A lógica da ciência Popperiana

Pequeno ensaio produzido pela aluna de doutorado Gabriela Buffon.

O protagonista desse paper é o filósofo e professor Karl R. Popper, o qual debateu com os autores do Círculo de Viena (Waissman, Zielzel, Kraft, Hahn, Frank, Menger, Feigl e Von Mises) sobre as críticas do neopositivismo, os problemas de demarcação e da indução científica e suas relações (POPPER, 1972). Também foi um dos interlocutores adversários da Escola de Frankfurt, e não produziu uma teoria crítica da realidade, mas uma crítica ao método (DEMO, 1995).   

Nesse contexto, compete ressaltar o objetivo do Círculo de Viena. Tratava-se de um grupo de pensadores cultos que discutiam contra o espírito especulativo e metafísico, mas  afirmava que o avanço da ciência só era possível através da “demonstração rigorosa e no recurso aos fatos observáveis” (DORTIER, 2000, p. 1). Ainda para o autor, o Círculo de Viena promulgava que o conhecimento só poderia existir sobre duas ordens, a primeira com proposições lógicas e matemáticas, não se tratando de experiências, e a segunda com proposições empíricas, baseadas em fatos, assim, deveriam ser verificadas quanto à sua veracidade. Os demais tipos de conhecimento, como a metafísica, são “vazios, sem sentido ou reduzidos a falsos problemas” (DORTIER, 2000, p. 1). Essa visão extrema do positivismo, com um discurso totalmente lógico, coerente e unificado, acabou por “terra”, e assim, ganhou força o discurso popperiano (DORTIER, 2000).

Popper se opõe às ciências empíricas e aos métodos indutivos, que foram influenciados pela escola inglesa (Bacon, Locke, Mill e Hume), que pretendiam submeter a ciência ao controle e testes experimentais. Essa perspectiva alimentou a ciência objetiva e evidente, onde só se explicava o observável, assim a cientificidade objetivava a verificação, repetição e consequentemente a generalização (POPPER, 1979, DEMO, 1995).
    
Fonte: Vannucchi (2018).
E é essa base empírica que Popper considera como um problema metodológico. Assim, o filósofo volta ao problema de Hume, sobre as inconsistências do princípio da indução. Para tanto, Popper formula dois argumentos: a) a indução recai sobre uma regressão ao infinito, em que casos concretos não permitem a generalização (DEMO, 1995) e também é colocado em xeque o princípio de causação universal de Kant (POPPER, 1979); e b) a indução recai no apriorismo (POPPER, 1979, DEMO, 1995).    

Dessa forma, Popper (1979) desenvolve e defende a teoria do método dedutivo de teste, em que as experiências são utilizadas como método de teste das teorias, e não o considera como um critério de demarcação científica (DEMO, 1995). São também colocados quatro procedimentos para o teste de uma teoria, entre eles, o primeiro avalia se existe uma comparação lógica entre duas conclusões, em que se testa a consistência interna. O segundo procedimento investiga a teoria, se essa é empírica ou científica. O terceiro procedimento é a comparação entre as teorias, com o objetivo de verificar se é um avanço científico, caso essa se mantenha após os testes. E por fim, o quarto, é o teste da teoria através de aplicações empíricas das conclusões, que verifica se as novas teorias satisfazem os requisitos da prática (POPPER, 1979). É nessa fase que Popper substitui o critério de verificabilidade pelo da falseabilidade, que não irá recair na regressão ao infinito (DEMO, 1995).   
      
Nessa concepção, em comparação com a verificabilidade, para a falseabilidade não basta a reunião de provas afirmativas sobre uma determinada teoria, como Popper cita de exemplo através dos cisnes brancos, mas basta que seja encontrado apenas um caso concreto negativo para que a teoria seja falseada.  Ou seja, o fato de um cisne não ser branco é suficiente para refutar a generalização causada no método indutivo, com o enunciado de que “todos os cisnes são brancos”. 

