As contribuições do Empirismo e do Racionalismo numa reflexão sobre a infância e Aprendizagem

Pequeno ensaio produzido pelo aluna de Mestrado Acadêmico Mariana Carneiro Fraga

Outro dia estava a observar o movimento de uma criança que, ao contrapor sua mãe, insistia em fazer movimentos aleatórios com um brinquedo em sua mão. Hora batia na mesa, hora jogava no chão, até mesmo levando-o boca, completamente envolvida na sua experiência. Pude constatar, claramente, que ela observava de forma atenta todos os movimentos: barulhos, sensação, gosto, reações tanto do próprio objeto, como das pessoas que ali estavam. Durante algum tempo fiquei refletindo sobre o significado por trás daqueles gestos, que mesmo em lembranças, se apagaram completamente da recordação de minha infância.
O mundo na perspectiva de uma criança me parece de uma simplicidade extremamente complexa. Simples, enquanto terreno fértil de experimentações, despretensão de conceitos preestabelecidos, e ao mesmo tempo complexos, à medida que o processo de desenvolvimento racional está a todo vapor. Embora deslumbre essa potencialidade natural, me pergunto de que forma estamos participando – e contribuindo de fato – para que estas potencialidades venham à tona, a partir do acolhimento e ampliação destas experimentações.

Não é novidade que nossa educação se renova a passos lentos, e que sua metodologia obsoleta pouco contribui para o desenvolvimento comportamental proativo e mentalmente criativo.Ainda me parece distante pensar a aprendizagem de modo mais livre, experimentado, através dos sentidos e emoções infantis, e não de forma tão regrada pelos adultos. Neste sentido, a reflexão empirista de Bacon (1979), afirma que a natureza é um processo de experimentação constante, eque ela não é algo a ser conhecimento e sim experimentado, sendo a vivência nada mais do que as descobertas anteriores. Apesar disto, nossas salas de aula ainda estão mais preocupadas em impor regras e depositar conteúdo, do que facilitar um processo de experimentação. Isto ocorre,sobre tudo, a partir do Ensino Fundamental, onde a mecanização do sistema educacional vai se enrijecendo.


Estas práticas ocorrem desde muito cedo, inclusive antes mesmo da escola, na relação com familiares onde muitas vezes, há uma constante reprodução automaticamente autoritária e unilateral, impresso de forma visível em nossa cultura. Tal conduta contrapõe a própria via ao autor, já citado anteriormente, que reconhece a importância da metodologia como um processo natural, mais ao encontro dos sentidos, do que do labor da mente (BACON,1979). 
Paralelo a isto, do ponto de vista da racionalidade, Descartes (1979) declara ser quase impossível que nosso pensar seja tão puro e sólido, visto a influência – muitas vezes contraditória - do nosso meio sobre nossos pensamentos. Acrescenta ainda que esse acúmulo de conhecimento passivo, de certa forma, atrapalha o nosso mais puro senso racional, que poderíamos ter desenvolvido se fossemos guiados somente por ele. 
O processo de aprendizagem não é sustentado apenas pela experimentação, sem que haja, simultaneamente, um processo de reflexão e desenvolvimento racional. Koyré (1973), em seus estudos sobre a história do pensamento científico, sustenta através das reflexões de Grosseteste que: “’Há dois caminhos que nos levam ao conhecimento já existente ao (novo) conhecimento, a saber, do mais simples ao mais complexo, e inversamente’, isto é, dos princípios aos efeitos e dos efeitos aos princípios” (GROSSOTESTE apud KOYRÉ, 1973 p. 61). Para Koyré (1979), tão importante quanto experimentar,é mensurar a experiência a partir de um processo racional e reflexivo para o desenvolvimento fundamental da consciência. 
Historicamente, a educação e a escolarização da infância, vêm sendo pautadas por um modelo de perspectiva racional sobre o significado do corpo e seu movimentar, como condição para a evolução da razão intelectual. Esse pensamento racional (do ponto de vista da racionalidade), evidente no discurso pedagógico a partir do século XVIII, constituiu-se, nestes últimos séculos, a matriz teórica da educação escolar infantil (Garanhani e Moro, 2000).
Descartes inventou seu próprio método para analisar e experienciar os fundamentos, antes de rejeitar qualquer opinião, a fim de torna-los parte da razão. Meu método, o qual ficou conhecimento posteriormente como Método Cartesiano consiste em: 1) verificar as evidências reais acerca do fenômeno estudado, 2) dividir as dificuldades o tanto quanto necessário no intuito de simplificar a análise, 3) conduzir ordenadamente a resolução a partir do mais simples, 4) enumerar suas conclusões a fim de manter a ordem dos pensamentos. Este método se mostra contrário ao processo de aprendizagem ao qual somos na maior parte das vezes submetidos, onde o certo e o errado, o bom e o ruim e às demais verdade absolutista são ensinadas, muitas vezes sem espaço para o questionamento e verificações. 
Ora se somos sujeitos pensantes, e por isto nos definimos enquanto seres humanos, por que parte de nossa racionalidade nos é negada já no alvorecer das ideias?
A partir desta pergunta, trago novamente Descartes, no intuito de expor a sua teoria de que é possível, em um exercício da razão, desmantelar todas nossas crenças sobre o mundo que nos rodeia se nos guiarmos por uma dúvida reflexiva e persistente. Assim, o autor nos leva a uma única certeza: o ato de pensar. Afirmando que isso provaria a nossa existência.
Com todas essas considerações, quero apontar mais para os questionamentos, do que propriamente
para as soluções, visto que até mesmo elas serão relativas de acordo com o espaço-tempo no qual nos propomos a debater. Reconhecer o acumulo histórico é fundamental para a construção comprometida do conhecimento (Bacon,1979), assim como faz-se necessária a contraposição e a reflexão crítica (Descartes,1979), no intuito de caminharmos no sentido da expansão do desenvolvimento humano integral e consoante com a natureza, valorizando o coletivo, mas também as experiências e subjetividades individuais.
A "infância" não é algo que pertença a uma natureza humana dada de uma vez por todas. Na realidade estamos diante do paradoxo dialético natureza-cultura, onde nem só a experiência empírica e nem a dedução racional comtemplaria a aprendizagem. O conhecimento é o caminho de concepção da realidade que se complementa através dos aspectos teóricos, tanto quando dos aspectos experimentais (Koyré, 1973).


Referências

GARANHANI, G.M.; MORO, V.L.A escolarização do corpo infantil: uma compreensão do discurso pedagógico a partir do século XVIII. Educar, n. 16, p. 109-119. 2000. Editora da UFPR
CALVILA, W. Sobre um momento da constituição da ideia de infância: ponto de vista de um historiador.Estilos clin. vol.4 no.6, p.1-8. 1999. São Paulo
BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. (trechos escolhidos) 
DESCARTES, R. Discurso do Método. In: René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (trechos escolhidos) 
KOYRÉ, A. Estudos de História do Pensamento Científico. Rio de janeiro. Forense Universitária, 2011.

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