Entendendo a música a partir da Fenomenologia

Pequeno ensaio produzido pela aluna de Mestrado Ana Luize Correa 

Med (1996) afirma que música é a arte de combinar os sons simultânea e sucessivamente, com ordem, equilíbrio e proporção dentro do tempo. Apesar do conceito simples, a música é um a das expressões fundamentais da cultura humana e representa muito mais que os sons, podendo ser arte, sentimentos e as vivências que dela são adquiridas.
Schopenhauer considera a música a magma arte perfeita porque, de certa maneira, consegue traduzir
o verdadeiro espírito do homem. Seu caráter universalizante ultrapassa toda a individualidade existente e, dentre todas as artes, não será somente aquela que irá expressar as ideias ou o grau de objetivação da vontade, mas expressa a própria vontade e por isto é a arte mais profunda e universal.(SCHOPENHAUER; 2001).
Partindo para um conceito filosófico, a música é composta de uma série de formas sonoras que não têm outro conteúdo senão elas mesmas. Neste ponto, entrando no terreno da fenomenologia, pode-se dizer que a percepção musical é alimentada pela dinâmica do fato musical, tornando-se necessário “habitar” a música. (Carneiro; 2013)

Para melhor entender esse efeito de “habitar” a música e como ela causa efeitos distintos em cada pessoa, é importante entende-la como um fenômeno. Nachmanowicz (2007) reforça que, conforme os gregos antigos, fenômeno é tudo aquilo que aparece. Ou seja, o fenômeno é uma mera aparição, contraposta à uma realidade mais profunda, que o fenômeno por si não revela, ao mesmo tempo que tal realidade contém os dados verdadeiros.
Já a descrição fenomenológica consiste na demonstração da "estrutura específica do fenômeno", o qual, vedado ao nosso conhecimento como "coisa em si", como uma essência externa, remete obrigatoriamente à estrutura da consciência, formadora do fenômeno enquanto tal. Assim, o fenômeno é seu aparecimento na consciência, sendo impossível averiguar sua aparição fora dela. (Nachmanowicz; 2007)
Para entender o papel do fenômeno na Fenomenologia, a teoria de Husserl explicanoese(“o que vivencia”) e noema(“o que é vivenciado”). Nas duas formas de descrever: a noemática se ocupa do objeto intencional de um determinado pensamento, conforme aparece nele, por exemplo, uma certeza; já a noética, ocupa-se dos atos de cogitação, do próprio vivenciar (noese) e de suas modificações, como, por exemplo, a percepção, a retenção, a lembrança, e seus diferentes níveis de clareza e explicitação. (Schutz; 1979)
A música, desta forma, seria uma forma de noética e sua vivência (noese) reflete tanto em percepção, retenção e lembrança nos indivíduos que a vivenciam, de diferentes formas e intensidades, dependendo de cada um.
Foi exatamente por causa do tema “percepção” que a fenomenologia emergiu no contexto musical. As artes que têm como fundamento a percepçãosensívelsão portadoras de uma forma especial que escapa do mundo expressivo. Assim,a fenomenologia ganhou espaço no estudo da música mesmo não sendo uma filosofia da percepção, mas sim do fenômeno e da relação entre fenômeno e consciência.No entanto,por serdesta relação que surgiu o tema da captação intuitiva de um fenômenoenquanto um processo peculiar da consciência,que este tipo de análise ganhou espaço na arte. (Nachmanowicz; 2007)
O método descritivo de Husserl coloca em voga aconsciência de nossa própriapercepção, assim a descriçãofenomenológicapõe os indivíduos em contato analítico com suaspróprias vivencias. A descrição fenomenológica de uma orquestra tocando em um concerto seria uma meta-percepção deste concerto, aquilo que parecia uma percepção já dada do ato de escutar revela relações que não se conscientizaram durante a escuta, assim a descrição se torna um guia da própria percepção, e por negação, um guia de como não se percebe. As relações da apreciação musical constituem o significado da música para cada um, e este se define a partir da vivência/percepção destas relações.(Nachmanowicz; 2007)
Assim, a compreensão da música existe independente do seu acontecimento, isto é, da sua situação pragmática, onde igualmente se verifica um jogo de diferença e repetição que atualiza seu sentido sempre e emerge da situação e do modo que a música é experienciada e vivida. (Carneiro, 2013) E por isso, seu efeito é tão diverso em cada pessoa.




Referências:

CARNEIRO, Pedro. Por uma fenomenologia da percepção musical. Simpósio de Estética e Filosofia da Música. SEFIM/UFRGS. V. 1, n.1. Porto Alegre: 2013.
MED, Bohumil. Teoria da Música. 4. ed. Brasília: Musimed, 1996.
NACHMANOWICZ, Ricardo M. Fundamentos para uma análise musical Fenomenológica. Dissertação de mestrado. Escola de música da UFMG. Belo Horizonte: 2007.
SCHOPENHAUER,Arthur.Metafisica do Belo.Tradução Jair Barbosa.São Paulo:Editora Unesp,2001.
SCHUTZ, Alfred. Fundamentos da Fenomenologia. In: WAGNER, H. R. Fenomenologia e Relações Sociais. Textos Escolhidos e Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

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