Do Conhecimento a Moralidade.

Pequeno ensaio produzido pelo aluna de Mestrado Acadêmico Mariana Carneiro Fraga

A existência humana foi e continua sendo, ao logo da história, um dos maiores mistérios do universo. A partir deste anseio, surgem hipóteses concernentes à suas realidades temporais e espaciais que são construídas paralelamente à construção do conhecimento sobre o sujeito e sobre o objeto. Um dos fatores que tornam o assunto complexo é a ligação entre a origem e a causa da existência e a sua influência na construção dos valores e princípios adotados enquanto sujeitos, passíveis de consciência e de intuição. 
As discussões tomam caminhos distintos, e a partir da modernidade há uma modificação na forma de conceber o conhecimento até então antagônica marcada pelo empirismo oriundo de Bacon e o racionalismo de Descartes. 
Um dos maiores influenciadores desta mudança foi Immanuel Kant, fundador do Criticismo, e o responsável por reunir estas duas vertentes, predecessoras, em um fenomenismo absoluto. Kant questiona a natureza do conhecimento humano e a possibilidade da existência de uma razão pura, independente da experiência (KANT, 1781). O criticismo de Kant foi responsável por uma das mais importastes rupturas teóricas de todos os tempos: a revolução do pensar e a capacidade de interpretar o conhecimento. 

