A teoria da complexidade e a interdisciplinaridade na educação

 Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico Lucas Sell Romão.

Atualmente, a educação enfrenta diferentes desafios decorrentes da rápida evolução do conhecimento e das demandas sociais. Como os processos educacionais são sistemas complexos, algumas mudanças podem levar a resultados imprevisíveis. Nesse contexto, a teoria da complexidade e a interdisciplinaridade podem ser promissoras para aprimorar o processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, este paper busca explorar as vantagens dessas abordagens quando integradas na educação, para promover uma aprendizagem mais significativa e preparar os alunos para o mundo.

Para entender melhor o paradigma da complexidade, é necessário conhecer o conceito de paradigma. Khun (1987), observa a dificuldade na conceituação de paradigma, onde, para o autor o termo é usado em dois sentidos diferentes. De um lado, indica crenças, valores e técnicas partilhadas por membros de uma comunidade, e do outro lado, denota um elemento como modelos ou exemplos. Khun (2005, p. 43) compreende ainda o ser humano através do paradigma que está na realidade a sua volta, ou seja, dar-se o sentido do que é “certo” e “errado”.

O paradigma da complexidade faz oposição ao paradigma dominante tradicional atual, o qual parte da premissa dos fenômenos que podem ser analisados e compreendidos a partir das reduções do todo em partes. Le Moigne (2007), apresenta que ainda sofremos nas nossas instituições efeitos residuais do cientismo positivista, onde o paradigma tradicional dominante, que frequentemente chamamos cartesiano-positivista, pode, por contraste, ser apresentado sob o nome de paradigma da complicação ou paradigma do reducionismo. Para Vasconcellos (2005), o paradigma tradicional é considerado conservador e reducionista, centralizado em três âmbitos: simplicidade, estabilidade e objetividade.

Morin (2003), acredita que esse modelo cartesiano estuda a realidade a partir dos princípios da disjunção, da redução e da abstração, o que se caracteriza como o “paradigma do simplificador”. O autor destaca ainda, que os problemas mais graves da humanidade são frutos de um progresso cego do conhecimento. Esta cegueira está relacionada a fragmentação do conhecimento, oriunda do método cartesiano, que não consegue interpretar a complexidade do real e a ligação entre as partes, dificultando a produção do conhecimento.

Baeta e Melo (2020), comentam que o sistema de educação conhecido como tradicional, trata o processo de formação do conhecimento como um resumo dos elementos mais simples, separando o que se encontra articulado, gerando contradições e desordem ao pensamento. Já Silva e Santos (2023), destacam que, no contexto educacional, o conhecimento em pedaços repassado pelos professores aos alunos, influencia a visão que estes possuem da realidade. Ou seja, quando os alunos deixam de compreender a existência de vínculos entre as disciplinas também procuram compreender a realidade de forma fragmentada e desarticulada.

Fonte: https://ec317desamambaia.blogspot.com/2013/06/curriculo-oculto-discutindo-o-curriculo.html

Dessa forma, a visão fragmentada do conhecimento começa a ser questionada por ser insuficiente frente às situações de instabilidade, imprevisibilidade, incerteza, contradições, paradoxos, conflitos e desafios, levando ao reconhecimento. Segundo Morin (2003), é necessária uma visão mais complexa para incentivar a contextualização, a integração e a globalização dos saberes. É essencial que cada parte trabalhe para o todo e, que esse organismo desenvolva em conjunto os objetivos traçados, ou seja, as interações e relações irão ser compreendidas de forma intrínsecas dentro do contexto amplo desse sistema.

Para Morin (2003), o paradigma da complexidade pode resultar em um conjunto de novas concepções, de novas visões, de novas descobertas e de novas reflexões que vão se acordar, se reunir. Assim, o princípio da complexidade se fundamenta na predominância da conjunção complexa. Enquanto a antiga ciência unidimensional previa um único método para todas as ciências, a nova ciência estrutura-se por meio da comunicação do conhecimento físico, biológico e cultural.

A interdicisplinaridade ao buscar a interligação dos saberes se aproxima do paradigma da complexidade, e pode ser uma estratégia importante para quebrar a barreira linear cartesiana de ensino atual. Fazenda (1995), observa que a interdisciplinaridade surge como uma relação recíproca, de mutualidade, ou seja, um regime de copropriedade, de interação para possibilitar o diálogo entre os interessados. A postura interdisciplinar é compreendida como o estudo do desenvolvimento de um processo dinâmico, integrador e, sobretudo, dialógico, intensificando as trocas entre os especialistas e a integração dos conhecimentos.

