A política educacional no Brasil: um diálogo entre Guerreiro Ramos, Bacon e Descartes.

Pequeno ensaio produzido pela aluna de Mestrado Elize Jacinto

“Mas, ao contrário, os doutos, homens indolentes e crédulos, acolheram para estabelecer ou confirmar a sua filosofia sobre certos rumores, quase mesmo sussurros ou brisas de experiência, e que, apesar de tudo, atribuíram valor de legítimo ao testemunho” (BACON, 1979).  Nesse momento minha mente refletiu de certa maneira angustiada, sobre a situação que me encontro como humano, em minha relação com a política e como tal influencia não só a minha vida, mas a de todos que me rodeiam, e também aqueles que não consigo enxergar. 

Inevitavelmente, o despertar se deu ao imergir nos conceitos de redução sociológica e homem parentético de Guerreiro Ramos, que de certa forma, em muito se aproximam das passagens escritas por Bacon em Novo Organum e Descartes em Discurso do Método. Sob uma primeira impressão, tais conteúdos parecem conter um imenso abismo entre si, pois entre séculos de distância, como podem conversar Guerreiro Ramos e estes dois autores? Mais uma vez, é preciso permitir-se imaginar e refletir, que por cima da superfície, existe uma ponderação muito válida a respeito da realidade e da beleza que encontra-se em se superar o tempo para construir nosso próprio aprendizado histórico a
respeito daquilo que nos foi deixado. 

Em princípio, é importante compreender a redução sociológica, o termo “redução” como destaca Ramos (1996). Em seu aspecto mais genérico, redução baseia-se na eliminação de “de tudo aquilo que, pelo seu caráter acessório e secundário, perturba o esforço de compreensão e a obtenção do
Guerreiro Ramos foi sociólogo, político e jornalista
essencial de um dado”
. A redução sociológica não é ditada apenas pela aspiração de conhecer, mas, contudo, pela necessidade social de uma comunidade que na consumação dos objetivos de sua existência, tem de certa forma, a necessidade de servir-se da experiência de outras comunidades (RAMOS, 1996). Guerreiro fez fortes censuras quanto à assimilação crítica da produção estrangeira, onde importa-se determinado costume externo à realidade presente - no caso o Brasil - e toma-
o por verdade, desconsiderando peculiaridades fundamentais concernentes àquele povo, história, contexto social, econômico, enfim. 

Ramos sugere a reflexão sobre uma determinada teoria - ou política - e dela extrair pressupostos a adotados pelo autor em questão, compreender o contexto histórico e geográfico em que estava firmado, críticas à teoria dele, lacunas, debilidades e limitações. Se ainda assim, fizer sentido o pressuposto estudado, faz necessário aplicá-lo àquela outra realidade. A importação acrítica de determinadas políticas no cenário brasileiro, acaba por tornar incapaz a compreensão da sociedade e governantes de perceber fenômenos da realidade, estagnando conhecimentos e competência para compreender fatos que se apresentam diante de seus olhos. 

Sob essa perspectiva, Bacon (1979) enfaticamente, coloca em xeque toda e qualquer capacidade humana de transcender a realidade ao uso exímio de seu intelecto. O estudioso afirma ser a razão humana constituída de “uma farragem e massa de coisas”, onde algumas delas advém de muita credulidade, outras do acaso e também de noções fúteis, inocentes e banais. Bacon deixa transparecer uma certa angústia quando a fragilidade do estudo da ciência à partir da natureza de sua época, propondo, ele mesmo, uma nova maneira de se estudar a ciência, procurando transcender os limites do conhecimentos impostos em sua época. Para ele, é de extrema importância o conhecimento a respeito de seu objeto de estudo e procurar por si próprio descobrir as inferências, variáveis, métodos, o nele saber incutido a fim de desenvolver a metodologia, sem se entregar imprudentemente a interpretações que se pretendem melhores, porém, melhores para qual contexto e situação? 