Kant vai à contramão tanto do racionalismo absoluto quanto do empirismo, construindo sua teoria crítica com base na afirmação de que o conhecimento não é inato, e que o conhecimento vem integralmente dos sentidos (PADOVANI & CASTAGNOLA, 1990). Ao mesmo tempo em que o autor contraria Descartes e seus sucessores, também o faz com o empirismo, afirmando que, apesar do conhecimento não ser inato, os sentidos nada são sem a interpretação dos dados, o que só é possível através da razão humana. 
A partir destas afirmações, é possível supor que para o autor, o sujeito e sua racionalidade tem um papel central na construção do conhecimento, a partir da interpretação dos objetos.Assim como Copérnico tira a terra do centro do universo, Kant tira o objetivo do cetro e coloca o sujeito. Se até então o sujeito se orientava pelo objeto, agora o objeto é que é determinado e orientado pelo sujeito.
As investigações de Kant vão caracterizá-lo, segundo Padovani e Castagnola (1990), um problematicista, o qual concebe a filosofia como uma investigação perpétua da ciência do mundo e do homem, a partir do imanentismo, naturalismo e humanismo, porém dentro dos limites da experiência.  
Em meio às críticas e inquietações características de seu percurso filosófico, Kant propõe boa parte de suas investigações a tentar entender a relação do conhecimento a partir da metafisica (KANT, 1781), e com isso acaba entrando no campo prático da moral. Para Kant, ideias universais embora não inatas passam pela cultura, ou seja, a realidade em determinado tempo e espaço.As necessidades práticas de viver em sociedade é que criam o senso de moralidade e determinam a ação, a priori, ou seja, antes da experiência.
Para Kant, a metafisica – a qual de certa forma introduz a teoria do conhecimento - só é possível ser explicada a partir de uma Critica da Razão Prática (1788).  A partir da analise sobre a metafísica, Kant concebe ao campo prático também os conceitos do valor e da moralidade, a qual é dada sinteticamente, a priori a partir de um imperativo categórico, isto é, incondicionado e absoluto. Diferentemente de outros imperativos práticos, que são condicionados a partir de uma relação de troca, o imperativo categórico tem por fim somente o seu valor moral e racional, onde o objetivo da ação é o próprio cumprimento do dever, levando em conta os pressupostos éticos individuais (PADOVANI & CASTAGNOLA, 1990).
Seguindo a linha de contraposição crítica do próprio Kant, que muitas vezes soa contraditória (FRANCA, 1955 apud PADOVANI & CASTAGNOLA, 1990), e propondo abarcar outro ponto de vista, Nietzsche, um filósofo que esmiúça o tema da moralidade, traz algumas contribuições – por vezes polêmicas - para o debate.  Guardadas as devidas realidades históricas, Nietzsche rompe com vários paradigmas com relação aos valores morais. Primeiramente o autor defini duas vertentes da moral, uma aristocráticas, onde a moral é definida enquanto seus desejos e a religiosa, onde a moral é suprimida e se fundamenta a partir da abnegação dos desejos. Para Nietzsche a moral está fortemente ligada ao anseio pelo poder, e se fundamenta a partir das definições dos certos e os errados.
Ao contrario de Kant, o qual parte da metafísica para entender a origem do conhecimento, Nietzsche (2015) trabalha a metafísica se negando a interpretá-la, e buscando o entendimento sobre a existência a partir da realidade, sem com isso buscar, necessariamente, o porquê da existência. Nietsche parte do pressuposto de que não existe nenhum motivo transcendente, nenhum Deus que veio revelar ao homem princípios de como agir. Sua critica se opõe tanto a ética cosmológica dos gregos quanto a ética teologia dos medievais e também a ética racionalista dos modernos.
Uma possível razão de seu ceticismo pode contextualizar-se pelo contexto histórico de sua época. O século XIX se caracterizou fortemente por uma ideia de “morte de Deus”, isto é, tudo que antes vigorava e sustentava a humanidade cai, deixando um vazio e uma crise a partir do esvaziamento de crenças e valores e uma suposta “desorientação” humana. 
A partir da compreensão deste esvaziamento que até então construía a moral dominante, emerge uma ruptura paradigmática, onde a liberdade torna-se o princípio base da existência(NIETZSCHE, 2015). Com isto, Nietzsche concebe a ideia de uma espécie de “super-homem”, um sujeito análogo, questionador da ausência e do vazio moral, que inicia um processo de transvaloração dos princípios morais, criando sua própria essência e buscando um sentido para sua própria existência. A partir desta afirmação, o autor cria a ideia de um suposto equilíbrio entre os desejos e os deveres, onde os desejos e os instintos não devem nem ser deixados de lado nem serem supervalorizados.
Neste sentido, o autor concebe uma dupla origem, para o nosso juízo de valor,distinta:1) o bom e o ruim; 2) o bom e o mau (NIETZSCHE, 2015). Discute a origem da moralidade a partir do antagonismo de duas classes diferentes: os aristocráticos e os religiosos. Se até então, Kant afirma que os imperativos da moralidade são incondicionados e sistematizados a priori, para Nietzsche os imperativos estão profundamente ligados aos conceitos de valor: fraco e forte; nobreza e pobreza. Sua conexão com a moralidade a partir destes valores tem um contexto histórico e de linguagem, muito profundo, atrelada também a um desejo de poder. 
O ponto de vista da moral religiosa, Nietzche (2015), afirma que apesar de ressentida, esconde um desejo de poder tão grande quanto a moral aristocrática. Ressentida, por que segundo o autor a moral religiosa parte do porto de que tudo que é divergente do seu Eu, é mau. E inclusive declara que existem duas maneiras do por que a moral ressentida prevalece sobre a moral aristocrática. Primeiro, pelo fato de constatar, através da história, que os pensamentos socráticos e plantonistas partem de uma negação dos sentidos, definindo-os como enganosos, a partir da exaltação do mundo das ideias e do ideal ao invés do real.Isto suscita um afastamento do mundano, do carnal e dos elementos do mundo terreno.  Sua segunda constatação histórica, admiti que a moral religiosa, também denominada como ressentida, nos tempos de Roma era muito potente e favorável às classes dominadas. Com a popularidade da moral ressentida instaura inclusive o cristianismo e com ele a perpetuação da moralidade com base de um divino legislador e culpabilizador. 


Para Kant (1788), a ética e a moral se alinham de forma que as convenções e os consensos sociais sejam praticados de forma individual, ou seja, agir de forma que qualquer um em seu lugar pudesse agir da mesma forma, e com isso não impactar negativamente ninguém. Parte do principio de que, se apenas a ética individual fosse levada em conta, o mundo poderia se transformar num caos, e por isso a importância de agir em beneficio do bem comum, independente do tempo e espaço. Apesar de pontos bastante divergentes, os autores concordavam em esvaziar suas teorias de um suposto legislador divino sobre a moral, concebendo a razão humana como autônoma, mesmo em sua universalidade e pureza, ou sua individualidade e linguagem histórica. O espírito humano não só legisla o mundo dos fenômenos mediante a sua sistematização das experiências como também legisla o mundo absoluto, criando seus supremos valores morais. 


Referencias
FIGUEIREDO, Vinicius de. Kant e a critica da razão pura. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
KANT, I.Crítica da Razão Pura. Ebook, Editora Acrópolis, 1871.
KANT, I. Crítica da Razão Prática. São Paulo: Editora S.A., 1959.
PADOVANI, U; CASTAGNOLA, L. Historia da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
DECARTES, R. Discurso Sobre o Método. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015

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