Empreendedorismo nas Escolas: o que se pretende ensinar e o papel da extensão universitária no desenvolvimento de um pensamento complexo sobre o tema

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Doutorado Eduardo Janicsek Jara.

     Atualmente está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei 772/2015, que pretende incluir o tema do empreendedorismo no currículo da educação básica (BRASIL, 2015). No contexto local, em Florianópolis, o Projeto de Lei Municipal nº 17.023/2017 em tramitação na Câmara de Vereadores, de autoria do Vereador Miltinho (DEM), dispõe sobre a inclusão de conteúdo sobre empreendedorismo nas disciplinas dos currículos das escolas municipais. As universidades, em suas ações de extensão universitária, podem contribuir para a discussão do tema, aprofundando os debates e compreensões sobre o assunto.
     A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, lei nº 9394/96, foi alterada pela lei 13.174/2015, que incluiu o inciso VIII no artigo 43, ampliando as finalidades do Ensino Superior, destacando como um dos objetivos a serem alcançados:

  VIII - atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação
básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de
 pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que
aproximem  os dois níveis escolares (BRASIL, 1996). 

     Neste incremento de objetivos a serem alcançados, explicita-se o dever de contribuir para o desenvolvimento da Educação Básica, a partir de atividades de extensão. Neste contexto, o Programa

