Da sociologia do conhecimento à sociologia da ciência

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de doutorado Marília Ribas Machado.

Neste short paper serão abordadas as perspectivas sociológicas de Merton e de Bourdieu, assim como, de que forma a sociologia da ciência de Bourdieu consegue realizar correspondências além da teoria proposta em Merton.

A ciência passou por uma crise há algumas décadas e, naquele momento, os filósofos (responsáveis pelo fazer científico) foram convidados a justificar a ciência como um meio de acordo com os fins da sua utilidade econômica. Segundo Ben-David (1975), a sociologia da ciência caracteriza-se por estudar os modos pelos quais a produção científica e a difusão do conhecimento científico sofrem influências das condições sociais, bem como, de que forma a ciência influencia no comportamento da sociedade. 

A partir disso, Merton definiu a ciência a partir de uma perspectiva sociológica, como uma atividade social, possuidora de suas regras e de suas normas institucionalizadas (BEN-DAVID, 1975). Com isto, Merton procurou definir o ethos da ciência, ou a ciência como um campo com certo grau de independência e separada das demais instituições sociais, ou seja, uma instituição autônoma que não sofre influências da política, da economia, da teologia.

Nesse sentido, Merton (2013, p. 182) destaca algumas das principais características da ciência, afirmando que a “ciência é uma palavra enganosamente inconclusiva, que se refere a uma variedade de itens distintos, embora inter-relacionados entre si”. Ele ainda declara que a ciência é comumente usada para denotar um conjunto de métodos característicos por meio dos quais o conhecimento é certificado; um estoque de conhecimento acumulado que se origina da aplicação desses métodos; e, ainda, um conjunto de valores e costumes culturais que governam as atividades denominadas científicas. 

Tais costumes que governam a atividade científica propõem fundamentos derivados de objetivos e métodos baseados em fundamentos morais e técnicos, fundamentalmente. Merton (2013) elenca quatro chamados imperativos institucionais, compreendidos pela ciência moderna para fundamentar a atividade científica: universalismo; comunismo; ceticismo organizado; e desinteresse. 

O universalismo delimita uma dimensão impessoal da ciência, ou seja, caracteriza-se por considerar que as alegações da sociologia do conhecimento devem ser submetidas a critérios impessoais e pré-estabelecidos. O comunismo diz respeito ao fato de que as descobertas da ciência são produto de uma colaboração social dirigida para a comunidade. O  ceticismo organizado questiona determinada rotina estabelecida, da autoridade, além dos procedimentos constituintes do campo. E o desinteresse é um elemento básico da ciência. Merton não nega que há interesse e competição na instituição científica, porém afirma que esses impulsos interessados encontram poucas oportunidades de expressar-se.

Nesse sentido, a ideia do fazer científico proposto por Merton remete a uma ciência que é autônoma, independente e separada das demais instituições sociais. Em contraposição a isso, Bourdieu (2013) estabeleceu o debate acerca dos campos científicos, caracterizando o campo da ciência - a instituição científica - como um ambiente de lutas, embates e poder, tal qual ocorre em outros campos sociais. Para Bourdieu, o campo científico é coordenado por um sistema de relações objetivas entre posições adquiridas através de lutas simbólicas, que se autonomizou (relativamente) do espaço social. Além disto, é um sistema constituído por relações objetivas entre posições adquiridas em lutas anteriores. É, segundo ele, um espaço de intensa competição entre os concorrentes do campo, ou seja, um campo formado por forças e por intensos conflitivos, com o objetivo de conservar ou transformar o mesmo. Desta forma, o que está em jogo, em disputa, são os monopólios da autoridade científica.

Nesta perspectiva, por serem ambientes de lutas e disputas,  prevalece a ideia de que o campo científico legitima formas específicas de interesse,  produz e reproduz habitus próprios daquele campo. E, ao contrário da sociologia proposta por Merton, Bourdieu mostra que a ciência não é desinteressada; é produtora de determinadas formas específicas de interesse, com o intuito de aquisição de autoridade científica (capital científico). Bourdieu (2013) afirma ainda que as práticas científicas somente mostram-se desinteressadas quando se referem a interesses diversos, exigidos por um campo distinto. Desta forma, o que chamamos de “interesse” por uma atividade científica tem sempre dupla face.

Referências:

BEN-DAVID, J. Introdução. In: BEN-DAVID, J. et al. Sociologia da ciência. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1975. p. 1-32.
BLOOR, D. Conhecimento e imaginário social. São Paulo: Editora Unesp, 2009. Introdução.
BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d’Água, 2013.
MERTON, R. K. A ciência e a estrutura social democrática. In: MERTON, R. K. Ensaios de sociologia da ciência. São Paulo: Editora 34, 2013.

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