A tradição da superficialidade das eleições brasileiras

Pequeno ensaio produzido pela aluno de Mestrado Acadêmico Jean Robert Soares

O objetivo deste paper é fazer um breve diagnóstico do comportamento da sociedade brasileira , sob a ótica dos argumentos de Comte e Durkheim, neste momento oportuno que antecede as eleições depois do primeiro impeachment de presidente da república ter se concretizado. Não se trata de uma análise política ou partidária de candidatos ou da intenção de votos dos brasileiros indicada nas pesquisas, mas sim uma análise do cenário, diante dos representantes da sociologia positivista citados.

Augusto Comte (1798-1857) foi fundador do positivismo, fortemente influenciado pelo empirismo e seus métodos de observação e metodologias de classificação, e criador da chamada física social que depois se tornaria a sociologia, na qual buscava compreender a realidade social. A Lei dos Três Estados, de Comte, diz respeito ao modo como o espírito humano compreende o que observa no universo, sendo eles: teológico, metafísico e positivo. Sobre estado teológico, diz “todas as nossas especulações manifestam de modo espontâneo uma predileção característica pelas mais insolúveis questões, pelos assuntos mais radicalmente inacessíveis a qualquer investigação decisiva” (1976, p.5-6). O teológico é o mais primitivo e nele os fatos são explicados por algo não presente na natureza,
sobrenatural ou divino, como deuses ou espíritos. Já o metafísico, mais evoluído que o primeiro, serviria como elo entre o estado teológico e o positivo, no qual nem a imaginação nem a observação seriam predominantes. Nesse caso, o raciocínio é mais amplo, porém impreciso e os fenômenos seriam explicados por forças ocultas ou abstratas, porém personificadas, o que diferenciava do estado teológico. Por fim, o estado positivo, último nível de desenvolvimento, foge das “explicações vagas e arbitrárias” dos dois estados predecessores para embasar-se na “apreciação sistemática dos fatos existentes” (1976, p.16-17). Ou seja, sai do campo ideológico e parte para a análise da realidade. 

Por questões históricas, culturais e de negligência do próprio Estado com relação ao ofertamento de educação e conhecimento científico de qualidade, o Brasil e seus cidadãos ainda se encontram presos às correntes das morais religiosas, de tradições e costumes que comumente abdicam da razão, até por conveniência, para justificarem suas ações e a existência desta realidade desigual para as classes menos afortunadas. Sob esta perspectiva, ao considerar o Brasil como um todo, é possível sugerir que o estado predominante seria teológico, o primeiro deles e com a menor capacidade de utilização do que Comte chama de “virilidade mental”. Segundo Cruz Costa “ o que caracteriza a virilidade da nossa inteligência é a substituição da inacessível indagação das causas pela simples pesquisa e determinação das leis. É este o traço fundamental da filosofia positiva.”(1950, p.364)

Aproveitando-se disto, os candidatos usam deste comportamento pouco questionador de grande parte dos eleitores para basearem suas propostas em jargões que são supérfluos, superficiais e desprovidos de embasamento científico, como os defensores da “tradicional família brasileira” e do “cidadão de bem”. Usadas desta maneira simples, estas palavras buscam chamar a atenção dos eleitores que pouco entendem do processo político, mas são obrigados a escolher candidatos que nunca sequer tiveram algum tipo de contato ou entendimento menos leviano.

Émile Durkheim (1858-1917) conceitua fato social – e suas três características principais coercitividade, generalidade e exterioridade -  como “toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais. (2007, p.13).  No Brasil, apesar de grande miscigenação étnica de sua sociedade, as tradições religiosas e nosso sistema educacional precário, como fatos sociais, trazem à tona a falha de nosso sistema de representação democrática. Muitos candidatos, apesar de eleitos defendendo determinadas “bandeiras” de atuação, como por exemplo o meio ambiente ou até mesmo os liberais econômicos, se veem isolados e sem força para atuarem diante do sistema político que prioriza a atuação das bancadas lideradas por partidos com mais influência. De um jeito ou de outro, as propensões dos cidadãos acabam sempre em segundo plano.


Quando obrigados a votar em quem dificilmente os representará de verdade, os cidadãos buscam escolher o “menos pior” entre as opções possíveis. O próprio sistema eleitoral afasta os bem-intencionados, que de fato representariam e defenderiam os interesses da população em geral, quando impõe a necessidade de alianças e coligações para que os projetos e atos sejam aprovados. Disso resulta que é muito mais fácil dividir os candidatos na ultrapassada dicotomia esquerda-direita, ou liberal-socialista, do que eleger aqueles que são realistas, mostram a complexidade das situações e cobram a coparticipação da própria sociedade na resolução dos problemas públicos. Com relação a isso, Durkheim diz “em vez de uma ciência de realidades, não fazemos mais do que uma análise ideológica.” (2007, p.16).

É notório que inclusive os candidatos à presidência da república tenham dificuldade em apresentar propostas e posicionamentos sobre questões recorrentes de maneira simples sem apelarem para a demagogia. Muitas destas questões, inclusive, poderiam ser facilmente pautadas com um olhar científico, com estudos aprofundados feitos por especialistas na área, para resultar num debate muito mais produtivo e fundamentado no campo da realidade e não no campo ideológico. Entretanto, quando se fala de Brasil parece que a política corrupta e imoral é fato social e faz de tudo para se proteger de qualquer ameaça que retire os privilégios tanto disputados dos cargos eletivos.

Segundo Jiddu Krishnamurti (1895-1986), citado por Vonnegut (1975, p.208), “não é demonstração de saúde ser bem ajustado a uma sociedade profundamente doente” .Talvez a sociedade brasileira não seja doente, ela apenas esteja doente por muito tempo. Dessa doença resulta que o comportamento da sociedade ainda é pautado em temas e argumentos preconceituosos, atrasados, discriminatórios e baseados nas “tradições e bons costumes”. Enquanto isto se mantiver, os candidatos aos cargos eletivos, que nada mais são do que reflexo desta mesma sociedade, ainda usarão da tradição da superficialidade para conquistar votos a cada quatro anos. Depois disto, sem instrumentos de controle efetivo, seguirão fingindo representar os interesses de alguém além deles mesmos, enquanto os cidadãos seguirão fingindo que têm seus interesses representados.


Referências
COMTE, A. Discurso sobre o espírito positivo. Porto Alegre: Editora Globo; São Paulo: Editora da USP, 1976. p.1-57. 
DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
J. CRUZ COSTA. Augusto Comte e as origens do Positivismo. Revista de História. v.1. n. 3. Universidade de São Paulo. 1950.
PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. O criticismo Kantiano e O positivismo In: PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990 (trechos escolhidos).
VONNEGUT, Mark. The Eden Express. New York: Praeger Publishers. 1975.

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