Ativismo Científico nas Redes Sociais

Pequeno ensaio produzido pela acadêmica de doutorado Vanessa Regina Ostrowski

Em nossa sociedade moderna, com advento das mídias sociais, observa-se o surgimento de uma nova profissão: “influencer”; este profissional é um novo tipo de endossante, teoricamente independente, de comportamentos, atitudes. A existência dos influencers pode ser um grande problema para uma sociedade como a brasileira, pois inúmeros são aqueles que, munidos de ideologias, deturparam fatos, buscando adesão de um grande número de seguidores. Entretanto, esta pode ser uma oportunidade de a ciência aproximar-se da sociedade, pois a comunidade científica para além de discutir metodologias, epistemologias e ontologias precisa contribuir para o avanço da sociedade.

Por meio de plataformas de mídia social como Twitter, Instagram e Facebook os influencers ditam as preferências e os gostos de seus seguidores, sendo reconhecidos como líderes (FREBERG et al., 2011). Os influencers não possuem necessariamente uma formação na área ou áreas a respeito da qual opinam. Eles defendem seus pontos de vista e lidam com as expectativas de um público amplo e variado. Um público carente de ídolos que forneçam atalhos, respostas rápidas e informações instantâneas. Na defesa de ideologias, os influencers utilizam-se de informações incorretas, imprecisas, falaciosas e colocam uma capa de ciência objetiva para justificar seus posicionamentos.

Fonte: Horvath (2019)

A falta de conhecimento profundo nos temas, bem como a falta de reflexão a respeito das opiniões emitidas podem ser especialmente prejudiciais em sociedades pouco críticas como a brasileira. No Brasil, há um problema estrutural, qualidade da educação, apesar da narrativa de aumento dos investimentos no setor, os resultados do PISA (Programme for International Student Assessment) demonstram a estabilidade de resultados medíocres nas últimas duas décadas (ver: www.pisa.oecd.org) Os resultados demonstram o parco conhecimento dos conceitos de ciência e o letramento dos adolescentes brasileiros. Esta informação torna-se ainda mais preocupante quando nos atentamos que o teste é realizado com as escolas que tiveram o melhor desempenho no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).

Segundo relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de 2019 no Brasil, apenas 21% dos jovens entre 25 e 34 anos possuem ensino superior e entre pessoas de 24 a 64 anos, somente 0,84% concluíram o mestrado e 0,11% finalizaram o doutorado. Os baixos índices de educação formal demonstram a fragilidade do pensamento crítico da população em geral. Neste cenário, faz-se necessário que a comunidade científica também desenvolva seus influencers, ocupe espaço nas mídias sociais e dissemine a ciência de forma mais simples a sociedade, pois a linguagem acadêmica por vezes é inteligível ao não acadêmico.

Há em nossa sociedade grupos que fomentam a disseminação de conhecimento científico por meio de canais diversos, como documentários, revistas, reportagens com intuito de popularização da ciência. Esses canais buscam, por meio de linguagem comum, vídeos ilustrativos, por vezes divertidos, demonstrar conceitos científicos complexos ao público em geral. Estes influencers vêm ganhando espaço nas mídias sociais, canais como Nerdologia, Neurovox, Casa do Saber, Superleituras são canais de destaque nessa área. Quando a pessoa comum passa a compreender a ciência fica mais difícil ser captada por ideólogos. O fazer científico cada vez mais científico, mesmo que isso seja um ideal intangível (DEMO, 1985) deve ser buscado, assim como a divulgação ampla do conhecimento.

Fonte: Png Image (2020)

Desde a modernidade o conhecimento científico foi o tipo de conhecimento mais difundido na humanidade e propõe além de conhecer os problemas da humanidade resolvê-los, procura além de conhecer, transformar a realidade (SANTOS, 1988). A ciência não é soberana, pelo contrário ela se reconstrói e se reinventa constantemente, entretanto quando uma teoria é sancionada outras são caladas (DEMO, 2012). Esse movimento impulsiona o progresso da ciência e deveria ser puramente científico, contudo o conhecimento é uma fonte de saber e, como tal, está sujeito às relações interpessoais e subjetividades.

O saber é poder (BACON, 1973), esta frase já foi pronunciada por inúmeros pensadores e cientistas. Por isso, a comunidade científica tem como dever disseminar conhecimento e contestar ideologias que prejudiquem a sociedade como um todo. À medida que a ciência se desenvolve o homem percebe-se como possuidor da capacidade de dominar o mundo (KNELLER, 1980). Faz-se muito importante que esta percepção seja compartilhada pela sociedade como um todo não apenas por grupos isolados que podem manipular a sociedade em prol de suas causas. As mudanças na sociedade são acompanhadas pela ciência, os influencers são apenas mais uma mudança, uma adaptação pela qual iremos passar. Os influencers ideólogos são apenas mais um problema gerado pela própria ciência ao gerar soluções para a comunicação.

A ciência é histórica no sentido de que é um processo em constante evolução, à medida que novos conhecimentos são constituídos para solucionar problemas, novos problemas são gerados (KNELLER, 1980). Não haverá momento em que a ciência será superada, pois seu objeto de estudo é a realidade que está em constante mudança. A ciência tem como questão central explicar a realidade da melhor maneira possível, contudo esta explicação será sempre parcial e imperfeita (DEMO, 1985).

O avanço da ciência, as complexidades e incertezas da atualidade demandam um ativismo científico com intuito de divulgar a ciência em canais não tradicionais. A ciência além de formar cientistas deve formar influencers, comunicadores que possam traduzir a linguagem científica ao cidadão comum, que possa conquistar e apresentar os paradigmas científicos não como verdades absolutas, incontestáveis, mas como verdades que estão sendo construídas e reconstruídas com o passar do tempo (KNELLER, 1980).

Referências

BACON, F. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza (1620). Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, Livro XIII, 1973.
DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. Atlas, 1985.
DEMO, P. Ciência Rebelde: para continuar aprendendo, cumpre desestruturar-se. São Paulo: Atlas,2012.
FREBERG, K.; GRAHAM, K.; MCGAUGHEY, K.; FREBERG, L. A. Who are the social media influencers? A study of public perceptions of personality. Public Relations Review, 37 (1), 2011, 90–92.
HORVATH, V. [Digital Influencer: Como se tornar um Influenciador Digital e ganhar dinheiro produzindo conteúdo para Redes Sociais.], 2019. Disponível em: <http://agenciafirma.com.br/blog/digital-influencer-como-se-tornar-um/>. Acesso em: out. 2020.
KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. Zahar, 1980.
SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos Avançados, 2 (2), 1988, 46–71.
PNG IMAGE. [Imagem de uma lâmpada com diferentes elementos vinculados às redes sociais]. Disponível em: <https://pngimage.net/fikir-png-8/>. Acesso em: out. 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário