O estereótipo como pré-saber do saber estatístico

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de mestrado Gabriel E. Queiroz de Melo.

Este estudo deseja demonstrar que as generalizações populares sobre comportamentos ou características, genericamente definidas como estereótipos, são um pré-saber relativo ao saber estatístico.

Primeiramente, é importante definir a conceituação de estereótipo. Aqui, será aceita a sugestão de Stangor (2010), que coloca os estereótipos como características genéricas, de fácil observação, mentalmente associadas a um grupo social e cristalizadas ao longo do tempo.

Também é importante ressaltar que os estereótipos não necessariamente estão associados ao comportamento discriminatório negativo objetivo, como exposto por Castel (2008, p. 14). Negativo porque é “uma instrumentalização da alteridade, constituída em favor da exclusão”, objetivo porque o portador do comportamento discriminatório efetivamente age contra o discriminado.

O estereótipo, na verdade, deve ser encarado como uma formulação do senso-comum. Nos termos de Demo (1985, p. 14), senso comum é aquele conhecimento “acrítico, imediatista, que acredita na superficialidade do fenômeno”. Características perfeitamente aplicáveis aos estereótipos, que podem ser vistos como estatísticas intuitivas, formadas a partir da simples observação, sem rigor metodológico ou formalidade acadêmica.

Uma vez que foram categorizados dentro do senso comum, ainda é possível definir os estereótipos como um pré-saber, pois, como coloca Japiassu (1977), pré-saberes são aquisições não-científicas de estados mentais, formados de modo natural ou espontâneo, opiniões-primeiras ou pré-noções, incluídas dentro de algum contexto social.

Também segundo Japiassu (1977), os pré-saberes, exatamente por não terem caráter científico, são sujeitos a reproduzir uma gama de traços contrários ao saber, como erros, generalizações indevidas. Porém a existência dos saberes está condicionada a existência prévia dos pré-saberes. Neste caso, defende-se que a existência do saber estatístico está relacionada com o pré-saber estereótipo.

Não é razoável acreditar que a estatística moderna, com todas as suas sofisticações e rigores matemáticos e metodológicos, seria possível se o homem não tivesse, desde os primeiros momentos de sua existência como animal social, uma inclinação natural para observar padrões, tentar categorizá-los em grupos e, posteriormente, fazer previsões a partir deles.

A formação de estereótipos pode ser tomada como uma adaptação evolutiva da mente humana, uma vez que, como apresentam Peric e Murrieta (2015), a evolução humana não se deu somente em relação a condições externas, como temperatura e clima, mas também ao ambiente social. Era uma questão de sobrevivência saber identificar padrões e atribuí-los a indivíduos que provavelmente também os tivessem. Em resumo, a ciência não haveria de contar com a sofisticada estatística moderna se, um dia, não tivesse contado com a rudimentar “estatística intuitiva” dos estereótipos. 

Como um tipo de pré-saber, que não é científico, o uso de estereótipos, não é recomendado e, na maioria das vezes, inclusive, é fortemente desaconselhável. Porém, como coloca Demo (1985), a ciência acadêmica até pode aceitar métodos que não tenham tanto rigor metodológico, derivados do senso-comum, desde que não haja equivalente dentro de vias testadas por experiências profundamente críticas.
Fonte: Samary, Yamartino e Anvari (2013)
É o caso dos estereótipos que, mesmo sendo um pré-saber, ainda tem o poder de auxiliar o saber estatístico, ao se configurarem como “estatística heurística”, no sentido de serem um atalho mental. Sowell (2019) defende que o uso de estereótipos pode ser válido, como uma forma de teoria dos grandes números, quanto não existem recursos necessários para as técnicas mais adequadas.

Guerra (2002) apresenta a teoria da cognição social, inserida no contexto da psicologia social, onde, até nos estudos mais modernos, a formação de estereótipos é vista como estrutura cognitiva útil para o levantamento de informações que são similares aos membros de um mesmo grupo, as quais podem ser efetivamente organizadas e armazenadas, com a desvantagem de estarem expostas a variáveis pessoais de quem as coleta. Corroborando com isso, Jussim (2016) mostra que dentro da área de psicologia social, eivada com uma série de problemas metodológicos, a precisão dos estereótipos é um dos pontos de apoio mais bem estabelecidos.

Os estereótipos nasceram da necessidade humana de compilar informação (dados) e atribuir padrões, enfim, descrever o mundo que nos cerca, de forma rápida e com algum grau de precisão. Já a estatística, nasceu da necessidade de coletar estes dados de maneira formal, mantendo a subjetividade de quem coleta no limite do aceitável, para a criação de parâmetros efetivos, na busca da descrição mais fidedigna possível da realidade.

O que ainda deve ser buscado por trabalhos futuros é avaliar a real necessidade que os campos de pesquisa têm de ainda fazerem o uso de estereótipos como esta forma de estatística rudimentar e discutir até que ponto eles podem ser usados sem que o pesquisador incorra na atitude discriminatória negativa objetiva.

Referências:

CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1985.
GUERRA, Paula Bierrenbach de Castro. Psicologia social dos estereótipos. Periódicos Eletrônicos em Psicologia, Itatiba, v. 7, n. 2, p. 239-240, dez.  2002. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext &pid=S1413-82712002000200013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 14 ago. 2019.
JAPIASSU, H. Alguns instrumentos conceituais. In: JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. 6. ed. São Paulo: Francisco Alves, 1991, p. 15-39.
JUSSIM, Lee et al. Stereotype accuracy: one of the largest and most replicable effects in all of social psychology. In: JUSSIM, Lee et al.  Handbook of prejudice, stereotyping, and discrimination. 2. ed. New York, USA: Psychology Press, 2016. p. 31-63. 
PERIC, Mikael; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. A evolução do comportamento cultural humano: apontamentos sobre darwinismo e complexidade. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22, supl., dez. 2015, p. 1715-1733.
SAMARI, William; YAMARTINO, Ray; ANVARI, Rafaan. What each country leads the world in. DogHouse Diaries, 2013. Disponível em: <http://thedoghousediaries.com/5414>. Acesso em 29 ago. 2019.
SOWELL, Thomas. Discrimination and disparities. New York, USA: Basic Books, 2019.
STANGOR, Charles. Conceptualizing stereotypes and prejudice. In: STANGOR, Charles. Stereotypes and prejudice: essential readings. Philadelphia, USA: Psychology Press, 2000.

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