Limites da cooperação científica.

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Doutorado Fernando Zatt Schardosin

     O conhecimento é entendido como ato de perceber ou compreender por meio da razão ou da experiência, entendimento no qual o ato de perceber se dá através do notório, por intuição ou perspicácia, e no qual, o ato de compreender se dá pelo uso do intelecto, cuja capacidade permite o entendimento. Em decorrência da amplitude do conceito, apresenta-se o conhecimento com inúmeras formas, dentre as quais, o entendimento da aquisição por meio da razão, por meio da experiência, por meio do amor ou então pela dor, pelas letras ou pela observação.
O conhecimento pode ainda ser produzido e disseminado de dois modos, formal e informal, as organizações são uma das maneiras de conduzir ao conhecimento formal, que podem ser universidades, institutos, empresas, revelando que não existe uma única fonte, mas várias, a fonte do conhecimento possui proteção, dada pelos direitos de propriedade, o que impossibilita, por exemplo, que uma frase dita por mim, seja propagada por outros, sem a devida citação da fonte. Os direitos assegurados possibilitam exclusividade de uso ao seu detentor e ainda, de modo frequente, de não uso para os demais (MERTON, 2013).
    Se esta relação for ampliada para os objetos desenvolvidos a partir do conhecimento, passa a representar um caráter econômico, pois os ganhos auferidos foram proporcionados por meio da tecnologia de outrem, desenvolvida através do conhecimento daquele, não bastando uma referência há quem desenvolveu primeiro, passa a ser necessária a contraprestação financeira. Existe, portanto, um conhecimento de base, que promove a ciência e proporciona entendimento a todos os demais, incluso a ciência universitária, mas não somente ela, também a linguagem, cultura, moral. Existe, ainda, o conhecimento aplicado, que emprega o conhecimento de base de uma forma apropriada a algo novo, que será detido como propriedade de quem idealizou esta aplicação, monetizando-o.

