Os limites da razão e a aproximação primeira do sujeito e do objeto

Pequeno ensaio produzido pela aluna de doutorado Amanda Maciel Carneiro.

Emanuel Kant é conhecido como o centro da filosofia contemporânea, e sua obra principal é a “crítica da razão pura”, sobre a qual debruçamo-nos neste estudo. Antes dele, as teorias predominantes de empirismo e racionalismo, com base em Bacon e Descartes, viam a razão como o caminho para alcançar a realidade, dada e objetiva, com efetiva separação entre sujeito e objeto. Kant aparece para discutir os limites da razão, desde aquilo que ela consegue ou não captar e o porquê de sua limitação, conquistando seu lugar no centro do grande X da filosofia (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990). Questiona Kant, também, a ruptura entre sujeito e objeto, os quais tenta aproximar, instaurando uma tradição com o criticismo – “uma investigação preliminar a qualquer outra sobre a possibilidade da razão” e uma “crítica radical da metafísica” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990, p. 376).

A base do pensamento de Kant se constrói em cima do que ele chama de juízos analíticos e sintéticos, a priori ou a posteriori. Enquanto os analíticos são tautológicos, contendo em si o seu conceito e nada acrescentando de novo, os sintéticos unem predicados que não participavam do mesmo conceito; enquanto os juízos a priori independem da experiência humana, os juízos a posteriori são empíricos e dela derivam (KANT, 2015). Com esses conceitos, Kant exclui do conhecimento científico os sintéticos a posteriori, por serem contingentes e particulares (advindos da experiência particular), e os analíticos, por serem tautológicos (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1990). A ciência, em Kant, é feita de juízos sintéticos e grande parte dos seus estudos se debruça para a compreensão da possibilidade de juízos sintéticos a priori.

No que diz respeito à metafísica, esta, para Kant, ao discutir questões essenciais sobre Deus, alma, usando princípios gerais para alcançar entes sem conteúdo sensível, é inviável. Isso se dá frente à percepção de Kant de que a realidade, para ser conhecida, depende de um conteúdo sensível, sem o qual é “forma vazia” (KANT, 2015). Nesse sentido, somente alcança o conhecimento aquilo que pode ser registrado na experiência; sobre as outras coisas, não há nada que possa ser dito de forma taxativa pela razão, o que não significa que elas não existem (KANT, 2015).

Propõe Kant, ainda, que com a crítica da razão pura se altere o procedimento adotado pela ciência para o conhecer, tendo os objetos regulados pelo modo de representação, e não pelas coisas como elas são, e o reconhecimento do objeto segundo dois significados: no mundo fenomênico e no noumênico (KANT, 2015).

Parte fundamental do pensamento kantiano, assim, é a apropriação da realidade dos objetos frente à experiência do sujeito. Reconhece a existência do mundo das coisas como parecem: o mundo dos fenômenos, dependente do sujeito; e o mundo das coisas como são, noumênico, que não se relaciona com os olhares particulares. O conhecimento, em Kant, deriva da experiência, em conjunto com a sensibilidade e o entendimento (KANT, 2015).

Fonte: Disney (2017)
Ler Kant dá sentido a muitos dos conceitos que permeiam a vida moderna e que, talvez até agora, desconhecíamos a origem. Ao ler sua obra e evidenciar seu ponto de vista de que a causalidade está na mente, no sujeito, lembramo-nos de fatos cotidianos sobre as diversas interpretações dadas por sujeitos acerca dos mesmos assuntos e eventos, de como elaboram e como enxergam esses fenômenos. Ao ler sobre a tendência à imposição humana de ordem às coisas, remetemo-nos às afirmações de Freud da inclinação humana de lembrar e relatar sonhos a partir de uma perspectiva de causalidade e coerência (nunca dizemos que estávamos lá e aqui; estávamos lá, depois, aqui) (FREUD, 2001). Ao ler sobre a captação e apropriação do mundo natural pelos sentidos, vem-nos à mente Giannetti da Fonseca, com seus conhecidos e desconhecidos, e a impossibilidade de viver a experiência como o outro vive e de mover-se de si (FONSECA, 1997). Ao ler sobre experiência, sensibilidade e entendimento, volta-nos à obra (em sua versão Disney, mais romântica e suave do que o clássico original) de “A Bela e a Fera” – a beleza está nos olhos de quem vê (RUDNICK, 2017).

Mais do que isso, talvez, ler Kant é o início do esclarecimento do ponto de inflexão entre a anterior separação sujeito-objeto e os movimentos intersubjetivos e aproximatórios, e das discussões acerca dos alcances da ciência e do conhecimento, bem como da (in)capacidade humana de se distanciar de si próprio a ponto de enxergar o mundo “como ele é”. Aparece o pano de fundo no qual se desnudarão, aos poucos, as variadas lentes da ciência.


Referências:

DISNEY. [Imagem do filme a bela e a fera] In: VIANNA, Katiúscia. A bela e a fera supera marca de US$ 1 bilhão. Adorocinema, 13/04/2017. Disponível em: <http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-130173/>. Acesso em: 27/09/2019.
FONSECA, E. G. da. Auto-engano. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Edição comemorativa de 100 anos. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
KANT, I. Crítica da razão pura. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. 
PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. O criticismo kantiano In: PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990. 
RUDNICK, E. A bela e a fera.  Disney Consumer Products. São Paulo: Universo dos Livros, 2017.

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