senso-comum. Muitas políticas públicas são elaboradas a partir de um senso-comum, o que Demo chamou de conhecimento imediatista. 

No Brasil é comum vermos nas políticas o “jeitinho brasileiro” como ocorreu durante a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Outra possibilidade existente, são as políticas públicas que surgem a partir de ideologias partidárias. Para Demo (1985), o discurso ideológico significa que determinada política foi construída em favor de mundivisões, objetivando, talvez, o interesse de uma determinada classe. Exemplo: a quem interessa que um jovem brasileiro hoje não tenha mais aulas, dentre outras disciplinas, de história e literatura? Ou porque os debates teóricos e políticos não ocorram mais nas universidades? Esses questionamentos retratam algumas mudanças em andamento no Brasil que nos faz perguntar: como um futuro cientista social estudará determinado fenômeno sem uma base histórica em seu currículo? O governo brasileiro (atual) tem interesse na disseminação do conhecimento? Ou há um ar ditatorial próximo as eleições? Tais questionamentos me leva a acreditar que o intelecto está sendo corrompido por uma ideologia que cega a população atual e que prejudicará, e muito, a geração futura. 

Sobre a ideologia Demo (1985, p.15) indica que também a encontramos na ciência porque “sendo a ciência um fenômeno social, não pode escapar ao posicionamento político, manifesto ou latente”. Por isso a necessidade de se distinguir senso-comum, de ideologia e de ciência. Dessa forma, surge o primeiro questionamento desse paper: de qual ciência estamos falando? 

O que percebo da ciência é a realidade. Buscamos, enquanto pesquisadores, elaborarmos uma ciência baseada na realidade, no tempo e em diferentes lugares para que se possa atender uma determinada situação. O Brasil possui inúmeros cientistas que produzem conhecimento a partir de financiamentos ou, como diz a linguagem popular, na raça, com nada, pouco ou um mínimo, do mínimo para que se iniciar alguma análise. Daí a importância de atentarmos para os cortes do governo. Universidades produzem estudos sociais que podem ajudar a compreender uma determinada sociedade. Institutos, como a Embrapa, potencializam por meio da ciência o agronegócio. Outros exemplos poderiam ser citados, contudo, todos retratam que a sociedade e a economia são os maiores impactados por não se creditar o devido apoio-atenção a necessidade de se entender e fazer ciência. 

Dada a importância da ciência, o segundo questionamento desse paper é: como as políticas públicas poderiam surgir a partir do Empirismo? Para Bacon (1561-1626) nenhum saber é absoluto, logo, é necessário estabelecer graus de certeza para chegar ao melhor conceito geral. A certeza é oriunda da experiência afastando qualquer tipo de sentido. Os conteúdos não são obtidos de elementos vazios - abstrato, mas sim, do experimento oriundo da observação de fenômenos (ex. tábua dos graus - registra as variações que as formas manifestam). 

Para Bacon a melhor demonstração é a experiência obtida a partir de experimentos, através do método indutivo para chegaremos a pensamentos válidos. Transpondo esse argumento para a sociedade atual, vemos que muitos experimentos que surgem nas sociedades poderiam ser analisados à luz do empirismo de Bacon para que, caso validado, tornar-se uma política pública. O problema é que tais análises demandam tempo e dinheiro e, às vezes, o governo erroneamente transfere experimentos de sucesso de uma dada localidade, para outra. (ex. Programas criados para os índios na Amazônia são também implantados para as famílias de assentados rurais no Mato Grosso do Sul, temos aí duas sociedades completamente distintas). 

Bacon sinaliza que é necessário afastar os ídolos e noções falsas que bloqueiam a mente urbana. Os ídolos poderão obstruir a elaboração da ciência, daí a necessidade dos homens se precaverem de tais ídolos, a saber: Ídolos da Tribo; Ídolos da Caverna; Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro (BACON, 1979, p.19-20). 

Por fim, baseado em Bacon, temos a necessidade de se formar noções e axiomas, verdades inquestionáveis universalmente válidas, para se formular princípios e teorias que possibilitarão o surgimento de uma nova ciência. Acredito que o método indutivo, por meio da observação dos fenômenos, pregado por Bacon caberia a uma administração pública, visto que, um dos seus principais seguidores foi John Locke que escreveu o Segundo Tratado sobre o Governo, onde Locke expõe sua visão contra o governo absolutista e defende que o governo emana do povo, da sociedade que forma o território, tudo que a atual sociedade brasileira precisa. (Grifo do autor). 