     Bloor (2009) corrobora com o entendimento de ciência de base ao tratar do conhecimento científico como gerado a partir de teorias, pelo qual, o avanço científico só pode ser alcançado mediante a partilha e o compartilhamento do conhecimento, quanto maior o nível de “tráfego” de conhecimento, maior é o avanço proporcionado. O objetivo deste paper é apresentar as vantagens da cooperação cientifica analisando os limites do avanço tecnológico dado pelos direitos de propriedade, com referência aos trabalhos de Merton, Bloor e Bourdieu.
      Os cientistas têm sido movidos pela paixão pelo conhecimento, curiosidade, altruísmo, benesses para a humanidade e outros motivos especiais (MERTON, 2013), ao contrário, para Bourdieu (2013) os interesses remetem ao prestígio, reconhecimento e celebridade, voltados para aquisição de autoridade científica, formando capital específico. Esta autoridade pode ser acumulada, transmitida, porém, a acumulação é desigual, cuja apropriação do produto do trabalho científico depende do conjunto de meios disponíveis de produção científica (BOURDIEU, 2013).
Alguns trabalhos têm concentrado esforços a fim de desvendar as potencialidades da cooperação científica, dentre os mais recentes, podemos citar (BENTO et al., 2014), (CAPOBIANGO et al., 2011) e (CARVALHO et al., 2014), cujos focos se concentram nas redes de cooperação entre pesquisadores no país, enquanto os trabalhos de (FARIA e DA COSTA, 2006) e (MOURA e PINHEIRO, 2009) se concentraram na cooperação científica internacional.
A comunidade científica está reunida em grupos de pesquisadores que possuem afinidades em relação ao objeto de seus estudos, com ou sem proximidade física, se encontram, debatem, pesquisam e escrevem, cujos resultados são apresentados a toda a comunidade cientifica por meio de publicações, para Merton (2013) a omissão de descobertas científicas é um fato condenável, pois justamente esta é uma das maneiras de promover a colaboração entre as gerações, tanto atuais, como passadas, a fim de ampliar as fronteiras do conhecimento e o reconhecimento ao trabalho desenvolvido. Bernal (1939) citado por Merton (2013) afirmava que a ciência moderna somente cresceu a partir do rejeição do segredo.
A colaboração entre cientistas e a publicação não se restringem somente a cooperação para a construção da ciência, mas também a verificabilidade do que está sendo proposto ao escrutínio de outros cientistas que desenvolvem pesquisas no campo, podendo afirmar a assertividade do autor em razão dos pontos de criticidade aceitáveis para determinados tipos de trabalhos (MERTON, 2013), em uma espécie de controle social.
Um elemento importante se coloca nesta égide, pois o cientista não se encontra frente-a-frente com seu interlocutor (MERTON, 2013), representando uma dificuldade a mais no repasse de informações para transformação do conhecimento, cuja única ferramenta é a linguagem comunicativa expressa no trabalho publicado. Para o pesquisador ter a certeza que estava no caminho correto precisará aguardar as críticas, feitas do mesmo modo e pelas mesmas ferramentas, de que se utilizou. Para Bourdieu (2013) isto é especialmente interessante a medida que o interlocutor sendo pertencente a comunidade científica é também “concorrente”, sendo além de juiz, parte interessada.
Esta concorrência entre os cientistas conduz ao produtivismo acadêmico exagerado, no qual existem precipitações de cientistas em colocar determinados trabalhos em apreço, em decorrência da possibilidade de serem ultrapassados por outro membro da mesma comunidade (BOURDIEU, 2013), recomendando cautela em relação aos resultados apresentados, pois podem estar apresentados parcialmente.
Contudo, as descobertas apresentadas pela ciência são produto resultante da colaboração entre pesquisadores para a comunidade (MERTON, 2013), por outro lado, a ciência é um território em disputa, “mais ou menos desigual”, pois os agentes não possuem o mesmo nível de capital específico, cuja capacidade de apropriação do produto do trabalho é diferente entre os pesquisadores, em detrimento dos “concorrentes” que colocam em ação o conjunto de meios disponíveis para a produção da ciência (BOURDIEU, 2013). Existem evidências de que os conteúdos das teorias científicas estão conectadas ao desenvolvimento econômico, técnico e industrial, assim como existem evidências de conhecimentos não-científicos influenciando o conhecimento científico (BLOOR, 2009)
Não foram apresentados indícios de individualismos na produção da ciência neste paper, pelo contrário, ficou evidente que a ciência é uma área colaborativa, por outro lado, esta colaboração ocorre em uma relação dicotômica cooperação – competição, difícil, portanto responder qual promove o melhor resultado, pois, embora a primeira seja mais saudável, a segunda estimula a produção pelo medo, de ser ultrapassado, da perda de prestígio. Necessário se faz, reestabelecer os princípios que regem a ciência, reexaminando os seus fundamentos para reestabelecer os seus objetivos (MERTON, 2013), como a ciência precisa estar em constante evolução, e deve ser realizada coletivamente, a promoção da cooperação ganha espaço para exercer este papel.
Os direitos de propriedade são importantes para a preservação dos direitos de autoria, preservando quem idealizou, por outro lado, pode coibir a atividade colaborativa entre pesquisadores, em razão da falta de confiança nos pares, aliado a competição, pode sentir-se impossibilidade de compartilhar ideias, independente da organização, seja universidade ou indústria, porque este pode ser utilizado por outrem, fornecendo-lhe maior prestígio. Um exemplo, diz respeito aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, que tem sido apropriados pela indústria para geração de produtos e consequente patentes corporativas destes conhecimentos, mobilizando a comunidade internacional para salvaguardar juridicamente os direitos destas populações do uso e preservação dos conhecimentos tradicionais (PRONER, 2009).

Referências

BENTO, F. M. S.; BENTO, F. M. S.; BENTO, F. M. S. Search 4.0: Scientific information search and discovery new dynamics and ways of colaboration amongst researchers. Perspectivas em Ciência da Informacao, v. 19, n. 2, p. 4-14,  2014.  
BLOOR, D. Conhecimento e imaginário social.  São Paulo: Editora Unesp, 2009.
BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Ed.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d’Água, 2013. 
CAPOBIANGO, R. P.  et al. Scientific cooperation network analysis through the coauthors studies of the published articles in Anpad events about the assessment of the public policies. Revista de Administracao Publica, v. 45, n. 6, p. 1869-1890,  2011. 
CARVALHO, M. S.; TRAVASSOS, C.; COELI, C. M. Collaborative scientific research networks. Cadernos de Saúde Publica, v. 30, n. 2, p. 226,  2014.  
FARIA, L.; DA COSTA, M. C. International scientific cooperation: Styles of action adopted by the Rockefeller and Ford Fundations. Dados, v. 49, n. 1, p. 159-191,  2006.  
MERTON, R. K. A ciência e a estrutura social democrática. In: MERTON, R. K. (Ed.). Ensaios de sociologia da ciência. São Paulo: Editora 34, 2013.
MOURA, M. A.; PINHEIRO, M. M. K. Ciencia of the Informacao and cooperacao cientffica internacional: Dialogs Franca-Brasil. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 14, n. SUPPL., p. 1-4,  2009.  
PRONER, C. Direito de patentes e conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. 2009.  Disponível em: < http://conceptos.sociales.unam.mx/conceptos_final/464trabajo.pdf?PHPSESSID=f07ebddbcc347c2f451074e166a9ee85 >.

Nenhum comentário:

Postar um comentário