Descartes (1979) no excerto Método do Discurso, também aponta, de maneira metafórica, que “não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que só um trabalhou” e prossegue concluindo que os edifícios empreendidos e finalizados por um só arquiteto, tendem a ser mais admiráveis e “melhor ordenados” ante aqueles que “muitos procuraram reformular”. Descartes afirma que o acumular de diversas opiniões, não são sinônimo concreto de verdade. E também ele mesmo, desenvolve seu próprio método relativo ao estudo da ciência. 

Á partir desses pressupostos, torna-se compreensível a fraca formulação de políticas públicas brasileiras. Quais são as referências que os formuladores buscam para desenvolvê-las? Consideram de fato a multiplicidade do território brasileiro? Reconhecem as distintas necessidades entre nosso povo? Conhecem, os nossos governantes a nós? Lamentavelmente, ano após ano, o Estado tem se distanciado cada vez mais de seu povo, adotando medidas pertinentes a ele, não à sociedade. 
Reforma da Educação
Em exemplo do despreparo e até certo ponto, descaso, está na Reforma de Educação realizada no Brasil, de acordo com dados do jornal online Estadão (2017), que revela que o ensino médio brasileiro “deve ficar mais parecido com modelos adotados na Europa e América do Norte” no que diz respeito ao formato do currículo, oferecendo ao aluno a especialização em áreas do conhecimento por ele escolhidas, contudo, apesar de parecer excelente, nossa realidade é dura. De acordo com dados do IBGE, o Brasil tem 11,8 milhões de analfabetos, onde 7,2% dessa população possui 15 anos ou mais. Na região Nordeste, a taxa de analfabetismo chega a 14,8%, o dobro da média nacional. Outro dado importante aponta que o número de jovens que não estudam nem trabalham ou se qualificam, cresceu em um percentual de 5,9% no ano de 2017 comparado ao ano de 2016. 

Com os recursos limitados à nossa educação, saúde, segurança, moradia, entre outros, essa política de reforma no sistema educacional brasileiro vinda de um contexto completamente díspar da realidade presente, aponta o caos da formulação de nossas políticas, que devem considerar nossos contextos, e não tomar por verdade o que não cabe em nossa existência prática. 

Devemos ser críticos e reflexivos como é o homem parentético de Guerreiro Ramos, que é capaz de examinar a vida social como um espectador, procurando abster-se dos juízos, descolando-se das circunstâncias internas e externas para poder ampliar sua compreensão dos mais diversos aspectos de sua vida. O homem parentético é capaz de transcender o mundo em que vive, refletindo, observando, possuindo senso crítico, auto-conhecimento
e interesses éticos.

Assim como Descartes e Bacon evidenciam a necessidade de se criar um método próprio e promover o senso crítico à respeito daquilo que nos envolve, Guerreiro Ramos aponta a também necessária mudança de atitude da dinâmica que temos adotado em nossa realidade. É preciso que se desenvolva métodos próprios na formulação de políticas públicas brasileiras, que sejam sensíveis à nossa realidade, que conheçam de fato que somos nós e o que precisamos. Contudo, como humanos e sociedade, é nosso dever fomentar a capacidade de refletir, analisar e estudar a realidade que nos cerca. É nosso dever enxergar o que existe por trás das motivações, e acima de tudo, não tomar por
verdade algo que nós mesmos podemos construir e estudar, desde que aí, haja o bom senso e humildade para compreender que estaremos sempre aprendendo, sendo transformados e também transformando.


Referências
BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. 
DESCARTES, R. Discurso do Método. In René Descartes. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 
ESTADÃO. Reforma Aproxima Ensino Médio Brasileiro do Exterior, Dizem Especialistas. Disponível em: <https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,reforma-aproxima-ensino-medio-brasileiro-do-exterior-dizem-especialistas,70001866283>. Acesso em: 13 de Agosto de 2018.
GUERREIRO RAMOS, Alberto. A redução sociológica. 3ª.ed., Rio de Janeiro,Editora da UFRJ, 1996.
IBGE. PNAD Contínua 2017: Número de Jovens que não Estudam nem Trabalham ou se Qualificam Cresce 5,9% em um Ano. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/21253-pnad-continua-2017-numero-de-jovens-que-nao-estudam-nem-trabalham-ou-se-qualificam-cresce-5-9-em-um-ano.html>. Acesso em 13 de Agosto de
2018.

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