Atividade das Doulas: Uma alternativa à “única ciência possível”

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Mestrado Acadêmico João Vitor Libório da Silva

     A ciência moderna marcou uma cisão entre o que é tido como ciência e diversas questões como a religião, discussão moral, valores; sempre se pondo acima destes, numa perspectiva de “único caminho possível” para designar o que é real, sob a perspectiva do cientista.
Em contraponto, numa busca pela auto reflexividade do papel da ciência e do cientista, a crise da ciência moderna questiona o paradigma de que esta é o único vetor possível de explicação da verdade (única ciência possível). Semelhante a essa reflexão, acerca de uma única maneira de definir o conhecimento, põe-se em discussão a consideração do papel das doulas no período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato das mulheres, como uma alternativa mais humanizada. Dessa forma, meu argumento neste short paper será: “Análise da importância das doulas à luz dos questionamentos acerca da ciência moderna.” 

   A etimologia da palavra “Doula” tem origem no grego “mulher que serve” e é considerada como a mulher que dá suporte físico e emocional à parturiente. Antigamente quem exercia essa tarefa de acompanhar a mulher no trabalho de parto eram as mulheres mais experientes da família, quase sempre as mães e avós. Com o passar do tempo, essa tarefa passou a ser exclusivamente da medicina 
obstetrícia, muito fruto da cultura moderna que assimila diretamente o papel do parto à figura do médico. O fato é que esse processo envolvendo a medicina, representa uma forma mecanicista e desumanizada de tratar o parto em contraponto ao ato fisiológico e natural, como deveria ser tratado. Desse modo, vê-se a participação da doula como uma maneira de intermediar a relação da parturiente com os profissionais da medicina, reduzindo as taxas de cesárea, duração do parto e pedidos de anestesia.  
     Ao questionar a própria concepção de conhecimento, em “Um Discurso” (1987), Sousa Santos põe em xeque as formas de produção de conhecimento científico. Com isso, o autor assinala para a existência de modos de produção de conhecimento que não estão necessariamente no mainstream da produção da ciência moderna. Esses questionamentos surgiram dos próprios cientistas que 
assumiram uma figura filosófica no sentido de questionarem acerca da produção de ciência. Sendo assim, sob esta perspectiva, há conhecimentos tácitos – chamados por Demo (1985) de “senso-comum” e de “vulgar” por Sousa Santos (1988) - que devem ser considerados. Estes não são formalizados, institucionalizados e tampouco são considerados “ciência” pela ciência moderna, mas que, no caso das doulas, com toda certeza geram um impacto e efeitos na vida da parturiente. Em 
outras palavras, a doula possui conhecimentos e habilidades concernentes à atividade do parto que trazem bem-estar e conforto para mãe. À luz dessa visão, são consideradas as “formas situadas de produção de conhecimento”, retratadas por João Arriscado Nunes (2004) como produto das interações de entidades heterogêneas.  
     Fica clara a visão mais alargada de co-construção do conhecimento, baseada no “como” e “para quê”, e não mais na taxação do que é a “boa” ou “má” ciência. Esta visão cria um cenário de flexibilização da relação entre “sujeito e objeto”, ou seja, enquanto a ciência moderna tinha como efeito a separação desses, o paradigma “emergente” propõe que o objeto exerce uma influência a depender do contexto em que este é retratado. Segundo Latour (1998), os paradigmas que se chocam caracterizam a “Guerra das Ciências”, na qual se questiona o fato dos cientistas reduzirem a diversidade cultural e arbitrarem quanto às múltiplas formas de conhecimento.  
     Nesse sentido, a figura da doula não seria uma substituição à “única ciência possível” (aqui retratada pela figura da medicina), mas sim como mais um ator concebível dentre as entidades heterogêneas nas “ecologias de práticas”. Estas são constructos que contemplam critérios, objetivos e valores situados no contexto em que o conhecimento está presente. Por conseguinte, os saberes pertencentes às doulas seriam considerados uma forma situada de analisar, observar e avaliar esse mesmo saber, com vistas a fugir de padrões globais e estanques de produção de conhecimento. Em consonância a essa premissa de não-substituição da figura do médico, Sousa Santos (2004) assinala para o cuidado de não se jogar fora as contribuições trazidas até o momento da ciência moderna. O que se propõe é um diálogo entre os diversos modos de conhecimentos, levando em consideração o contexto dos saberes.  
    Apesar de, segundo Sousa Santos (2004), esse questionamento de paradigma estar em descontinuidade, esse movimento indubitavelmente assinalou questões importantes acerca do que é considerado conhecimento. Aliado a isso, algumas questões são apontadas, como: “o quanto o maintream (em relação à produção de conhecimento científico) impacta na vida dos atores ordinários, na sua relação com o mundo, e na busca pelas explicações das coisas?”; “teriam os atores recursos 
suficientes para questionarem sobre o mundo que os cerca?”; “o reconhecimento da multiplicidade de conhecimento traria avanços para a ciência como é tida atualmente?”.


Referências

DOULAS DO BRASIL. O que é “Doula”. Disponível em: <https://www.doulas.com.br/oque.php>. Acesso em: 18 ago. 2018. 
LATOUR, Bruno. Questionamento de verdades universais põe em xeque o saber tradicional: A guerra das ciências. Folha de São Paulo. São Paulo, nov. 1998. Tradução de: José Marcos Macedo. 
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs15119803.htm>. Acesso em: 18 ago. 2018. 
NUNES, J.A. Um discurso sobre as ciências 16 anos depois. In: SOUSA SANTOS. B. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. São Paulo: Cortez, 2004, p. 59-62. 
SOUSA SANTOS, B. Introdução In: SOUSA SANTOS. B. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. São Paulo: Cortez, 2004, p. 17-27. 

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