Batista e Salvi (2006), acreditam que a interdisciplinaridade surgiu para compreender a realidade através dos diferentes conteúdos de cada disciplina. Dessa maneira, é possível que diferentes áreas do conhecimento interajam para alcançar um entendimento mais global e não dividido. Para Klein (1990), a interdisciplinaridade pode resolver questões que não são abordadas de maneira satisfatória, quando o professor faz uso de apenas um método de ensino.

Para Gerhard e Rocha Filho (2012), a interdisciplinaridade pensada como um processo contínuo e inacabado de construção do conhecimento permite que os professores trabalhem assuntos reais, incentivando a discussão, a análise, o questionamento e a verificação da veracidade dos fatos por parte dos alunos. Como uma estratégia pedagógica, a interdisciplinaridade promove o diálogo entre os conteúdos estudados, que fazem parte da vivência dos alunos dentro e fora da sala de aula. Serva, Dias e Alperstedt (2010), comentam que nenhuma disciplina poderá outorgar a si própria um lugar de onde deduzir um saber absoluto e final.

Sendo assim, é essencial que educadores e formuladores de políticas considerem a adoção de abordagens inovadoras. Fazendo isso, podem ajudar a construir um sistema educacional que esteja mais alinhado com as demandas da sociedade e que prepare o aluno para um futuro de constantes mudanças e desafios. Utilizar a teoria da complexidade com a interdisciplinaridade na educação pode ser uma importante ferramenta para enfrentar os desafios da sociedade, visto que essas abordagens se complementam, permitindo que os alunos desenvolvam habilidades de pensamento crítico e resolução de problemas em um mundo cada vez mais complexo e conectado. Piaget (1970), destaca que é necessário formar mentes que possam ser críticas, que possam analisar, ao invés de aceitar tudo que lhes é oferecido.

Ao adotar essa abordagem, é possível proporcionar aos alunos uma educação mais significativa, capacitando-os a lidar com desafios reais e a compreender as complexidades do mundo atual. Além disso, essa abordagem prepara os alunos para serem cidadãos mais informados e engajados, capazes de abordar questões complexas de maneira integrada. Dessa forma, a teoria da complexidade e a interdisciplinaridade na educação são fundamentais para a formação de indivíduos adaptáveis e conscientes, contribuindo para a construção de um futuro mais preparado para lidar com as complexidades da vida contemporânea.

REFERÊNCIAS

 

BAETA, S. R.; MELO, V. O apoio matricial e suas relações com a teoria da complexidade. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n..6, p. 2289-2295, 2020

 

BATISTA, I. L.; SALVI, R. F. Perspectiva pós-moderna e interdisciplinaridade educativa: pensamento complexo e reconciliação integrativa. Ensaio, Belo Horizonte, v. 8, n. 2, p.147-159, 2006.

 

FAZENDA, I. C. A. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1995.

 

GERHARD, A. C.; ROCHA FILHO, J. B. A fragmentação dos saberes na educação científica escolar na percepção de professores de uma escola de Ensino Médio. Investigações em ensino de ciências, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 125-145, 2012.

 

KHUN, T. Posfácio. In: KHUN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.

 

KHUN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2005.

 

KLEIN, J. T. Interdisciplinarity: history, theory, and practice. Detroit, Michigan: Wayne State University Press, 1990.

 

LE MOIGNE, J-L. Inteligência da Complexidade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação. N 4 out/dez, 2007, p. 117-128.

 

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

 

PIAGET, J.; GARCÍA, R. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1970.

 

SERVA, M.; DIAS, T.; ALPERSTEDT, G. D. Paradigma da complexidade e teoria das organizações: uma reflexão epistemológica. In: Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro. v. 50, n. 3, 2010. p. 276-287.

 

SILVA, F.; SANTOS, M. ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL E CURRÍCULO INTERDISCIPLINAR: análise de uma escola pública na Amazônia. Revista Espaço do Currículo, v. 16, n. 1, p. 117, 2023. Disponível em: https://scanr.enseignementsup recherche.gouv.fr/publication/doi10.22478%25252fufpb.2177-8841.2018v9n2.43537 Acesso em: 8 fev. 2023.

 

VASCONCELLOS, M. J. E. De. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, SP: Papirus, 2005.


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