“O Neopositivismo do Círculo de Viena, o Neo-racionalismo de Popper e o Estruturo-funcionalismo de Parsons” (Parte 3)

Pequeno ensaio produzido pela aluna de Doutorado Patricia Rodrigues da Rosa.

Os textos desta aula tratam de diferentes temas que, no entanto, possuem ligações entre si. Abordam o Neopositivismo do Círculo de Viena (DORTIER, 2000), influenciado pela obra de Wittgenstein (1961) e toda sua objetividade com relação aos “fatos”, o Neo-racionalismo de Popper (1979), que também é influenciado pelo Círculo de Viena/Neopositivismo (bem como o critica), assim como exerce influência no Estruturo-funcionalismo de Parsons (1967). Pode-se dizer que o denominador comum entre os diferentes autores é a objetividade com a qual tratam os fatos/as coisas e fazem ciência.

Conforme Dortier (2000), o Círculo de Viena em sua “concepção científica do mundo” acredita que somente a ciência baseada na demonstração rigorosa e na observação dos fatos pode fazer avançar o conhecimento. Rejeita a metafísica e acredita que o conhecimento científico ocorre a partir de proposições lógicas e matemáticas (não ligadas à experiência) e de proposições empíricas, baseadas em fatos, que devem submeter-se a critérios de verificação para serem consideradas verdades.

Neste ponto é possível identificar a influência do pensamento da corrente positivista, constante nos textos de Comte (1979), Durkheim (2007) e Padovani e Castagnola (1990), estudados na disciplina de Epistemologia. Para Comte (1976), o método “positivo” ou científico, uma “evolução” com relação ao estágio metafísico, requer o estado de observação empírica, muito semelhante àquele concebido para as ciências naturais. Os fenômenos sociais podem e devem ser percebidos como os fenômenos naturais, obedecendo a certas leis gerais, embora não reduzindo-se ao materialismo. Há, portanto, a crença em certa invariabilidade dessas leis e na previsão racional dos fenômenos. Comte (1979) prevê a necessidade de observação e de imaginação na ciência, porém com a necessidade de confrontar a subjetividade com a objetividade, sendo esta última característica a desejada. O “espírito” positivo e do bom senso é real, útil, certo, preciso e positivo (como contrário ao negativo, levando a filosofia moderna não a destruir, mas a “organizar”).

Além das características do pensamento de Comte (1979), foi possível identificar nos textos várias menções ao estudo dos “fatos”, de forma objetiva. Isso remete também a Durkheim (2007), que desenvolveu o método para estudo dos fenômenos sociais/da vida social dentro da ótica positivista e suas leis gerais, trabalhando com o conceito de “fato social”. Nas suas palavras, o seu principal objetivo é “estender à conduta humana o racionalismo científico, mostrando que, considerada no passado, ela é redutível a relações de causa e efeito que uma operação não menos racional pode transformar a seguir em regras de ação para o futuro” (DURKHEIM, 2007, p. XIII-XIV). Segundo o autor, os fatos sociais devem ser tratados como “coisas”, observando que a coisa se opõe à ideia assim como o que se conhece a partir de fora se opõe ao que se conhece a partir de dentro. É coisa todo objeto do conhecimento que não é naturalmente penetrável à inteligência, tudo aquilo de que não podemos fazer uma noção adequada por um simples procedimento de análise mental, tudo o que o espírito não pode chegar a compreender a menos que saia de si mesmo, por meio de observações e experimentações, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e aos mais profundos (...) Com efeito, pode-se dizer, neste sentido, que todo objeto de ciência é uma coisa, com exceção talvez dos objetos matemáticos... (DURKHEIM, 2007, p. XVII-XVIII)

O Círculo de Viena teve influência do positivismo e também da obra específica de Wittgenstein (1961), outro texto analisado aqui, considerado neopositivista. O livro “tractatus lógico-philosoficus”, foi publicado em 1921 e escrito no formato de uma série de premissas lógicas, em frases curtas que exprimem “a verdade dos fatos”, na ideia do autor, como uma espécie de receituário. Wittgenstein (1961) procura esclarecer as condições lógicas que o pensamento e a linguagem devem atender para representar o mundo – e o mundo é reduzido a um conjunto de fatos, cujo sentido está fora dele. Essas proposições que o autor destaca são consideradas descrições ou imagens da “realidade”. Assim, segundo o autor, “a filosofia deve tomar os pensamentos que, por assim dizer, são vagos e obscuros e torná-los claros e bem delimitados” (WITTGENSTEIN, 1961, p. 77). Dessa forma, as proposições que se apoiam em fatos têm sentido e são passíveis de verificação; as metafísicas ou éticas não podem aspirar uma realidade, pois nada dizem sobre o mundo real (DORTIER, 2000). A função da filosofia passa a ser a de verificar a validade das proposições de linguagem.

Em Wittgenstein (1961) é possível observar a lógica positivista levada ao extremo. O método da observação racional e objetiva dos fatos leva o autor a isolá-los, codificá-los, descrevê-los, como uma espécie de fórmulas. Crê que suas afirmações sobre esses fatos (verdadeiras ou falsas) representam o mundo, o real, o que é, afastando qualquer possibilidade de subjetividade. O conhecimento científico será obtido basicamente a partir do método empírico.

