O Utilitarismo, o Imperativo e a boa conduta

 Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Maria Alice Martins.

A elucidação de princípios norteadores da conduta humana, especialmente da boa conduta, a conduta reta, ética e virtuosa, é para além de um exercício interessante, também, necessário em qualquer tempo e sociedade. Nesse sentido, evoca-se o utilitarismo de Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) e traça-se contrastes e paralelos com a noção Kantiana de Imperativo Categórico para fins de explanação da temática, trazendo-se, ainda, a provocação relacionada aos limites da ótica utilitarista ante um dilema moral.

 Reconhecer o que move o ser humano é fundamental para compreender a sua conduta social. O princípio da utilidade reconhece a sujeição do ser à dor e ao prazer, colocando-a como fundamento desse sistema, cujo objetivo é construir o edifício da felicidade através da razão e da lei, aprovando ou desaprovando a ação segundo a tendência dessa aumentar ou diminuir a felicidade (BENTHAM, 1979). Em Kant (1724-1804), em contraste com o exposto acima, a motivação relaciona-se com a noção do dever de agir e, em conformidade, pauta-se também na racionalidade. A boa vontade passa pelos conceitos de dever e de respeito até o princípio do conhecimento moral da razão comum dos homens (HERRERO, 2001).

 São os interesses dos indivíduos que quando integrados em uma estrutura social geram o interesse coletivo. Pauta-se no princípio da utilidade quando a aprovação ou a desaprovação de alguma ação considera a tendência desta ação aumentar ou diminuir a felicidade da comunidade (BENTHAM, 1979). Entendendo-se a felicidade como prazer e a ausência de dor, uma existência isenta tanto quanto possível da dor, e tão rica quanto possível em prazeres, tanto na qualidade quanto na quantidade (MILL, 2007). Ora, pode-se ver alguma similaridade com a noção de Imperativo Categórico, ao se pautar a ação naquela conduta possível de replicar por todas, seria também aquela conduta capaz de gerar maior felicidade para o corpo social.

 Destacando-se o princípio da moralidade da ética de Kantiana: “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal”. (HERRERO, 2001). Na medida que todos busquem a maximização da felicidade haveria de ser uma máxima aprazível de ser seguida. Ainda que o foco do utilitarismo esteja nas consequências e do imperativo categórico no dever da boa conduta moral, ambas prezam pela criação de um bem estar coletivo.

Durante a construção desse estado de bem estar nota-se outro contraste entre as correntes ora abordadas, no utilitarismo as ações válidas visam a felicidade da maioria das pessoas, ainda que cause danos a uma minoria, isso, na perspectiva kantiana, anula o sujeito, pois o torna objeto e o transforma em um meio para alcançar a felicidade de outrem ou de uma maioria, ao ferir a autonomia do sujeito não possui valor moral, na medida que a moralidade se dá pela universalização da motivação da ação, a saber, leis que são criadas pela razão tendo como base o dever em si (CORSI e WEBER, 2020). Relativo a vida coletiva, tem-se que, conforme Mill (2007), aqueles que não possuem afetos públicos ou privados e sentimento de companheirismo com os interesses da coletividade vive uma vida insatisfatória, sendo o egoísmo juntamente com a falta de desenvolvimento intelectual as principais causas desse estado de insatisfação. Logo, nota-se que o utilitarismo, olha pela felicidade do sujeito, ainda que prezando pela maioria.

Fonte: https://verdadenapratica.wordpress.com/2015/05/29/utilitarismo-e-seus-impactos/

A fim de ilustrar, ante o dilema moral dos trilhos do trem, onde é possível decidir direcionar o trem para trilhos onde há uma pessoa ou para onde há cinco pessoas amarradas aos trilhos, sob a perspectiva Kantiana, a ação é guiada por deveres e princípios universais, e certos atos são moralmente errados independentemente das consequências, não seria aceitável, portanto, tomar essa decisão, já um utilitarista, rapidamente responderia por decidir salvar as cinco pessoas em detrimento de uma, uma vez que objetivo é minimizar o sofrimento e maximizar o bem-estar.

Enfim, uma análise epistêmica sobre a boa conduta humana, individual e coletiva, pode evidenciar nuances quando analisada à luz de diferentes teorias que, de forma grosseira, prezam pelo mesmo bem estar coletivo. Olhando para o utilitarismo, onde busca-se a maximização da felicidade possível ou para a moral kantiana da universalização do dever ético, ambos encontram limitações, naturalmente, ante um dilema moral, e o campo de debate é infindável.

Referências: 

BENTHAM, J. Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. In: Jeremy Bentham. Coleção os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. 

CORSI, U. V; WEBER T. Immanuel Kant: Autonomia e Vontade, uma Crítica ao Utilitarismo. REVISTA SEARA FILOSÓFICA, Número 21, Inverno/2020, pp. 32-48, 2020. Disponível em:. Acesso em: 24 set. 2024. 

HERRERO, F. Javier. A ÉTICA DE KANT. Síntese: Revista de Filosofia, [S. l.], v. 28, n. 90, p. 17–36, 2001. DOI: 10.20911/21769389v28n90p17-36/2001. Disponível em:< https://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/563.> Acesso em: 24 set. 2024. 

MILL, S. O que é o utilitarismo? In: MILL, S. Utilitarismo. São Paulo: Escala, 2007

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