Outros pontos da obra poderiam ser citados. Findo com a afirmativa de Bacon: até agora ninguém surgiu dotado de mente tão tenaz e rigorosa que haja decidido, e a si imposto, livrar-se das teorias e noções comuns. Isso, na gestão pública é comum, retomando até o item anterior, ideologias e vaidades que permeiam a maior parte das políticas públicas elaboradas no Brasil. Toda construção deve brotar da experiência, por isso, “há necessidade de continuar a promover experiências” (BACON, 1979, p.68). Logo, é compreensivo a preocupação da comunidade cientifica frente a tantos cortes por parte do governo brasileiro. 

Com relação ao racionalismo, Descartes (1596-1650) expõe que todo conhecimento deve partir de uma causa inteligível. Ao contrário de Bacon, Descartes defende que a ciência deve surgir a partir do racionalismo, onde determinado fenômeno é analisado a partir da lógica (grande influência da matemática) e de forma racional. “O que é necessário a uma proposição para ser verdadeira e certa [...] é que essa certeza deva ser consistente [...] eu penso, logo existo, me assegura que eu digo a verdade” (DESCARTES, 1979, p.23). 

Para o autor a razão é obtida a partir do conhecimento humano. Ao longo de sua obra é perceptível a intensa reflexão adotada por Descartes obtida a partir do método dedutivo, desenvolvida a partir de quatro etapas: regra da evidência; regra da análise, regra da síntese, regra da enumeração. A partir destas regras ficou evidente que certas vezes determinados fatos pareciam verdadeiros. Após intensos questionamentos e reflexão foi possível percebe-los como falsos. “A razão disso é que essas mais raras nos enganam muitas vezes, quando se conhecem ainda as causas das mais comuns, e que as circunstâncias das quais dependem são quase sempre tão particulares e tão pequenas, que é muito penoso” (DESCARTES, 1979, p.43). 

Transpondo o racionalismo de Descartes para o terceiro questionamento desse paper, (a contribuição do racionalismo descartiano para o desenvolvimento da ciência no Brasil), podemos vislumbrar que as políticas públicas poderiam ser elaboradas tomando por base, a regra da evidência, onde o governo não poderia aceitar nada como absolutamente verdadeiro – aceitar somente quando este fosse comprovado. Este ano assistimos uma intervenção militar no Rio de Janeiro, com a justificativa de se controlar a questão da criminalidade e do tráfico de drogas na cidade. Essa decisão foi tomada como verdadeira, mesmo diversos professores, pesquisadores e juristas afirmando a não necessidade e o quão perigoso isso seria para o país que está em ano eleitoral. Como interditar uma única cidade se o país tem 17mil km de fronteira seca, por onde entra a maior parte das drogas e quase nada é feito (há uma média de 1 agente policial para cada 85km, número extremamente baixo). Baseado em Descartes podemos concluir que é necessário instituir uma investigação do conhecimento humano para que políticas públicas emerjam com maior solidez, amplitude de atendimento, e controle dos gastos públicos. 

Para não concluir, afinal nunca podemos aceitar que a ciência esteja devidamente finalizada, Koyré (2011) apresenta a chamada revolução científica e o desenvolvimento de uma ciência experimental. Em linhas gerais compreendi que a ciência desenvolveu a capacidade de articular o método da observação com experimentação e instrumentos técnicos. Para o autor a fusão é o caminho. “Nem empirismo puro e nem filosofia experimental total conduzirá a ação humana a alguma parte [...] é necessária ousadia na ciência para se obter a verdade”. Temos aí a importância de pesquisas teórico-empíricas. 

A ciência influência no modo de pensar da sociedade. Há necessidade de se elaborar políticas a partir de análises confiáveis e valores socialmente aceitos. As políticas públicas elaboradas pelos governos centrais se mostram ditatoriais, estruturantes, ideológicas e sem fundamentação de um conhecimento teórico. Seria o Estado capaz de elaborar políticas públicas apenas seguindo suas diretrizes e ideologia? Sim! Infelizmente é assim que vem ocorrendo. 


QUESTIONAMENTOS
1) De qual ciência estamos falando? Qual o impacto do descaminho da ciência no Brasil? 
2) Como as políticas públicas poderiam surgir a partir do Empirismo? 
3) Qual a contribuição do racionalismo descartiano para o desenvolvimento da ciência no Brasil? 


REFERÊNCIAS 

BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. (trechos escolhidos) 
DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1985. 
DESCARTES, R. Discurso do Método. In: René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (trechos escolhidos) 
GALILEU. Governo federal retira quase meio bilhão do orçamento para a ciência. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2018/02/governo-federal-retira-quase-meio-bilhao-do-orcamento-para-ciencia.html Acesso em 06 de mar. de 2018. 
KOYRÉ, A. Estudos de História do Pensamento Científico. Rio de janeiro. Forense Universitária, 2011.