Breves reflexões epistemológicas

 Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Larice Steffen Peters.

Ao realizar a leitura de A lógica da investigação científica de Popper (1979) inúmeras reflexões sobre a evolução da ciência e, consequentemente, da epistemologia vieram à toa – diga-se de passagem que isso ocorre em todas as leituras recomendadas da disciplina de epistemologia, mas quanto mais vamos conhecendo diferentes epistemes maior é o fio e o pano para a construção de reflexões.

Em todas as leituras, é preciso compreender que estamos falando de demarcação científica. Logo, compreender o que é a ciência e como ela se origina é buscar compreender como o ser humano age e interpreta o funcionamento do mundo em um determinado contexto (Demo, 1985), o que em outras palavras pode ser dito da seguinte forma: a ciência é produzida no tempo, em diferentes contextos e portanto sua demarcação muda (Demo, 1985).

Feita essa breve introdução, que tem sido o ponto de partida para todas asreflexões que faço sobre a ciência, gostaria de destacar sobre o quanto ao buscar a demarcação científica alguns grandes pensadores visam promover a instauratio magna – usando as palavras de Bacon (1979) -, uma grande restauração para dizer o que aceitam ou não como ciência.

Fonte: https://cienciasecognicao.org/redeneuro/tag/pesquisa-qualitativa/


Se considerarmos o que Popper defende como ciência, na qual o que é válido como ciência se ancora no método hipotético-dedutivo e na falseabilidade (1979), pergunto de que forma esse pensamento é capaz de contribuir para a compreensão de fenômenos que nascem de forma indutiva ao passo que o próprio autor caracteriza que o “princípio da indução é supérfluo e que leva necessariamente a inconsistências lógicas” (p. 5). 

Além de reflexões sobre a possibilidade de construir ciência com base no método indutivo, podemos nos perguntar qual seria o espaço para as dialéticas de Hegel e Marx: de que forma olharíamos para a tese, antítese e síntese para compreender os fenômenos sociais? Como a ontologia do devir é possível dentro dessa visão que defende uma nova racionalidade? (Foulquié, 1978; Marx, 2011).

Qual local ocupa a fenomenologia? Como podemos aplicar o epoché e ter tomadas de consciência intencionais se o que ela preconiza é uma crítica ao método indutivo e ao método dedutivo (Husserl, 2008).

Essas reflexões, me levam também a analisar as diferentes epistemes com a história dos métodos qualitativos: uma história marcada por distanciamento do sujeito para garantir maior neutralidade científica, marcada por tentativas de incorporação de visões das ciências ditas “duras”, positivismo, racionalidade, para – finalmente – compreender que sua abordagem para a compreensão de fenômenos sociais possui características únicas e que tem o poder de influenciar e ser influenciada pelos próprios fenômenos que estuda (Dezin; Lincoln 2006). 

Seguindo as reflexões relacionadas aos métodos qualitativos, frente às visões de Popper (1979), como poderemos usar métodos indutivos – como a análise temática, por exemplo (Braun; Clarke, 2006) – para compreender os fenômenos sociais e a partir daquilo que eles, particularmente, nos transmitem criar e estabelecer nossas categorias e dimensões de análises? Qual o espaço para a grounded-theory dentro dessa perspeciva (Bandeira-de-Mello; Cunha, 2006)?

Por fim, as reflexões aqui apresentadas estão longe de esgotarem as inquietações que estudar a evolução da ciência acarretam quando correlacionadas com os estudos de fenômenos sociais. Cabe, por parte do pesquisador, saber que a demarcação científica é temporal e que a construção do conhecimento é algo que está em devir e nos leva a construção de conhecimentos provisórios que jamais estão definitivamente acabados (Japiassu, 1991).

Referências:

BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. (trechos escolhidos).

BANDEIRA-DE-MELLO, R.; CUNHA, C. J. C. de A. Grounded Theory. In: Christiane Kleinubing Godoi; Rodrigo Bandeira-de-Mello; Anielson Barbosa da Silva. (Org.). Pesquisa Qualitativa em Organizações: Paradigmas, Estratégias e Métodos. Pesquisa Qualitativa em Organizações: Paradigmas, Estratégias e Métodos. 1ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2006, v. 1, p. 241-266.

BRAUN, V. CLARKE, V. Using thematic analysis in psychology.Qualitative Research in Psychology, 3 (2). p. 77-101. 2006.Disponível em: http://www.informaworld.com/smpp/content~db=all~content=a795127197~frm=titlelin k.

DEMO, P. Demarcação científica. In: DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1985.

DEZIN, N. K. ; LINCOLN, Y. S. A disciplina e a prática da pesquisa qualitativaIn: DEZIN, Norman K. ; LINCOLN, Yvonna S. (Orgs). In: O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, p.15-41. 

FOULQUIÉ, P. A dialética. Lisboa: Europa-América, 1978, p 42-66.

HUSSERL, E, A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 2008. Trechos selecionados.

JAPIASSU, H. Alguns instrumentos conceituais. O que é a epistemologia? In: Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991, p. 15-39. 

MARX, K. Introdução. In: MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857- 1858; esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. 

POPPER, K. A lógica da investigação científica. In: Karl Popper. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 

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