Popper (1979) recebe influência dos neopositivistas, mas diferencia-se deles e também os critica. O autor defende a necessidade de “provas objetivas” em termos de ciência, porém acredita que devemos refutar ou validar provisoriamente as hipóteses, nunca considerar as provas como definitivas. Aborda o caráter provisório da teoria científica, e que novas experiências/observações devem buscar falseá-las, no sentido de testar sua força/poder de explicação e confiança que se pode ter em tal resultado. 

Em certo trecho do livro o autor declara-se contrário aos neopositivistas quanto à perspectiva indutiva de método, defendendo o “dedutivismo”. Segundo o autor, “não existe uma coisa como um método lógico de ter novas ideias, nem uma reconstrução lógica desse processo (...) Toda descoberta contém ‘um elemento irracional’...” (POPPER, 1979, p. 7) e cita Einstein e sua experiência de dedução de leis universais da física a partir da intuição. 

O autor critica o tratamento dos neopositivistas às demarcações metafísicas. Declara que sua intenção não é a derrocada da metafísica, mas a de “formular uma caracterização apropriada da ciência empírica ou de definir os conceitos de ‘ciência empírica’ e ‘metafísica’ de tal maneira que sejamos capazes de dizer de um sistema dado de enunciados se é ou não o propósito da ciência empírica o estudo mais detalhado desse sistema” (POPPER, 1979, p. 12). Os procedimentos para o seu “teste dedutivo das teorias” consistem em: 1º) comparação lógica das conclusões entre si, testando a consistência interna do problema; 2º) investigação da forma lógica da teoria (se empírica ou científica, ou ainda uma tautologia); 3º) comparação com outras teorias, para poder determinar se consiste em avanço científico; 4) aplicações empíricas das conclusões que se podem deduzir.

O texto de Parsons (1967) começa a encaminhar-nos para os estudos futuros de epistemologia na ciência da administração, pode-se dizer, visto que insere o conceito de organização e delimita aspectos de sua estrutura, mobilização de recursos e do seu modo operante. O termo “organização”, aqui, segundo o autor, refere-se ao amplo tipo de coletividade que exerce importância nas modernas sociedades industriais e que pode ser traduzida em “burocracia”, tendo-se como exemplos as autarquias públicas, as empresas comerciais, as universidades e os hospitais. 

Parsons (1967) declara que o estudo das organizações constitui parte do estudo da estrutura social, nos termos adotados pelos sociólogos, sendo que a prioridade da atenção dessas organizações para a consecução de uma meta específica é considerada a característica que a distingue de outros tipos de sistemas sociais. Ao longo do artigo o autor descreve os elementos básicos de uma organização e do seu funcionamento, conforme bem conhecemos na área de administração, destacando aspectos como a distribuição e amplitude de poder e de alocação de recursos conforme os níveis ou funções organizacionais (sua estrutura). Dessa forma, nesse texto estamos tratando de ciência social com um objeto de estudo específico – a organização. 
O autor é conhecido pelos seus trabalhos em termos de funcionalismo estrutural, que não chega a ser abordado explicitamente no artigo lido, porém no texto é possível identificar as relações que o autor estabelece em termos de combinação de atividade humana e estrutura, ao abordar as organizações. Em comparação com os demais autores lidos, fica claro que a organização estudada na perspectiva de unidade social/objeto de estudo por Parsons (1967) nos leva a relacioná-lo principalmente com Durkheim (2007), que ocupou-se de estudar os fatos sociais de forma objetiva, como coisas observáveis, e sobre as quais é possível fazer inferências e projeções. Outro aspecto importante do pensamento de Durkheim (2007) que é possível identificar em Parsons (1967) é na relação entre fato social e instituições. 

O texto de Parsons (1967) traz uma abordagem bastante familiar àquilo que lemos, escrevemos, ensinamos e adotamos na administração. De certa forma, delimitamos a organização com alguns contornos que julgamos necessários para melhor descrevê-la, o que neste momento de leitura pareceu-me bastante “quadradinho”, mas fácil de compreender. Dessa forma, apesar de antigo o texto pareceu-me muito ilustrativo daquilo que tratamos por organização em administração, o que me faz pensar que ainda possuímos uma forte influência estruturo-funcionalista nesta ciência. Da mesma forma, cada vez que releio Durkheim (2007) e demais autores positivistas, percebo o quanto minha formação (e possivelmente, visão) em administração é influenciada por essa corrente de pensamento – parece-me mais fácil, rápido e objetivo adotar essa lente em alguns momentos. O que mais impressionou-me na leitura para esta aula, contudo, foi perceber o método de Popper (1979) tão próximo daquilo que temos estudado/revisado em Métodos Quantitativos: a “hipótese nula” dos nossos softwares estatísticos passaram a fazer mais sentido a partir de então.


Referências

COMTE, A. Discurso sobre o espírito positivo. Porto Alegre: Globo; São Paulo: USP, 1976. 
DORTIER, J-F. Le cercle de Vienne et le nouvel sprit scientifique. In: Sciences Humaines, hors-série, septembre, 2000. (Tradução livre.) 
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. O criticismo kantiano e o positivismo In: PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
PARSONS, T. Sugestões para um tratado sociológico da teoria das organizações In: ETZIONI, A. Organizações complexas. São Paulo: Atlas, 1967. 
POPPER, K. A lógica da investigação científica. In: POPPER, K. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
WITTGENSTEIN, L. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: USP, 1961. 

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