Interdisciplinaridade como base da construção de um saber imparcial e relevante.

Pequeno ensaio produzido pela aluna de Mestrado Elize Jacinto

A ciência e tudo o que ela envolve eventualmente será pauta de concordâncias e discordâncias, de certa forma, uma disputa para a prevalência de determinada vertente científica no campo do conhecimento, como que o importante sempre será o destaque e a credibilidade daquilo que se estuda e prega como ser a fonte de saber, e o restante por vezes, é dado como irrelevante.  

Boaventura de Sousa Santos (2004) aponta de maneira muito pertinente que o embate entre as ciências naturais e sociais não trouxeram alguma construtividade para o desenvolvimento da ciência, pelo contrário, a incapacidade de dialogar e a necessidade de sobreposição da primeira à segunda, resultaram em perdas de oportunidades relevantes para os campos do conhecimento, pois como comenta o autor, a “guerra das ciências” passaram de largo dos espaços e dinâmicas de um debate sadio e sobretudo de diálogos e colaborações mútuas, uma vez que os guerreiros da ciência, estariam em “trincheiras opostas”  

Boaventura (2004) reflete que o verdadeiro caráter motivador da “guerra das ciências”, apesar de ter sido travada por cientistas, eram mais sobre questões políticas e culturais, complementando que a “guerra” era em si mesma desnecessária, pois o diálogo crítico e a capacidade de alinhar as convergências e divergências, aprendendo de toda a forma seria muito mais eficaz, a entrar em um embate onde todos saem perdendo, principalmente a construção do saber.  

Em diversos momentos da leitura de Sousa Santos, é possível observar que ele se direciona a um saber inter e multidisciplinar, onde os campos do conhecimento são capazes de convergir não apenas para o aperfeiçoamento científico e do saber para os próprios cientistas, mas para toda a sociedade, visto que ela é parte fundamental do realizar do conhecimento. Mesmo que da perspectiva dos cientistas a sociedade seja um mero acessório, as pessoas e o meio ambiente são partes fundamentais para que a ciência exista e se concretize, uma vez que nosso sistema atual, muito mais complexo, não 
permite que o pesquisador se isole do mundo. Ele é parte do dele e isso precisa ser considerado.

Interdisciplinaridade
Jiapiassu (1976) comenta que a “interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisas”. Para Edgar Morin (2000) o parcelamento e compartilhamento dos saberes impedem a compreensão da complexidade da totalidade. E é bem perceptível notar que o desmembramento das áreas do saber estão intrincadas na realidade e são tratadas, por vezes, como algo positivo. Tais episódios estão presentes nas escolas e faculdades, e por fim, o ensino tem adotado esse modelo como verdade. Os cientistas também, e os resultados não mentem: é catastrófico e empobrecedor para a prosperidade do saber.  

Em relação ao ensino fragmentado e solitário repassado aos estudantes de diversas fases, dos mais variados cursos e instituições, Morin (2000) argumenta que as disciplinas, da forma em que estão estruturadas atualmente, apenas servirão para isolar os objetos de seu meio e isolar as partes do todo. Conclui que a educação deve romper com tais fragmentações a fim de mostrar as correlações entre saberes, a complexidade da vida e os problemas que hoje existem. Caso contrário, sempre será ineficaz e insuficiente para os cidadãos do futuro.  

Trilhando por esse caminho, Boaventura (2004) explora a necessidade de uma ciência que seja capaz de se tornar ferramenta que se coloca ao alcance de pessoas “comuns” para a solução de problemas em uma dimensão local da sociedade, de tal modo se concretizem as “iniciativas que procuram mobilizar recursos científicos cognitivos de origens diversas para responder a problemas de populações locais, de comunidades, de grupos de cidadãos, através de formas de participação de todos os interessados e de processos democráticos de decisão”.  

Para além das “guerras da ciência” Boaventura (2004) destaca frequentemente a necessidade de convergir os saberes, a importância da interdisciplinaridade, o que vejo ser também, como ponto fundamental do estudo do saber, para o desenvolvimento sólido da epistemologia, pois ela mesma tem como base, pilares que envolvem a busca por interpretações do significado do complexo, ainda mais com seus alicerces, que envolvem distintas terminologias tais como a transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, que se encontram intrínsecas em nossa busca pelo conhecimento.  

Seguindo os passos de Morin (2003), tratando-se da importância e convergência dos múltiplos conhecimentos nos processos de aprendizado, concordo com o autor quando o mesmo afirma que para a educação do futuro, é preciso incentivar as consciências da necessidade de se reconectar os conhecimentos oriundos das ciências naturais, “a fim de situar a condição humana no mundo e dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humanas”. 

Infelizmente fomos condicionados a pensar que a fragmentação do saber é a melhor alternativa para aprender e produzir aprendizado, contudo, mais do que antes, temos a necessidade de pessoas capazes para compreender a complexidade da realidade em que estamos inseridos, tornando-nos aptos a assumir uma postura crítica - e de certa forma, desenvolver um olhar parentético ante à nossa existência no mundo.  

Como futuros educadores, é nossa responsabilidade o ato de procurar religar os conhecimentos, tanto mitológicos, quanto científicos, artísticos, religiosos, éticos e estéticos, para que futuramente, possamos formar profissionais que não sejam cegos politicamente, e que se habilitem a assumir a conduta necessária como bons cidadãos.  

“É longo ainda, sem dúvida, o caminho que poderá conduzir a uma valorização simétrica e não desqualificante das várias formas de conhecimento”(SOUSA SANTOS; 2004), contudo é preciso que o reconhecimento da necessidade de uma transformação seja compreendido para que, de fato, o despertar torne-se palpável e quase tangível para nós. Estamos no caminho. 


Referências

JAPIASSÚ, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 

SOUSA SANTOS, B. Introdução In: SOUSA SANTOS. B. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. São Paulo: Cortez, 2004, p. 17-27. 

MORIN, E. A religação dos saberes. O desafio do século XXI, SP. Bertrand Brasil, 2000. 

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, repensar o pensamento. 6ª Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Ltda., 2003 a. 

NUNES, J.A. Um discurso sobre as ciências 16 anos depois. In: SOUSA SANTOS. B. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. São Paulo: Cortez, 2004, p. 59-62. 

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