O pensamento complexo, uma reconstrução contemporânea do pensamento clássico

Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico de mestrado José Cláudio Cidral Junior.

Edgar Morin (2003), na sua obra “introdução ao pensamento complexo”, destaca que os problemas mais graves da humanidade são frutos de um progresso cego do conhecimento. Esta cegueira está relacionada a fragmentação do conhecimento, oriunda do método cartesiano, que não consegue interpretar a complexidade do real e a ligação entre as partes diferentes, dificultando a produção do conhecimento. Vico fala sobre essas delimitações das ciências, fechadas em suas “caixas” desde Descartes, como um tipo de ditadura intelectual que sufocou nos jovens aquilo que pertence a sensibilidade, a memória e imaginação, e os afastou do humanismo retórico (LE MOIGNE, 2007). 

Esta mutilação do conhecimento, causada pela inteligência cega que destrói os conjuntos e as totalidades, fez surgir o pensamento complexo como desafio contemporâneo. A complexidade se manifesta nas características de associação das partes diferentes, como a representação de um tecido que integra o mundo fenomênico, e a dificuldade do pensamento complexo está em enfrentar este emaranhado de interações solidárias entre os fenômenos (MORIN, 2003). Kuhn (1987) compartilha a visão holística da ciência quando descreve os paradigmas como soluções concretas de um quebra-cabeças da ciência normal, ou seja, segundo ele, a ciência normal, enquanto cumulativa, representa a ligação entre as peças (paradigmas científicos) do quebra-cabeças de forma coerente e complexa. 

Ainda representando esse princípio provocante entre as ciências, Teresa Ambrosio nos faz um convite a adquirirmos uma racionalidade aberta, dando espaço à dialógica e construindo um novo paradigma frente aos construídos nos métodos cartesianos (LE MOIGNE, 2007). Vico contrapõe a visão reducionista de Descartes na sua magistral ilustração do poder do engenho, sobre a faculdade mental que permite reunir de forma apropriada as coisas separadas, sintética e oposta à análise cartesiana, reforçando a ideia de unir para contextualizar (LE MOIGNE, 2007). 

A semelhança entre os pensamentos de Morin e Kuhn sobre a contextualização da ciência de forma holística é interrompida quando os autores conceituam os paradigmas de formas diferentes. Para Morin (2003), paradigma é uma forma de relação lógica entre certo número de conceitos ou ca¬tegorias mestras, uma maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico. Já Kuhn (1987) contextualiza paradigma como percepções compartilhadas pelos membros de uma comunidade científica.

Para Morin (2003), a relação de sujeito e objeto integram-se entre si, concepção aberta que tira o absolutismo dos conceitos destes e permite uma abertura para o progresso do conhecimento. Essa epistemologia aberta é lugar para a incerteza e a dialógica; ela traz verdades biodegradáveis e não absolutas, assemelhando-se a Popper (1979), quando este tem a visão de que não existem enunciados últimos ou verdades absolutas na ciência que não possam ser testados e nem refutados, e seu método dedutivo supõe que mesmo que as conclusões sejam “verificadas” não se pode determinar que as teorias são “verdadeiras” ou “prováveis”.

Pode-se dizer que ciência é uma produção histórica que passa por períodos cumulativos sem crise no desenvolvimento do conhecimento, até que os paradigmas usados como bases entrem em crise e sejam substituídos por novos, caracterizando um salto na ciência, não cumulativo, uma revolução, para uma nova ciência, como aconteceu quando Copérnico desenvolveu o heliocentrismo, teoria que se opôs e substituiu o geocentrismo defendido pelos clássicos (KUHN, 1987). Morin (2003) afirma que tudo que se passou na história em épocas de crise são acontecimentos não triviais, que qualquer crise é um acréscimo de incertezas e que precisamos abandonar as soluções antigas que remediavam as crises e elaborar novas soluções; a história da ciência também se caracteriza pela migração de conceitos. O pensamento complexo de Morin (2003) faz sacudir a preguiça mental de que nada inesperado irá acontecer; não recusa a ordem e o determinismo, mas os considera insuficientes e sabe que o conhecimento, a ação e as descobertas não podem ser programadas.

Podemos assim dizer que Morin, Le Moigne e Kuhn representam um ponto na história da ciência que proporciona uma evolução do pensamento clássico cartesiano, não o contrapondo totalmente, mas implicando um caráter dialógico entre as partes científicas singulares, no sentido de contextualizar e unir as peças do quebra-cabeças representadas pelos paradigmas das ciências, emergindo o desafio do pensamento complexo na ciência.

Referências:

KHUN, T. Posfácio. In: KHUN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
LE MOIGNE, J-L. Inteligência da complexidade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação. n. 4, out/dez. 2007.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
POPPER, K. A lógica da investigação científica. In: POPPER, K. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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