Neo-Positivismo, Neo-Racionalismo E Estruturo-Funcionalismo - parte 2

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Mestrado Acadêmico Rafael Tachini de Melo

    O presente paper buscará relacionar os conceitos trazidos por Karl. R. Popper para a ruptura do pensamento neo-positivista do Círculo de Viena, indicando as limitações e contradições que a abordagem do grupo austríaco causa no pensamento científico. Por outro lado, se apresentará a visão de Popper do caráter incompleto e a mutabilidade constante que as teorias científicas carregam ao longo do tempo, e sua relação com a abordagem fenomenológica e a visão de Bruno Latour no livro “Jamais fomos modernos”.
   Os pensadores do Círculo de Viena definiram que as proposições lógicas científicas podem ser verificadas por testes empíricos ou por demonstrações (no caso de abstrações matemáticas, por exemplo), sendo que apenas estas questões teriam sentido e diriam respeito à realidade. O que não passasse por este método era metafísica, divagações sem sentido, falsos problemas, irrealidades. Fazendo o caminho inverso, o apontamento de enunciados particulares, pelo princípio da indução, levaria a enunciados universais. 
     Wittgenstein, que mantinha relações frequentes com os integrantes do Círculo e influenciou seu pensamento, desenvolveu no âmbito do positivismo lógico o critério da significação, em que toda teoria pode ser logicamente redutível a proposições atômicas (indução), imagens da realidade, este seria o critério de demarcação apropriado ao neo-positivismo.
      A grande crítica de Popper a este pensamento é criação de uma espécie de dogmatismo, criação de convenções e estagnação do pensamento científico, na medida em que a verificabilidade particular tornaria uma teoria acabada, inclusive para as próprias ciências naturais, o que afastaria, por exemplo, os questionamentos e pensamentos de Einstein sobre a física newtoniana, exaustivamente verificada. A indução acaba, portanto, levando a inconsistências no pensamento científico.
Neste ponto, Hans Reichenbach reconhecia parte desse problema, todavia, entendia que a visão neo-positivista ainda era mais adequada, pois a indução levava a graus contínuos de probabilidade entre o que é falso e o que é verdade, sem alcançar estas linhas, e seria o caminho mais adequado à busca da realidade científica.
    Há sérias reservas na verificação neo-positivista de uma teoria para as ciências sociais, pois ao apontá-la como verdade com base em testes empíricos, sem a possibilidade de refutá-las, contribui para a criação de dogmas e convenções histórico-sociais, que tem efeitos perversos em direcionamentos parciais da sociedade. Neste ponto, interessante ponderar que até conceitos dogmáticos metafísicos poderiam se emprestar da demarcação do neo-positivismo, se conseguissem uma experiência particular que confirmasse o dogma universal.
     Husserl, ao trabalhar as experiências atribuidoras de significado na fenomenologia, veladamente diz que a experiência controlada do método empírico não é completa de significado, dada a sua artificialidade e parcialidade. Popper corrobora com isso e vai além, dizendo que o método empírico transforma um enunciado particular em um enunciado universal, atribuindo-lhe verdade científica de forma parcial com suas verificações, sem contudo abrir espaço para a criticidade da teoria, para a sua refutabilidade e falseabilidade.
     Desta maneira propõe que a ciência busque não trazer provas definitivas para uma teoria, mas constantemente tentar falsear ou refutar, sempre colocando-a em xeque. A falseabilidade tornaria a teoria cada vez mais forte na medida em que fosse sendo recrudescida, até o ponto em que quebra-la levaria a uma avanço teórico e da ciência, com o aperfeiçoamento ou construção de um novo pensamento científico. Popper destaca que um sentimento de convicção, ainda que que com base nas percepções e intensidades da experiência pessoal, nunca pode justificar um enunciado, é apenas uma hipótese psicológica. Um enunciado científico empírico deve ser objetivo, na medida em que possa ser testado intersubjetivamente (não apenas por mim), passíveis de refutabilidade por todos. Conclui que não existem enunciados últimos na ciência. Ele inclusive pondera:
            “(...) recuso-me a aceitar a concepção de que existem
 na ciência enunciados que devemos, resignadamente,
 aceitar como verdadeiros simplesmente
 porque não parece possível, por razões lógicas, testá-los.”

     Desta maneira, a ciência valida e refuta uma teoria constantemente, mas nunca traz provas definitivas. Seria criado um critério de demarcação frutífero, com testes ad infinitum, críticas, substituições, aprimoramentos, uma testabilidade e falseabilidade eterna. Seria esse o jogo sem fim da ciência. Portanto, regras metodológicas científicas como aquelas do positivismo não podem proteger do falseamento nenhum enunciado científico. 
     Em que pese haja uma indicação por Popper de que há uma linearidade na evolução do pensamento científico, a questão de constante recombinação e reinterpretação da sua demarcação científica se alinha ao pensamento de Latour, que define a ciência como uma espiral com expansão em todas as direções, podendo ser retomado, repetido, recombinado, reintepretado e refeitas as ações. Da mesma maneira, ressalvada a questão relativa a temporalidade novamente, a visão fenomenológica de que as experiências pretéritas podem ser repetidas, retomadas, recombinadas, reinterpretadas e refeitas, seguindo uma constante modificação, também reverbera no pensamento de Popper. São interpretações de seguidas falseabilidades e refutabilidades do estabelecido cientificamente.

Referências.
DORTIER, J-F. Le cercle de Vienne et le nouvel sprit scientifique. In: Sciences Humaines, hors-série, septembre, 2000 (tradução livre) (2p).
LATOUR, B. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.
PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. O criticismo Kantiano e O positivismo In: PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da Filosofia. São Paulo: Mehoramentos, 1990 (trechos escolhidos).
 POPPER, K. A lógica da investigação científica. In: Karl Popper. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 
SCHUTZ, A. Fenomenologia e Relações Sociais Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
SCHUTZ, A. Don Quixote e o Problema da Realidade In: LIMA, L. C. Teoria da literatura e suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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