Pequeno ensaio produzido acadêmico Julio Cesar Schvambach.
A formulação de novas políticas públicas que atendam
aos verdadeiros dilemas sociais é uma necessidade constante do administrador
público. Essas políticas públicas não têm apenas uma visão tecnicista sob uma
ótica orçamentária, mas também consideram o benefício que trazem ao cidadão,
tanto econômico quanto social. Na ausência de uma formação adequada do gestor
público, que é o tomador de decisão, muitas soluções acabam sendo importadas ou
inspiradas em casos de sucesso externos. No entanto, ao serem aplicadas, essas
soluções muitas vezes não produzem o mesmo efeito que no seu local de origem,
ou até mesmo não têm efeito algum. Isso ocorre porque o método utilizado não
considera as diferenças culturais, sociais, econômicas e étnicas da comunidade
ou sociedade-alvo dessa política importada.
Levando em consideração um país de dimensões
continentais como o Brasil, com culturas tão diversas dentro de um mesmo
território, o presente trabalho propõe uma nova análise a partir da abordagem
epistêmica da Redução Fenomenológica e da Intersubjetividade, visando a uma
compreensão do problema a ser estudado pelo que ele é, livre de crenças
pré-concebidas e externas.
Um dos principais desafios do formulador de políticas
públicas, ao planejar uma nova política ou revisar uma já existente, é torná-la
relevante e efetiva ao público-alvo a que se destina. Ao longo dos últimos 80
anos, desde meados da década de 1950, muito se tem debatido sobre o melhor
modelo de formulação de políticas públicas, muitos inclusive apresentando um
modelo cíclico, como o de Laswell em 1956. Embora conceitualmente coerentes e
factíveis, os modelos de políticas públicas criados desde 1950 até os dias
atuais foram pensados dentro de uma realidade do Norte Global, em países
europeus com uma cultura colonizadora. Embora esses países tenham enfrentado
desafios sociais semelhantes aos de países como o Brasil, possuem uma bagagem
social muito diferente, pois não carregam consigo as mazelas da colonização
forçada, da escravidão, do genocídio de povos originários e da exploração das
riquezas. De que forma, então, poderíamos pensar em políticas públicas voltadas
para a realidade brasileira? E mesmo dentro do Brasil, um país de dimensões
continentais, como considerar tantas realidades culturais e socioeconômicas
diversas? Um ponto de partida pode ser a Redução Fenomenológica.
Fonte: https://wash.net.br/wash-divulga-eventos-com-arte-educador-na-unicamp-e-forum-por-uma-justica-epistemica/ |
A Fenomenologia, enquanto campo de estudo das ciências sociais e da epistemologia, concentra-se em entender o objeto de estudo ou o indivíduo a partir de uma visão pura, livre das lentes das experiências e crenças pessoais, para analisar o outro ou o objeto pelo que ele é, e não pelo que eu acredito ou desejo que ele seja. Edmund Husserl, um dos principais expoentes dessa corrente epistemológica, afirma que só é possível encontrar o outro enquanto pessoa a partir do encontro do eu enquanto ser. A essa dinâmica de se comunicar com o outro ao mesmo tempo em que conhecemos a nós mesmos, damos o nome de Intersubjetividade.
A Intersubjetividade e a Redução Fenomenológica
oferecem uma nova dinâmica na proposição de soluções para dilemas sociais ao se
diferenciarem do Positivismo, que se preocupa apenas com a medição, os fatos e
a visão utilitarista de prazer e benefício. Também se distinguem da Dialética
de Hegel e Marx, que necessita de tese, antítese e síntese, além de uma
realidade historicamente construída a partir da luta dos contrários. Contudo, a
Redução Fenomenológica não nega a carga experimental anterior nem as crenças,
mas apela para um distanciamento momentâneo dessas para observar o objeto da
pesquisa pelo que ele realmente é. Isso nos permite pensar em soluções de
problemas sociais de forma mais profunda, partindo do problema em si e da visão
de quem o vivencia cotidianamente. Assim, podemos perceber que crenças
pré-concebidas a partir de uma visão exterior nem sempre podem resolver de fato
aquele desafio social.
A Redução Fenomenológica não exclui a lente
ideológica nem a necessidade de explicar ou metodologizar o objeto de estudo da
política pública social. No entanto, ao não abordá-la a partir dessas
premissas, permite ao formulador de políticas públicas uma observação atenta e
livre de preconceitos, a partir da visão do outro, conhecendo ao mesmo tempo
quem vivencia a mazela social e a si próprio. Com essa visão, percebe-se que
talvez a receita ou o método externo, importado fora de contexto, não seja a
melhor solução para conceber a política social proposta. A visão intersubjetiva
do problema e dos indivíduos nele inseridos permite não apenas uma compreensão
maior do desafio, mas também respostas mais assertivas e que demandem menos
correções futuras.
REFERÊNCIAS
HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70,
2008. Trechos selecionados.
SCHUTZ, A. Fundamentos da Fenomenologia. In: WAGNER, H. R
Sobre fenomenologia e Relações Sociais. Textos Escolhidos e Alfred Shutz. Rio
de Janeiro: Zahar, 1979.
FISCHER, F.; MILLER, G. J.; SIDNEY, M. S. Handbook of public
policy analysis: theory, politics and methods. New York: CRC Press, 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário