Breves considerações sobre a importância e paradoxos do Marxismo

 Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico Dhiogo Cidral de Lima.

“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas formas; o que importa é modificá-lo.” – Karl Marx

Dentre os fenômenos e estudos modernos que envolvem a percepção do homem para com o mundo, recorrentemente temos o questionamento acerca de como o reflexo do comportamento humano de fato atua como agente modificador da realidade. Não só porque o homem se constrói dentro de valores e propriedades pessoais, mas destas auto insinuações, acaba por se relacionar com o que vai além daquilo que entende por si; e daí, ao se relacionar e edificar o complexo tecido social, acaba por de fato inferir no mundo a marca de sua existência, não só como animal, mas também, como agente de mudança.

A germinação dessa postura do homem traz diversos pensares sobre o posicionamento do homem e sua influência, sendo fundamento da filosofia social que floresceu no século XIX e que teve seu auge no século XX. Citamos aqui um expoente, Karl Marx (1818-1883) filósofo, sociólogo e jornalista alemão. Ele é considerado um dos mais influentes pensadores da sociologia, tendo atuado profundamente no desenvolvimento dessa disciplina cuja produção intelectual ainda hoje é debatida, criticada e até mesmo, aplicada, ainda que modificada. Sua relevância se mostra coerente quando se demonstra que suas teorizações serviram de base para muitos movimentos políticos e sociais ao longo da história. Com ele, juntamente com Friedrich Engels, nasceu no século XIX nasce o “marxismo”, que é uma teoria social, econômica e política baseada na ideia de que a história é determinada por forças econômicas, e que a luta de classes é o motor da mudança social.

Para longe de afastar ou minimizar a importância do pensamento marxista, busca-se refletir através dos paradoxos apresentados, sobre a construção de uma dialética entre prática e os resultados apresentados de tudo aquilo que pode ser derivado das teorizações da filosofia em questão. Até mesmo porque Karl Marx tomou suas conclusões como frutos não apenas de seus estudos teóricos, mas da observação atenta da realidade tal como se apresentava em sua época.

Tal percepção é importante pois demonstra como a relação do homem e as relações de classe são fundamentais para a construção material do pensamento teórico. Este ponto inclusive desperta para a relevância da crítica marxista, pois ao abordarem a concepção de mundo segundo a qual os filósofos haviam se movido até então, os autores constatam que os pressupostos segundo os quais esses filósofos se baseavam era no âmbito do pensamento puro, descolado de qualquer relação com a condição material de vida dos indivíduos. Marx e Engels superam a herança idealista da tradição hegeliana e começam a construção de uma concepção filosófica do mundo a partir de premissas materialistas da história. A própria teoria deixa de ser o movimento da razão pura, para ser o concreto pensado, a reprodução do movimento real pela via do pensamento. 

Imagem criada pelo autor (2023)

Adiante, se por um lado, o processo de transformação econômica reflexo da Revolução Industrial proporcionou uma multiplicação até então desconhecida de forças produtivas e uma acumulação de capital acelerada, com a produção de mercadorias em escala industrial, por outro, a miséria social passava a se alastrar por todo o continente europeu gerando a revolta social da classe que de fato produziria os bens e serviços, a que foi chamada proletariado. É inclusive tais conflitos que nutrem o pensamento fundamental da filosofia marxista, na ideia de que a história é determinada por forças econômicas, onde a sociedade é dividida em classes sociais, e que a luta entre essas classes é o motor da mudança social, com o dito proletariado em um flanco e noutro, a ‘burguesia’ como classe dominante, que controla os meios de produção. É deste pensamento base que se introduz a reflexão marxista, que passa a taxar como tal sistema de injusto, exploratório e desigual. 

É dessa análise crítica do capitalismo, que mostrou as contradições e desigualdades inerentes ao sistema econômico vigente, que desponta o desenvolvimento do movimento socialista e comunista, que como bem demonstra a história moderna, foram movimentos de ampla discussão e fomentadores de revoluções reais do pensamento que culminaram na exibição política. É esse mesmo contexto que traz a surpresa para a ideia de que, depois de séculos de pensamento e após uma firme posição prática, movimentos populares se demonstraram exitosos não somente para a deposição de certas vontades, mas também, para criação de um sistema oriundo das próprias classes menos privilegiadas.

No entanto, o marxismo é objeto de críticas e paradoxos, com algumas argumentações que afirmam que as ideias são inconsistentes e contraditórias. Ainda que não se descarte, como já dito, como uma teoria válida para construção de um pensar prático, divago que ele carrega consigo imposições que paradoxalmente retiram o poder do pensamento humano que o construiu. Isso destoa num viés excessivamente determinista em sua visão da história, sugerindo que as mudanças sociais e econômicas são inevitáveis e previsíveis. Isso pode desconsiderar a complexidade da história e da ação humana. Outro ponto é o determinismo econômico, da argumentação de que a mesma história é determinada por forças econômicas, o que leva a críticas de que sua teoria não deixa espaço para a ação individual. Isto também, aliado a outros pontos da teoria marxista, como a crítica à democracia, denotam pela via do autoritarismo, alimento recorrente de regimes ditatoriais.

É do pensamento acima que se apresentam paradoxos, como o da natureza do Estado. Marx argumenta que o Estado é um instrumento de dominação da classe dominante, e que, portanto, deve ser abolido na sociedade comunista. O comunismo, o estágio final do marxismo, é uma sociedade sem classes, sem Estado e sem propriedade privada. No entanto, ele também reconhece que o Estado é necessário para garantir a transição do capitalismo ao comunismo. Como resultado, o marxismo parece prever uma sociedade sem Estado, mas que, ao mesmo tempo, exige um Estado forte para implementá-lo. 

Outro paradoxo é o da natureza da democracia, como já foi mencionado. Marx argumenta que a democracia é uma forma de dominação da classe dominante, e que, portanto, deve ser substituída por uma forma de democracia direta, na qual os trabalhadores controlem os meios de produção. No entanto, ele também reconhece que a democracia é um importante passo na direção do comunismo. Como resultado, o marxismo parece prever uma sociedade sem classes, mas que, ao mesmo tempo, exige uma forma de democracia que, em última análise, será abolida.

Um terceiro paradoxo é o da natureza da propriedade privada. Marx argumenta que a propriedade privada é a base da exploração do trabalhador, e que, portanto, deve ser abolida na sociedade comunista. No entanto, ele também reconhece que a propriedade privada é um importante incentivo para o desenvolvimento econômico. Como resultado, o marxismo parece prever uma sociedade sem classes, mas que, ao mesmo tempo, exige uma forma de propriedade privada que, em última análise, será também abolida. 

Passando ao final deste pequeno ensaio, reforçamos a complexidade não só da teorização marxista, mas também sua aplicabilidade e reflexos notórios na construção da sociedade e das relações de poder, principalmente no mundo ocidental. Nota-se que o marxismo é uma tradição de pensamento diversificada, e diferentes correntes derivadas deste pensamento podem responder de maneira diferente a essas críticas. Utopia ou não, o debate em torno do marxismo continua a ser uma parte importante do pensamento político e social contemporâneo.

Referências: 

COSTA, N. B. DA. Contribuições do marxismo para uma teoria crítica da linguagem. DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 16, n. 1, p. 27–54, 2000.

MANDELLI, B. Contribuições marxistas para teoria da história: a relação entre estrutura e história. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 9, n. 2, p. 61- 67, ago. 2017.

MARX, K. Introdução. In: MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858; esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. 

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