Fonte: Rocha (2018).
Outro ponto muito importante levantado por Popper está relacionado à objetividade científica e convicção subjetiva, que na minha opinião é um dos pontos mais relevantes da leitura do livro A Lógica da Investigação Científica. Popper (1979) argumenta que as teorias científicas não são inteiramente justificáveis ou verificáveis, mas essas devem ser passíveis de serem testadas. O autor coloca que os testes dos enunciados devem ser realizados intersubjetivamente. E que se ocorrem esses testes, “não podem existir enunciados últimos na ciência” (POPPER, 1979, p. 20), deixando ainda claro que nem todo enunciado precisa ser testado antes de ser aceito, mas, no entanto, esses devem ser suscetíveis de serem testados.  
   
E é justamente a ciência passar por testes que possibilita a sua evolução. Para ilustrar a importância da ideia de falseabilidade para ciência é citado como exemplo a pesquisa realizada por Conrad et al. (2017), os quais realizaram uma pesquisa sobre a proteína ESAT-6, relacionada a tuberculose (Virulência de M. Tuberculosis). O artigo verificou a ocorrência de falhas de interpretação nas afirmativas sobre protocolos de pesquisas, na função biológica da proteína ESAT-6, realizadas até então, mesmo que algumas tenham sido publicadas em revista de alto impacto. Essas falhas ocasionaram uma quantidade considerável de interpretações incorretas nas pesquisas sucessoras, o que teve consequências epistêmicas significativas para o campo da tuberculose e para a biologia molecular em geral. Portanto, Conrad et al. (2017), ao testarem essas afirmativas encontraram vieses nas pesquisas e falsearam uma teoria vigente, possibilitando, assim, a evolução da ciência.  

Dentro do campo das ciências sociais, pode ser citada como exemplo a evolução da teoria do Homo Economicus, o qual visa racionalidade perfeita dos indivíduos na tomada de decisão, os quais buscavam interesse próprio e informação perfeita, muito aceita por economistas (STATMAN, 2006; BROCCHI; BROCCHI, 2016). Contudo, a evolução da ciência nos permitiu verificar que o ser humano não é plenamente racional na sua tomada de decisões, principalmente nas abordagens que possuem vieses psicológicos (BROCCHI; BROCCHI, 2016). Essa inferência possibilitou falsear a teoria do  Homo Economicus e deu origem as teorias no campo das finanças comportamentais, como por exemplo, a Teoria do Prospecto de Tversky e Kahneman (1979). 

Referências: 

BROCCHI, Raphel Leon Peres Thomazine; BROCCHI, Jaqueline Thomazine.  A evolução do processo de tomada de decisão: ilusão de controle e aversão à ambiguidade. Revista Técnico-Cientifica do Instituto de Brasília, EIXO. Brasília, v. 5, n. 1, 2016. Disponível em: <revistaeixo.ifb.edu.br/index.php/ RevistaEixo/article/view/302>. Acesso em: 16 out. 2019.
CORAND, W. H. et al. Mycobacterial ESX-1 secretion system mediates host cell lysis through bacterium contact-dependent gross membrane disruptions. Proceeding of the National Academy of Sciencies of the  United States of America – PNAS, v. 114, n. 6, p. 1371-1376, feb. 2017. Disponivel em: <https://www.pnas.org/content/114/6/1371>. Acesso em: 16 out. 2019.  
DEMO, P. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1995. 
DORTIER, J-F. Le cercle de Vienne et le nouvel sprit scientifique. In: Sciences Humaines, hors-série, septembre, 2000 (tradução livre). 
POPPER, K. A lógica da investigação científica. In: POPPER, K. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 
ROCHA, M. Monogâmicos, cisnes que moram em lago do Palácio do Itamaraty sofrem a perda de parceiros. Época, Brasil, 21 de agosto de 2018. Disponível em: <https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/06/monogamicos-cisnes-que-moram-em-lago-do-palacio-do-itamaraty-sofrem-perda-de-parceiros.html>. Acesso em: 04 de nov. 2019. 
STATMAN, Meir. What is behavioral finance? In: POMPIAN, Michael M. (Org.) Behavioral finance and wealth management: how to build optimal portfolios that account for investor biases. New Jersey: John Wiley & Sons, 2006.
VANNUCCHI, J. A falseabilidade na filosofia de Karl Popper. Acervo Filosófico. Brasil, 18 Abr. 2018. Disponível em: <http://www.acervofilosofico.com/a-falseabilidade-na-filosofia-de-karl-popper/>. Acesso em: 04 de nov. 2019. 

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