Dialética e Dogmatismo: uma breve discussão.


Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Mestrado Acadêmico Ricardo Lonzetti.

     Ao contrário do que afirma Hegel, o pensamento científico não é baseado na dialética, apenas o desenvolvimento das teorias científicas pode, com certa medida, ser descrito em termos do método dialético, conforme nos lembra Popper (1949). Suas ideias, contudo, sob o impulso da própria ciência, divorciada, pois da filosofia, e cujo debate, aliás, foi promovido por seus críticos, influenciou destacadamente o campo das ciências sociais. Hegel foi um dos fundadores do método histórico – de uma escola de pensadores que acreditavam que a adequada descrição histórica do desenvolvimento é suficiente para o compreender – e sua filosofia continua a estimular controvérsias nas ciências sociais e humanas desde o século XIX. 
     Os outros grandes pensadores, entre eles Marx, Nietzsche e Freud, por exemplo, se apoiaram nas ideias de Hegel para expor em que medida a modernidade expressava-se pela transformação da razão em uma mera forma que o poder pode assumir (Brandom, 2013). O argumento desse pequeno ensaio é apresentar o entendimento dos argumentos de Hegel, assim, pode iluminar o debate sobre as racionalidades tanto difundidas nos estudos organizacionais de nosso tempo.  
     Mas voltemos à questão da epistemologia. Kant partiu do fato de que a ciência existe. Ele queria explicar esse fato, qual seja, ele queria responder à seguinte questão: como a ciência é possível, ou, em outras palavras, como é possível compreender o mundo. Seu argumento era tipicamente idealista. O conhecimento só poderia ter como objeto os fenômenos, isto é, só seria possível compreender os objetos "externos", as "coisas em si mesmas", na medida em que fossem submetidos a determinadas condições, sensíveis e intelectuais, em detrimento da compreensão das “coisas” tais como elas são em si mesmas (Reale, 1949). Contudo, poderíamos compreender o mundo, ou melhor, o mundo como ele se apresenta para nós, porquê o mundo não é muito diferente daquele que racionalizamos, embora o conhecimento fosse limitado às experiências possíveis. E isso devia-se ao processo que trilhamos para compreender o mundo, conforme propunha Kant, racionalmente digerindo o material que é apreendido, capturado por nossos sentidos.
     Hegel, por outro lado, considerou o conhecimento metafísico, em oposição ao dialético, como um sistema racional que não leva em conta a evolução, o movimento, o desenvolvimento, que, aliás, considera a realidade como algo estável, fixo e livre de contradições. Buscou, assim, diferenciar o conhecimento propriamente filosófico, que realmente o interessava, das outras formas de conhecimento. Para Hegel, o termo “razão” não denotava apenas o senso subjetivo de certa capacidade mental, mas também o senso objetivo, compreendendo toda espécie de teorias, reflexões e ideias. A filosofia, dessa forma, seria a expressão da razão e o desenvolvimento filosófico, por sua vez, o desenvolvimento da razão, de acordo com as leis fundamentais da lógica (Popper, 1940). Hegel buscou oferecer um modelo para o modo como os conteúdos dos conceitos de primeiro nível, baseados na observação da realidade por meio dos sentidos, se desenvolvem e são progressivamente determinados pela incorporação de contingências que são retrospectivamente racionalizadas.
     Já o processo a ser trilhado para a construção de conhecimento, conforme Hegel, seria o método dialético, pois onde quer que ocorresse movimento, onde quer que existisse vida, onde qualquer fato acarretasse determinado efeito no mundo real, o processo dialético estaria em curso. O movimento dialético, dessa forma, seria um constante devir (o ser é; o ser não é; o ser é devir), ou seja, tese, antítese e síntese, em um fluxo contínuo em que síntese se torna nova tese que exige sua própria antítese. Afirmava, ainda, que isso também é a alma de todo o conhecimento que é cientificamente verdadeiro. Popper nos lembra, contudo, que dificilmente encontraremos um desenvolvimento contínuo, lento e estável, em contínuos degraus de desenvolvimento (Popper, 1940).
     Schopenhauer, contemporâneo de Hegel, o acusou de ter recuperado, na contramão crítica de Kant, a ideia de uma razão capaz de compreender as coisas em sua totalidade e, assim, compreender todas as coisas. Lembremos que, para Kant, o conhecimento era limitado pelas possibilidades sensíveis, de forma que a razão pura, além de tais possibilidades, não seria justificada. Mas Hegel supera o obstáculo proposto por Kant à razão pura, afirmando que as contradições deveriam necessariamente ocorrer para o desenvolvimento do pensamento e da razão. Elas, as contradições, demonstrariam a insuficiência de determinada teoria que, de acordo com a filosofia da identidade, não levaria em conta o fato de que o conhecimento e a razão não são fixos e constantes, mas se apresentam em constante desenvolvimento – e que vivemos em um mundo em evolução.
     A refutação ao racionalismo proposta por Kant buscou evitar contradições. Hegel afirma, no entanto, que o método dialético conforme proposto por ele se mostra preparado para lidar com elas, estabelecendo um sistema dogmático de pensamento que possui nenhum receio de ser contestado – o que o tornaria, dessa forma, imune a qualquer sorte de crítica, afirma Popper. E lembra que o desenvolvimento da dialética poderia ser um alerta contra a filosofia especulativa. Conclui que o maior perigo em confundir dialética e lógica é o suporte que isso oferece à argumentação dogmática. Isso deveria nos lembrar que a filosofia não pode ser feita com base em algum sistema científico (Popper, 1940).

Referências
BRANDOM, R. B. Para a reconciliação de dois heróis: Habermas e Hegel. Novos estudos - CEBRAP  no.95 São Paulo Mar. 2013.
POPPER, K. R. What is Dialetic? Mind, New Series, Vol. 49, No. 196. (Out.,1940), pp. 403-426.
REALE, M. A doutrina de Kant no Brasil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 34 p., 1949.

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