Separação das brincadeiras infantis por gênero analisada sob a perspectiva de “fato social” de Durkheim

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Mestrado Acadêmico João Vitor Libório da Silva

O desenvolvimento da subjetividade infantil marca um período peculiar da vida da criança, no qual a mesma tem contato com diversos fenômenos culturais que a cercam. Nesse processo, a criança molda sua identidade e interioriza certos comportamentos que contribuirão para a forma com a qual ela irá agir, comportar-se e encarar o mundo a sua volta. Sendo assim, a infância – e as brincadeiras inerentes a essa fase - apresentam-se enquanto um campo fértil para a inserção de culturas que servirão de base para a identidade do ser. Sob esta perspectiva, questiona-se acerca da existência de
Durkheim em "cores de meninos ou meninas"
estigmas sociais de determinação dos brinquedos/ brincadeiras “de menino” e “de menina” em nossa sociedade, e como esses estigmas impactam na formação subjetiva do indivíduo. Dessa forma, meu argumento nesse
short paper será: “A coerção cultural no uso de brinquedos/brincadeiras de criança analisada sob a ótica do ‘fato social’ de Durkheim.” 

A vida em sociedade é marcada por “regramentos” sociais, os quais muitas vezes não estão institucionalizados ou formalizados, mas que por meio de um processo de coerção (“violenta” ou não) são interiorizados de tal forma que moldam o comportamento geral em sociedade e impactam em muitas dimensões do ser. Nesse sentido, as brincadeiras infantis podem ser analisadas como formas lúdicas de expressão do mundo a volta da criança, isso é, por meio das brincadeiras o ser vai criando formas de representar o mundo, as pessoas, as relações, etc. Isso caracteriza um processo no qual a criança busca a realidade e, por conseguinte, a “ciência” se faz essencialmente presente. Desde criança é comum escutar dos mais velhos os dizeres do que é convencionado brinquedo/brincadeira “de menino” ou “de menina”. A partir disso, cria-se critérios de gênero que delimitam até aonde a criança pode chegar com as brincadeiras ou não; da mesma forma, delimita-se papéis típicos para as meninas e meninos. Ao analisar histórica e essencialmente a questão, remonta-se a lógicas machistas e sexistas que são passadas às crianças, reforçando, por conseguinte, um comportamento cultural com tais características; os estigmas socialmente imperativos são chamados por Durkheim (2007, p. 41) de “condições constantes”.  


Para que se analise o fato social como tal, segundo Durkheim (2007), é necessário que se parta do princípio de que o mesmo é uma coisa. Ao dizer isso, o que se busca assinalar é que o fato social é produto da atividade humana, ou seja, “materializa-se” por meio da relação entre os homens. Sendo assim, o estigma imposto sobre o uso de brinquedos para as crianças sob um viés de gênero, assim como outros institutos (família, Estado, justiça), seriam simplesmente o desenvolvimento das ideias que temos sobre esses mesmos institutos, num processo construído coletivamente (DURKHEIM, 2007). Esses constructos desenvolvidos historicamente já foram tão interiorizados socialmente que já se convencionou o que é “brinquedos de menina” e “brinquedo de menino” como um fato social. Algo que toma uma força externa de coerção tão grande ao ponto de muitos núcleos familiares criarem critérios “por gênero” ao apresentarem aos filhos os diversos tipos de brinquedos e brincadeiras existentes.  

Nesse contexto, Durkheim (2007) reconhece que no processo de coerção pode haver resistência de alguma forma, mas que para libertar-se das regras imperativas ao ser, este tem de lutar. Ainda assim, segundo o autor, esse processo de resistência é apenas mais uma prova do caráter imperativo do fato. Sendo assim, mesmo que alguns núcleos familiares primem, de alguma forma, por educar seus filhos de maneira a não considerar os critérios de gênero, esses mesmos pais encontrarão barreiras para tal. Isso porque a criança ao interagir com outras – na escola, por exemplo – terá contato com outras educações, que provavelmente já terão essa coação social cristalizada.  

Sob esta perspectiva, faz-se a discussão da dicotomia entre o subjetivo do ser e o aspecto objetivo. Por estar em um estágio peculiar de desenvolvimento da subjetividade, a criança ainda não possui suas faculdades de vida formadas; o fato é que esta faculdade (assim como a subjetividade) é limitada a uma objetividade ligada a um comportamento social normatizado que é passado a ela pela educação. Como assinala Durkheim (2007), o fato social tem uma propriedade de formar-se fora das consciências individuais – aqui caracterizado como subjetividade – a qual é “dominada” pela força exterior, entendida como a coerção objetiva passada pela educação. Ao possuir essa característica, o fenômeno deixa de ser orgânico e natural, já que passa a ser simples representações de condutas convencionadas na vida em sociedade. 

Fugindo de lógicas puramente deterministas, o debate suscita algumas questões pertinentes, como: “em que medida certas convenções culturais impactam nas faculdades e no comportamento do ser adulto?”; “quais escolhas futuras do ser podem estar condicionadas a limitadores impostos desde criança?”; “a relativização da liberdade do sujeito”. 


Referências 

DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 

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