O Positivismo de Durkheim aplicado ao Espiritismo de Kardec

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Renata Biana da Silva 

Enganam-se os leitores desavisados ao acreditarem que as teorias filosófico-sociológicas desacreditam/negam umas às outras, uma vez que um olhar atento e perspicaz perceberá, sem maiores esforços, a sucessão lógico-moral que cada qual revela em sua essência, concluindo, sem dificuldades, que todas possuem pontos convergentes.

Não raras vezes, os pesquisadores se recusam a reconhecer a propriedade intelectual dos pares, e intentando conquistar seu lugar ao sol, negam conhecimentos importantes já tornados inteligíveis por seus antecessores.

Faz-se perceptível, ao longo do desenvolvimento da Humanidade, a influência da metafísica na vida visível; uma vez que ao inquirirmos à nossa própria consciência sobre o conceito de perfeito, de belo e de moral, compreendemos que tais designações dizem respeito, na maioria das vezes, a conceitos-sentimentos, não sendo eles resultado do convívio social, contudo inerentes ao ser espiritual que somos todos.

Sem maiores divagações, cumpre-nos ressaltar a importante contribuição da Sociologia Positivista na expansão da compreensão dos fatos sociais, enquanto, conforme muito bem pontuou Durkheim, contribuições individuais que em interação perpassam a quantia contributa de suas individualidades tomadas em conjunto.

Certamente que, com o passar dos anos, o homem médio compreendeu que a evolução advinha de uma lei natural universal, explicada pela causalidade dos fenômenos, demonstrando ao ser racional que não mais se faz suficiente a satisfação tão somente das necessidades fisiológicas, progresso esse que é também um convite à abertura dos olhos no que tange à investigação da vida que se prolonga para além da existência física, explicando a vontade imanente que todo ser racional possui, segundo preceitua Kant, de desenvolver todas as habilidades latentes rumando alcançar paragens de entendimento pleno.

Notem que em momento algum o Espiritismo – concebido como uma doutrina científica, religiosa e filosófica – afirmou possuir todas as respostas para as dúvidas incitadas por Descartes, entretanto se manteve coerente em relação às verdades que ousou descortinar.

O codificador Hippolyte Léon Denizard Rivail – Allan Kardec – não fez mais do que aplicar uma metodologia experimental, perfeitamente enquadrada no método positivista sugerido por Durkheim, uma vez que não partiu de qualquer conclusão lógica utilizando-se de teorias preconcebidas, no que concerne ao fenômeno “imortalidade da alma”, mas preocupou-se em tomar os fatos como novos, carecendo de explicação quando perscrutadas as leis conhecidas.

Kardec, enquanto discípulo de Pestalozzi e pioneiro na pesquisa científica de atividades paranormais iniciou sua empreitada com o intuito de comprovar o charlatanismo dos adeptos do movimento denominado “Mesas Girantes”, movimento este que pode ser definido como uma congregação de pessoas comuns, hoje denominadas médiuns pela doutrina espírita, que se reuniam em volta de uma mesa, bem como questionavam os desencarnados (quem não habita a carne) sobre questões relacionadas à vida futura, obtendo como resposta dos espíritos batidas das mesas, que se elevavam e tocavam o chão em quantidade correlata à letra correspondente do alfabeto, possibilitando a formação de palavras, e posteriormente de frases compreensíveis.

               Fonte: Jornal O Imortal (2022).

O movimento das mesas girantes, enquanto fato novo, não encontrava explicação nas leis vigentes, necessitando de observação, comparação, análise e, por meio da correlação dos efeitos com as causas, chegou à lei que regia o fenômeno, deduzindo-lhes as consequências, posteriormente, e ainda buscando aplicações pertinentes. O codificador tão somente concluiu pela existência dos espíritos quando ressaltou notória da observação dos fenômenos, não partindo de qualquer pressuposto tal como a existência e a intervenção dos espíritos, ou ainda a reencarnação, ou qualquer dos princípios da posterior doutrina.

Assim sendo, podemos afirmar que o Espiritismo é uma ciência de observação, posto que tido, pelos desinformados, como uma doutrina tão somente religiosa, obteve na codificação o resultado da experimentação. Até a efetiva codificação de Kardec a aplicação do método experimental a fenômenos metafísicos não era considerada possível.

Hodiernamente, a prática das mesas girantes encontra-se superada, uma vez que as comunicações mediúnicas ocorrem por meios menos onerosos, tais como telepatia, vidência, psicografia, inspiração, entre outros.

O mister do presente ensaio é uma invitação à comunidade acadêmica no sentido que sejam repensados os julgamentos que se têm sobre os célebres contribuintes do vasto conhecimento a que hoje temos acesso, porquanto ingressaram na materialidade para que vislumbrássemos o futuro que nos aguarda, sem que seja necessário tornarmo-nos replicadores dos dizeres já ditos, de modo que possamos deixar nossa contribuição para o mundo, no silêncio de nossas elucubrações íntimas, ou nas publicações científicas, tanto faz, desde que cientes da necessidade de concebermos o mundo para além do alcance do que nos é visível, ou até mesmo confortável.

Estaria, portanto, a ciência, apta a dialogar com as demais esferas da vida?

REFERÊNCIAS

DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

KARDEC, A. Qu’est-ce que le spiritisme (O que é o espiritismo). Tradução da Redação de Reformador em1884 – 56. ed.– Brasília: FEB, 2013.

  

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