Quais os limites de nossa liberdade científica?

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de doutorado Vinicius Schambeck.

Podemos entender como liberdade, a possibilidade de realizar tudo aquilo que se deseja sem nada que impeça ou oprima nossas vontades ou ações. A busca pela liberdade é geralmente associada a algo positivo, fator gerador de autonomia e condição fundamental para realizar aquilo que se almeja nas diferentes esferas da vida, não sendo diferente no tocante do fazer científico.

Na visão de Sartre (1978), a liberdade é o tema central da condição humana, sendo ela a raiz do existencialismo, corrente filosófica que teve início no século XIX. Para o autor, “(…) a existência precede a essência” (SARTRE, 1978, p. 5), e com isso define que o homem primeiro existe no mundo e apenas depois se realiza e se define pelo que faz com sua vida. Sendo assim, primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é, onde a nossa existência fica fadada às nossas escolhas e o ser do homem é existir sem nenhuma determinação prévia.

Através desse caminho é possível compreender a angústia que nos toma frente ao ato de decidir. É da liberdade que a angústia deriva. Na medida em que somos livres, isso implica a total responsabilidade por todos os efeitos de uma determinada escolha. Por esta razão é que o viver é sempre acompanhado de angústia, pois quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades disponíveis. Entretanto, qual liberdade, de fato, os homens possuem? 
Fonte: Jones (2018).
Trazendo essa reflexão de liberdade para o fazer científico, é plausível questionar até que ponto nossas escolhas são livres e autônomas diante de tantos aspectos condicionantes que nos cercam, desde a trajetória de vida do pesquisador até as variáveis que incidem no campo. De maneira geral é comum atribuir à prática científica um status de pureza, que estaria ligada ao seu próprio modus operandi supostamente neutro, ou seja, à forma como cientistas realizariam o seu trabalho de compreensão, seja da natureza, seja da sociedade. 

Entretanto, para Bourdieu (2013) o campo científico não se manifesta como um espaço neutro ou ambiente de produção de uma ciência pura sem qualquer interferência. Este universo no qual estão inseridos os pesquisadores e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a ciência é um mundo social como outros, com leis sociais próprias. 

Assim como nos campos político e econômico, o campo científico também apresenta relações de força, disputas de poder, relações sociais que implicam na apropriação dos meios de produção e dominação. Diante dessas tensões, Bourdieu (2013) afirma que a obtenção de capital científico confere ao cientista o reconhecimento necessário para influenciar e estabelecer dinâmicas de dominação. Essa visão reforça o entendimento do campo científico como espaço de disputa, onde o pesquisador está sempre contaminado pelo seu próprio percurso, a sua própria carreira, de modo que as suas práticas são sempre voltadas para a aquisição de autoridade e prestígio.

Ainda de acordo com Bourdieu (2013), não há escolha científica que não seja pautada em uma estratégia de investimento político a fim de resultar em lucros simbólicos e na obtenção de autoridade e reconhecimento. Logo, a atividade científica está cercada de parâmetros que, de certa forma, norteiam e influenciam as escolhas dos pesquisadores no seu fazer científico, a fim de se afirmar e buscar progressão enquanto parte integrante desse campo.

Essas diferentes visões sobre liberdade e autonomia estabelecem um paradoxo, onde dilemas de naturezas opostas culminam numa reflexão: se possível for, preferimos escolher suportar a eterna angústia e desamparo de ser fadado à liberdade das escolhas e suas consequências, ou aceitar conviver com a realidade de que cada um de nós é produto do seu meio, prisioneiro de rotinas de ação, dos códigos implícitos e das submissões que governam o mundo das ideias?

Referências: 

BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d’Água, 2013.
JONES, J. [Ilustração referente a Jean-Paul Sartre.] In: JONES, Josh. Jean-Paul Sartre’s concepts of freedom & “existential choice” explained in an animated video narrated by Stephen Fry. Open Culture, Philosophy, Durham/NC, 06/02/2018. Disponível em: http://www.openculture.com/2018/02/jean-paul-sartres-concepts-of-freedom-existential-choice-explained-in-an-animated-video-narrated-by-stephen-fry.html. Acesso em: 16/11/2019.
SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

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