A atividade da Ciência e seus dilemas

 Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Ana Neves

    O recente filme “Oppenheimer” evidencia que nós, como cientistas, podemos produzir ciência sem contemplar o que ela envolve. A prática do laboratório, da dissertação e publicação nos traz a realidade do dia-a-dia, mas não envolve um espectro mais amplo de questionar o que é de fato a Ciência, como funcionam suas teorias, avanços e desdobramentos.

    Contemplando o que a Ciência é, Kneller (1980) traz alguns conceitos importantes para a discussão. Primeiramente, o entendimento de que a Ciência tenta desvendar a ordem da natureza. Dentro dela, existem as tradições de pesquisa e teorias. A tradição é uma espécie de corrente que carrega pressupostos empreendidos por vários cientistas em suas pesquisas. Ela pode advir de uma grande teoria, ou, gerar novas teorias. 

    As teorias, por sua vez, tentam encontrar uma explicação completa para a natureza e “explica[m] o comportamento de certos fenômenos dentro do domínio postulando, pelo menos, alguns dos pressupostos da tradição e formulando novos pressupostos mais específicos que a própria teoria gerou” (KNELLER, 1980, p. 21). 

    Os conceitos abordados acima são exemplificados proficuamente pelo filme “Oppenheimer” atualmente nas bilheterias do mundo todo. O filme conta a trajetória do físico Julius Robert Oppenheimer na produção da bomba atômica que levaria os Estados Unidos a ganhar a Segunda Guerra Mundial. A expectativa de provar uma nova teoria versus o confronto dos dilemas advindos de como a Ciência pode ser usada para o bem e mal compõe o clímax que mantém os espectadores atentos às três horas ininterruptas da sua duração. 

Fonte: https://exame.com/pop/oppenheimer-quem-foi-o-cientista-que-criou-a-bomba-atomica/


    Nesse sentido, a longa-metragem introduz o conceito de tradição e teoria de pesquisa logo no início com o físico Oppenheimer deparando-se com as diferenças no entendimento da física nos Estados Unidos e na Europa. Este último continente, tem ênfase na pesquisa da física com base em novas teorias, como a de mecânica quântica. Indo para a Alemanha estudar por um período, Oppenheimer torna-se expoente em física e mecânica quântica e é convidado a inaugurar um instituto do governo nos Estados Unidos para lecionar.

    Após um período, o cientista é convidado para liderar o projeto Manhattan, que visa montar uma bomba com base nas teorias e experimentações de fissura nuclear do Urânio. A construção da bomba piloto dura mais de três anos e quando o primeiro teste é bem-sucedido, rapidamente o cenário do filme muda.

    A escolha do lançamento da bomba em Hiroshima e Nagasaki acontece de forma brusca e percebe-se que a autonomia que os cientistas antes tinham, acaba. Com o sucesso do experimento, o comando e a execução do projeto é passado para poucas mãos - um deles é o próprio presidente dos Estados Unidos. Estas mãos decidem o que fazer com o avanço científico que parece virar um pesadelo.

    Quando utilizo o termo pesadelo, quero enfatizar a virada de chave em que Oppenheimer passa a advogar contra a própria bomba, tornando-se uma figura política contra "sua descoberta". Pessoalmente, acredito que a dimensão política da Ciência dentro de si - os pesquisadores, alunos, revistas, universidades e sua influência, bem como da governança pública e discurso político para a população deveriam ser estudados em profundidade quando visamos o desenvolvimento global.

    Assim, com a história de Oppenheimer pode-se perceber o dilema moral e ético que o cientista vem a ter da sua ciência ao aprimorar uma tradição de pesquisa, criar e desenvolver novas teorias. Se a Ciência é conjetural (KNELLER, 1980) passo a crer que nossos dilemas atravessam a dimensão política da Ciência e não podemos compreender um sem o outro.

    Portanto, algumas lições são tiradas do filme. As teorias avançam velozmente dentro das tradições de pesquisa, onde nem sempre os pressupostos de teorias convergentes concordam. Oppenheimer depara-se com a realidade de linhas muito diferentes de pesquisa na física, escolhendo pressupostos e criando outros para sua argumentação.

    Em segundo lugar, novas teorias podem demorar para serem provadas, já que a Ciência está sempre em construção. No caso de Oppenheimer, vemos um avanço rápido encaminhado por um grupo de cientistas de ponta. Esta não é a regra. O mesmo filme mostra as observações de Oppenheimer sobre buracos negros e suas conversas com Einsten, por exemplo. A teoria da relatividade de Einsten para buracos negros junto ao avanço de outro cientista, Stephen Hawking, em 1974 foi confirmada apenas recentemente em 2019.

    E, por fim, de que o avanço e a propagação da Ciência perpassa por uma grande dimensão política. Seja a publicização do pesquisador para seus pares ou a eloquência com a qual se fala de um achado científico em um discurso político de uma figura pública. O que eu levo desse aprendizado? A vontade e a promessa de pesquisar mais a fundo essa dimensão.

Referências:

KNELLER, George Frederick. A ciência como atividade humana. Zahar, 1980. 

OPPENHEIMER. Direção: Christopher Nolan. Produção de Syncopy Inc. e Atlas Entertainment. Estados Unidos: Universal Studios, 2023


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