Pela indissociabilidade entre ciência, natureza e sociedade

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de mestrado Camila Alves d’Avila.

A base dos problemas ambientais pode ser relacionada com o início da ciência: na busca de melhor compreender e dominar a natureza, o ser humano passou a distanciar-se dela. No século XVIII, o surgimento da Revolução Industrial fez com que essa situação se agravasse, uma vez que, por meio do racionalismo positivista e do princípio de eficiência, as noções de ordem e progresso eram propagadas enquanto motores da dinâmica social da época. Assim, esse movimento de afastamento ia se consolidando, ao passo que as pessoas se encantavam cada vez mais com os avanços da tecnologia e da ciência, conscientes apenas de uma realidade de curto-prazo (DE CAMPOS; PALMA, 2017). A produção do conhecimento, por sua vez, se referia às demandas estratégicas advindas de grandes indústrias, para contribuir na produção de novos produtos (FLORIANI, 2000). 

Aos poucos, as consequências desse ritmo desenfreado de produção começaram a emergir, trazendo consigo manifestações que defendiam um novo olhar sobre o desenvolvimento socioeconômico. Entre as décadas de 60 e 70, a proteção do ecossistema tornava-se pauta de estudos e debates, conquistando a atenção do público que assimilava sua relevância. Nesse contexto, os cientistas sociais não se mobilizavam suficientemente, fazendo com que o apoio por parte da academia se desse de maneira lenta. Foi só na década de 90 que as ciências sociais estabilizaram um bom nível de pesquisa e produção acerca do meio-ambiente. Em 1993, uma revista francesa chamada Nature, Science, Sociétés era lançada. Aqui, a noção de que essas três questões – natureza, ciência e sociedade – não deveriam ser desassociadas, começava a se legitimar (CHATEAURAYNAUD, 2015). Alguns anos depois, Floriani (2000) reforçava essa relação ao denunciar o poder de intervenção, por parte da ciência, na natureza e na sociedade:

uma das principais críticas dirigidas ao atual processo de produção do conhecimento científico deriva de sua hiper-especialização (leia-se fragmentação), trazendo graves consequências para o entendimento e a explicação da realidade, principalmente no domínio das ciências da vida, da natureza e também da sociedade; como as sociedades modernas estão apoiadas em bases produtivistas, ao conhecimento científico é imposta uma racionalidade instrumental, traduzindo-se em técnica intervencionista, tanto na natureza como na sociedade [...]. (FLORIANI, 2000, p. 5)

Dessa forma, dada a crescente consciência da indispensabilidade de um desenvolvimento sustentável, se fez urgente uma reconfiguração profunda na forma de fazer ciência, bem como nos paradigmas e nas interações sociais de forma geral. No campo científico, exaltava-se o preciso afastamento da “ciência pura”, totalmente livre de necessidade social, e da “ciência escrava”, dominada por demandas político-econômicas (MELO, 2011). A sociologia da ciência surge nesse meio, tendo como objeto de estudo os modos pelos quais as condições sociais influenciam a pesquisa científica e a difusão do conhecimento científico que, por sua vez, influenciam o comportamento social (BEN-DAVID, 1975).
Fonte: Tech Brasil Teaching School (2019).
Nesse campo, pode-se destacar a contribuição do antropólogo, sociólogo e filósofo Bruno Latour, reconhecido por defender a necessidade de construção de um novo mundo comum, coletivo e inclusivo. Em sua obra Politics of Nature (2004), ele formula a concepção de uma nova Constituição que ponderasse também os não-humanos, em nome da ecologia, e reafirma as conexões entre ciência, sociedade e natureza. Latour é principalmente renomado por ter sido um dos fundadores da Teoria Ator-Rede, que propõe uma redefinição do que se entende por “social” e dá total foco para a lógica das associações – também conhecida como sociologia das associações –, na qual humanos e não-humanos têm poder de agência. Assim, ator é aquele que produz ações para com sua rede que, respectivamente, é representada pelas conexões e interligações dessas ações (LATOUR, 2012; CHATEAURAYNAUD, 2015; DE CAMPOS; PALMA, 2017).

Ainda, por meio de sua afirmação de que “jamais fomos modernos”, Latour (1994) faz uma dura crítica ao racionalismo e a institucionalização de dicotomias, que buscaram purificar entidades e objetos, como exigência estabelecida pelo projeto epistemológico da modernidade. Ao verificar o trabalho prático da ciência, revela-se que essas polaridades são impossíveis de serem mantidas. Percebe-se, então, um rompimento do paradigma moderno da ciência, de padrão cartesiano e positivista, que reduz a complexidade dos fenômenos para compreendê-los de forma ordenada. Igualmente, a observação da realidade passa a ir além da ótica utilitarista e antropocêntrica, emergindo uma visão direcionada para a valorização do ecossistema em sua totalidade. Novamente, enfatiza-se que não é possível tratar a ciência, a sociedade e a natureza de forma isolada, pois estão intrinsicamente conectadas (MORIN, 2003; DE CAMPOS; PALMA, 2017).

Essa orientação sistêmica é fundamental para a promulgação dos princípios do desenvolvimento sustentável e abre um novo caminho para os estudos no campo da sustentabilidade, visto que essa “deve ser compreendida como um fenômeno complexo, a partir de conexões entre práticas heterogêneas, indissociáveis e em constante movimento” (DE CAMPOS; PALMA, 2017, p. 64). 

A partir dos argumentos aqui expostos, é esclarecida a relevância da sociologia da ciência, bem como da sociologia das associações, para o entendimento de que existe uma relação indissociável entre ciência, natureza e sociedade. Por sua vez, essa relação se faz importante para a consolidação de uma agenda socioambiental que, segundo Floriani (2000, p. 37), exige “o concurso desse diálogo interdisciplinar, no qual as ciências da vida, da natureza e da sociedade buscarão novas alianças”.

Referências:

BEN-DAVID, J. Sociologia da ciência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1975.
CHATEAURAYNAUD, F. Environmental issues between regulation and conflict. Document de recherché du GSPR, Paris, EHESS, 2015.
DE CAMPOS, S; PALMA, L. Contribuições da teoria ator-rede para o estudo da sustentabilidade. Revista Metropolitana de Sustentabilidade, v. 7, n. 1, p. 47-67, 2017.
FLORIANI, D. Diálogos interdisciplinares para uma agenda socioambiental: breve inventário do debate sobre ciência, sociedade e natureza. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 1, p. 21-39, 2000.
LATOUR, B. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.
_____. Politcs of nature: how to bring the sciences into democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2004.
_____. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator rede. New York: Oxford University Press, 2012.
MELO, D. A agenda do professor pesquisador em administração: uma análise baseada na sociologia da ciência. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2011.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
TECH BRASIL TEACHING SCHOOL. [Imagem de Globo terrestre.] Maestría: didáctica de la historia y la geografia em primaria. Tech Education, 2019. Disponível em:
https://www.techtitute.com/educacion/maestria/maestria-didactica-geografia-historia-educacion-primaria. Acesso em: 24/11/2019.

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