de Extensão Universitária Esag Kids, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), vem desenvolvendo atividades relacionadas ao tema empreendedorismo, simultaneamente com questões de inovação, educação fiscal, desenvolvimento sustentável, planejamento, educação financeira, dentre tantos outros aspectos. As ações Esag Kids buscam evidenciar alternativas distintas de uma abordagem tradicional baseada na fixação de conceitos e teorias. Poderíamos até falar de um tipo de revolução no método de ensino e aprendizagem, pois uma revolução é “uma espécie de mudança envolvendo um certo tipo de reconstrução dos compromissos do grupo. Mas não necessita ser uma grande mudança, nem precisa parecer revolucionária” (KUHN, 1987, p.225), pois é a partir de pequenas transformações que poderemos alterar um cenário já estabelecido.
   Faz-se importante compreender, dentre o amplo espectro que circunscreve o tema empreendedorismo, quais dimensões poderiam ser melhor trabalhadas com crianças do Ensino Fundamental e, por outro lado, melhor compreender o que versam as leis no que diz respeito aos objetivos esperados e conteúdos relacionados. Poderemos encontrar diferentes vertentes de investigação em relação ao tema empreendedorismo nas escolas, pois somos dotados de “capacidade de identificar esses diversos pontos de vista em relação aos quais podemos representar e interpretar os fenômenos que encontramos na ação” (LE MOIGNE, 1983, p.121). Evidencia-se, portanto, que há diferentes escolas nas ciências que abordam o mesmo objeto de investigação sob pontos de vista incompatíveis (KUHN, 1987), o que fica nítido quando o tema é Ensino de Empreendedorismo nas escolas.
      As características peculiares de uma infância líquida, em conflito com abordagens que visam estritamente o mundo do trabalho, podem inviabilizar tentativas de fomentar o caráter de realização, proatividade, resiliência e criatividade, relacionadas diretamente com uma atitude empreendedora. As ações do Programa de Extensão Universitária ESAG Kids da UDESC busca evidenciar formas de abordar o tema empreendedorismo nas escolas, relacionando-o com conceitos já referenciados na literatura. Outrossim, respeita-se o caráter lúdico, essencial para tratar do tema com o publico infantil, desenvolvendo competências para a formação de um cidadão crítico, criativo, com culto ao conhecimento e capacidade de realização, compreendendo que o objeto do conhecimento é a fenomenologia e não a realidade ontológica em si.
Crianças na capacitação doo programa ESAG Kids
     Percebe-se entre os estudiosos e entusiastas do tema empreendedorismo nas escolas um paradigma emergente. Ao compreendermos um paradigma como “aquilo que os membros de uma comunidade partilham, e inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (KUHN, 1987, p.219), podemos afirmar que pesquisadores que refletem sobre possíveis abordagens entram em conflito quando o assunto é a forma de trabalho, ou até mesmo a compreensão de alguns de que este tema deva ser abolido da pauta nas escolas. Empreendedorismo não é apenas um conjunto de técnicas que fará com que o indivíduo comercialize ideias e ingresse de maneira mais fácil no mercado de trabalho. Tampouco é o acúmulo de saberes teorizados que destinam-se exclusivamente à abertura de novos negócios comerciais. Compreender o empreendedorismo como um amontoado de conceitos poderia encaixar-se em uma espécie de patologia da razão, “que encerra o real num sistema de ideias coerente, mas parcial e unilateral e que não sabe que uma parte do real é irracionalizável” (MORIN, 2003, p.15), pois “a ciência é muito mais ‘fugidia’ e ‘irracional’ do que sua imagem metodológica” (FEYRABEND, 1977, p.278). Devemos encarar o tema Ensino de Empreendedorismo nas escolas de acordo com uma abordagem distinta, exercitando a inteligência da complexidade sem primeiro a reduzir ao respeito das únicas prescrições metodológicas imperativas de um pensamento cartesiano, com o intuito maior de entender a aventura humana pela aventura do conhecimento (LE MOIGNE, 1983). Neste contexto tão desafiador que são as discussões sobre currículo, o desenvolvimento da ciência em relação ao Ensino de Empreendedorismo nas escolas “não se efetuará por acumulação dos conhecimentos, mas por transformação dos princípios que organizam o conhecimento” (MORIN, 1982, p.218).
      Compreender que o tema Ensino de Empreendedorismo pode estar associado ao paradigma da complexidade, pois “se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza” (MORIN, 2003, p.3) não deve ser encarado como fator de estagnação nas discussões e forma de agir, pois “a incerteza perturba muitos espíritos, mas exalta outros: incita-nos a pensar aventurosamente e a controlar o nosso pensamento” (MORIN, 1982, p.78). Assim como é possível perceber em muitas ações Esag Kids através de ações de extensão com apoio de acadêmicos voluntários imbuídos do mesmo espírito solidário. O tema empreendedorismo deve ser encarado como uma matriz disciplinar, contemplando além de aspectos relacionados ao mundo do trabalho, também questões que envolvam criatividade, liderança, resiliência, proatividade, educação fiscal, capacidade de realização, inovação, dentre tantas outras possibilidades. Não se trata de uma disputa entre o capitalismo voraz em sua vertente neoliberal e o idealismo que desconsidera questões mercadológicas. Há sim este paradigma estabelecido quando falamos de Ensino de Empreendedorismo nas escolas e “somente aqueles que retiram encorajamento da constatação de que seu campo de estudo (ou escola) possui paradigma estão aptos a perceber que algo importante é sacrificado nessa mudança” (KUHN, 1987, p.223).
      O Programa de Extensão Universitária Esag Kids vem realizando em suas oficinas com crianças possibilidades de relacionar sujeitos e objeto de estudo ao tratar o tema Empreendedorismo no Ensino Fundamental. Não estamos propondo uma epistemologia anárquica, mesmo constatando que algumas evidências “clamam por uma nova terminologia que não mais separe o que se acha tão intimamente ligado, seja no desenvolvimento do indivíduo, seja no da ciência”. (FEYRABEND, 1977, p.26). Tratar do tema Ensino de Empreendedorismo quando o público alvo são crianças do Ensino Fundamental remete á reflexões maiores acerca da formação dos futuros cidadãos e dos valores que pretendemos transmitir a eles. A Extensão Universitária tem papel muito importante neste tema, pois da Academia se espera muito, uma vez que esta ainda é o maior centro de referência para o desenvolvimento da Ciência. As ações Esag Kids se propõem a fortalecer e ampliar a discussão sobre o tema, apontando caminhos possíveis para a aventura do conhecimento, acreditando sobremaneira que “no fim das contas tudo é solidário. Se você tem o senso da complexidade, você tem o senso da solidariedade. Além disso, você tem o senso do caráter multidimensional de toda realidade” (MORIN, 2003, p.68)

Referências:

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96. Brasília, 1996, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>.Acessado em 15 de Maio de 2018.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 772, de 8 de dezembro de 2015. Disponível em: ˂https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/124353˃. Acesso em 15 de Maio 2018.
KHUN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. 
FEYRABEND, P. Contra o Método. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.
LE MOIGNE, J-L. O construtivismo em construção In: Le constructivisme: modeliser  pour comprendre. Paris: L´Harmattan, 2003 (tradução livre por Carolina Andion). 
MORIN, E.  Introdução ao pensamento complexo.  Lisboa, Instituto Piaget, 2003. 
MORIN, E. Ciência com Consciência. Lisboa: Europa América, 1982.

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