O pensamento moderno e a infância da ciência

Pequeno ensaio produzido pela aluna de Doutorado Barbara Lorenzoni Basso

     A ciência moderna parece ser a “infância da ciência”. Me explico: ao estudar Bacon (1979)
e Descartes (1979), pensadores que constituem as bases para a ciência moderna, não pude deixar de pensar na ciência que vejo acontecer diariamente em casa, ao observar minha bebê de 1 ano e 3 meses. 
      A ciência moderna de Bacon e Descartes busca compreender o mundo como ele se apresenta aos sentidos. É a ciência experimental, das causas e efeitos, de entender que se eu mexo a minha mão e bato no móbile sobre meu berço, posso observar o barulho e o movimento que o móbile faz. É a ciência que coloca um punhado de areia na boca para constatar o gosto da areia (e para descobrir que areia não é algo bom de se comer). É a ciência que aprende sobre o movimento e a trajetória que a bolinha faz quando eu jogo ela até chegar ao chão – e entende que essa trajetória pode mudar caso eu atire a bolinha com mais ou menos força.

      Também é a ciência dos primeiros passos – os primeiros e cambaleantes passos que deixam para trás o engatinhar da ciência medieval e que possibilitarão os saltos da ciência positivista, os questionamentos adolescentes da ciência crítica ou as grandes reflexões da ciência quando atravessar a crise da meia idade. 
Se o cientista moderno é infantil em sua arrogância ao afirmar que sozinho consegue atingir a verdade de forma mais perfeita do que vários pensadores juntos e que seu juízo seria mais puro e
Eu sou o mais verdadeiro!
sólido caso fosse guiado apenas por sua razão, sem influência de outras pessoas (Descartes, 1979), também é infantil em seu olhar curioso para a natureza a fim de não apenas observá-la (como faziam os gregos antigos), mas executar repetidas experiências a fim de encontrar a tão buscada verdade. E esse olhar curioso infantil é fundamental no desenvolvimento das ciências, já que passa a perguntar ao mundo como ele funciona e entender sua lógica. 
     Vejo traços de cientistas modernos em minha bebê quando desafia diversas vezes meu “não” - colocando-o em dúvida por diversas vezes até aceitá-lo como “verdade” (“Será que posso ficar em pé na beirinha do sofá?” “Não, filha, assim tu vai cair!” “Humm, será que se eu ficar em pé agora a mamãe deixa?” 
      “Filha, já te disse que tu vai cair daí” “Humm, e se eu levantar devagarinho, será que posso ficar em pé no sofá?” “Filha, tu vai cair!”, etc…) Minha bebê também é cientista moderna quando executa repetidas vezes os mesmos passos, seguindo uma série lógica, para seus controles experimentais (como em Koyre, 2011): sobe os degraus da escadinha com ajuda das mãos, levanta em pé, caminha até o escorregador e escorrega; sobe novamente os mesmos degraus, levanta em pé outra vez, vai novamente até o escorregador e escorrega… e repete tudo outra e outra vez, até dominar o processo e saber o que acontece em cada um desses passos. 
     Outro princípio que parece ser testado por minha filha é aquele que diz que se as formas são as mesmas, as causas e condições são as mesmas, só poderão produzir o mesmo efeito (Koyre, 2011). “Se eu jogar esse garfo no chão, o que acontece?” “E esse outro garfo? Será que acontece a mesma coisa?” “E esse outro? Vai fazer o mesmo barulho? Vai cair do mesmo jeito” “E essa faca? Hmm, a faca é diferente, será que cai de forma diferente?”… 
     A infância da ciência pergunta ao mundo como ele funciona, sem ainda se preocupar com os porquês – que sei que virão em breve, quando minha pequena cientista não se contentar apenas em saber que quando ela joga a bolinha no chão a bolinha quica… ela irá perguntar por que a bolinha quica… e se eu responder que é porque ela é redonda, vai querer saber por que a bolinha é redonda… e assim por diante. 
     Esse aprendizado contínuo é importante e necessário para o desenvolvimento de minha filha e servirá de base para a adolescente e a adulta que ela se tornará, assim como a “infância da ciência” foi importante e necessária para o desenvolvimento do pensamento científico e serviu de base para o crescimento da ciência e para sua trajetória através de suas diferentes fases. 
O bebê cientista
Referências
BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. (trechos escolhidos)   
DESCARTES, R. Discurso do Método. In René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (trechos escolhidos)  
KOYRÉ, A. As origens da ciência moderna: uma nova interpretação. In KOYRÉ, A. Estudos de História do Pensamento Científico. Rio de janeiro. Forense Universitária, 2011.

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