Inteligência artificial amparado pela ciência complexa proposta por Edgar Morin

 Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Mestrado Acadêmico Bruno Castro

     Jean Louis Le Moigne, falando sobre as ideias de Edgar Morin em entrevista recente (Junges, 2012), lançou as bases para que se fizessem profundas reflexões sobre como os pressupostos de Morin se aplicam ao debate crescente que se verifica na sociedade contemporânea a respeito da inteligência artificial. Com base nos apontamentos registrados em tal entrevista, o presente ensaio pretende identificar e reforçar os vínculos existentes entre o tópico da inteligência artificial e a complexidade sobre a qual Morin discorre em sua obra (Morin, 2003).
     Cumpre, primeiramente, situar a complexidade no contexto das ciências da regulação, que incluem a informática, a inteligência artificial, a matemática, entre outras. No âmbito dessas especializações do saber, Morin assumiu a relevante tarefa de promover os respectivos objetos de estudo à categoria de sistemas. Aos poucos, o autor progrediu em busca desse intento, na medida em que foi obtendo reconhecimento para que o conceito de sistema pudesse migrar de algo fechado, até tornar-se um tópico mais abrangente, a ponto de ser considerado “raiz da complexidade” (Junges, 2012). Somente com a promoção da engenharia ao status de ciência fundamental, processo em que Morin foi decisivamente influente, é que o subcampo da inteligência artificial ganhou a legitimidade necessária para alçar os voos que, a olhos vistos, tem realizado diuturnamente.
Inteligência Artificial
     Não que se trate de um conjunto de conhecimentos novos; pelo contrário, desde a década de 1960 já se concebia a chamada simulação funcional, que com o passar do tempo ganhou a alcunha de inteligência artificial tal como a conhecemos hoje. O que talvez se possa identificar como um viés pós-Morin a respeito da área é a legitimidade acadêmica verificada pelo percurso mencionado anteriormente, mas acima de tudo a possibilidade recente de se adotar uma perspectiva transhumanista para lidar com os desafios que as tecnologias a ela associadas impõem aos homens e mulheres de nosso tempo. Há, inclusive, a necessidade de um debate ético-epistêmico a respeito, pois com a inteligência artificial a produção do saber recebe aportes constantes de conteúdo gerado programaticamente, a tal ponto que, mantido o ritmo atual, em poucos anos não se conseguirá mais fazer distinção entre o conhecimento calcado em relatos humanos e aquele oriundo de geração espontânea de dados por algoritmos.
     A própria concepção humana, no sentido mais literal possível, passa por uma verdadeira revolução, com a possibilidade ampla de experimentos in vitro que artificializam a geração de novas vidas humanas e, em processo análogo ao que se acaba de descrever, levanta o risco de que não se possa mais saber quem é gente e quem é robô – claro, isso só se pode desculpar a uma hipérbole sem muita precisão científica, mas as evidências caminham, para o bem ou para o mal, nesta exata direção, e todos os recentes experimentos com androides antropomórficos, clonagem e outras iniciativas congêneres validam tal premissa.
     Se, por um lado, um campo tão supostamente pernicioso ao futuro da humanidade tem suas bases apoiadas no trabalho de Morin, por outro, encontramos no mesmo autor um antídoto para – perdão por mais uma hipérbole – destilar um antídoto contra a dominação das máquinas inteligentes sobre os humanos.
O pensamento complexo.
     E que antídoto seria esse? Nada menos que o pensamento complexo, que Morin tão bem definiu como um modo aberto de se pensar, que prioriza interligar conceitos. Somente recorrendo a esta ferramenta é que se pode conceber, sem arroubos apocalípticos, uma convivência entre os artefatos engendrados pela inteligência artificial, de um lado, e os reles mortais, do outro. Afinal,  se é fato que a inteligência artificial tem alavancado sistemas de vigilância que geram justificadas preocupações quanto a privacidade e segurança, convém lembrar que desta mesma fonte derivam facilidades sem as quais se teria muita dificuldade de viver no mundo moderno, como o buscador Google ou os aplicativos que viabilizam novas formas de transportes, provêm acesso móvel a mapas digitais, facilitam criação de relacionamentos etc.
     Esse tipo de elaboração que se acaba de fazer requer, além do pensamento complexo, o recurso a uma miríade de diferentes campos de saber para a construção de conclusões sensatas. Ou seja, o que se está utilizando é a interdisciplinaridade, outro tema muito caro a Morin – parece, portanto, que sua contribuição ao debate é bastante relevante e abre oportunidade para que se estenda indefinidamente esta discussão iniciada aqui.

Referências
JUNGES, Márcia. Um apelo ao eterno perguntar. IHU: Revista do Instituto Humanitas Unisinos, n. 402, pp.11-16, 2012.
LE MOIGNE, J-L. O construtivismo em construção In: Le constructivisme: modeliser pour comprendre. Paris: L’Harmattan, 2003 (tradução livre por Carolina Andion).
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa, Instituto Piaget, 2003.

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