Fenomenologia: Uma jornada de coragem para novos caminhos

 Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Mariana Ribeiro Pires.

A fenomenologia, como a jornada de Dom Quixote, convida a um enfrentamento corajoso: a busca pela essência da experiência humana, desafiando concepções preestabelecidas e mergulhando na subjetividade como ponto de partida para a compreensão da realidade. No contexto da administração a fenomenologia, com seus conceitos de intersubjetividade, múltiplas realidades e epoché, oferece ferramentas valiosas para a pesquisa e para a prática, abrindo caminho para uma compreensão mais autêntica e profunda dos fenômenos organizacionais.

 Assim como Dom Quixote, que em sua obra desafiava convenções e ousava romper com a realidade em busca de seus ideais, a fenomenologia nos instiga a questionar o status quo e a investigar a experiência humana em sua integralidade. Schütz, em "Fundamentos da Fenomenologia", nos adverte sobre a dificuldade em apreender o real significado da fenomenologia, frequentemente confundida com abstrações metafísicas e vista como um obstáculo ao rigor científico.

Fonte: https://www.culturagenial.com/livro-dom-quixote-de-miguel-de-cervantes/


É preciso, portanto, um ato de coragem intelectual para abandonar a visão simplista que relega a fenomenologia ao campo da "anticiência" e reconhecer seu potencial para a investigação rigorosa da experiência humana. A obra de Schütz, inspirada em Husserl, nos guia nessa jornada, conclamando-nos a buscar a essência dos fenômenos a partir da experiência vivida, reconhecendo a subjetividade como elemento indissociável da pesquisa. 

A obra de Edmund Husserl, "A Ideia da Fenomenologia", é crucial nesse contexto, pois apresenta a fenomenologia como uma "ciência de essências". Husserl argumenta que a ciência moderna, em sua busca por objetividade, afasta-se da experiência vivida, tratando os fenômenos como meros objetos quantificáveis. A fenomenologia, em contrapartida, busca retornar à "coisa mesma", à experiência em sua pureza, livre de pressuposições e abstrações. 

A epoché, princípio fundamental da fenomenologia husserliana, exige um esforço consciente e metódico para suspender os julgamentos prévios, as ideias preconcebidas, e abrir espaço para que a essência dos fenômenos se revele. Esse "colocar entre parênteses" não significa negar a realidade, mas sim abordá-la de forma diferente, buscando compreendê-la a partir da consciência.

As "experiências significativas" ganham destaque nesse processo. Schütz destaca a importância da intencionalidade da consciência, ou seja, a capacidade da consciência de estar sempre direcionada para algo, de conferir significado aos objetos e experiências. A intencionalidade, portanto, é o fio condutor que conecta a consciência ao mundo, conferindo sentido à experiência.

Compreender a experiência do outro exige um esforço de descentramento, de colocar em perspectiva nossas próprias vivências e preconceitos, reconhecendo a alteridade e buscando uma aproximação autêntica do significado que o outro atribui à sua realidade. A intersubjetividade, nesse contexto, não se configura como uma mera soma de subjetividades, mas como um espaço de encontro, diálogo e construção de sentido compartilhado, onde diferentes perspectivas constroem a realidade social. 

 A análise de Schütz sobre a obra "Dom Quixote", em "Dom Quixote e o Problema da Realidade", ilustra a coexistência de múltiplas realidades, representadas na obra pelos personagens Dom Quixote e Sancho Pança. Dom Quixote, imerso em seu mundo idealizado de cavalaria, personifica a busca por materializar uma realidade individual, enquanto Sancho Pança, por outro lado, com seu senso prático, representa a realidade compartilhada e o senso comum. Essa dualidade, presente na obra de Cervantes, levanta importantes questões para o campo da administração: como conciliar diferentes perspectivas e realidades no contexto organizacional? Como construir pontes entre o mundo idealizado e a realidade da prática administrativa?

A fenomenologia, nesse sentido, atua como um mapa, guiando o pesquisador através da complexidade do mundo social. Mas, diferente de um mapa tradicional, que busca representar o mundo objetivamente, a fenomenologia se propõe a mapear a experiência subjetiva, a maneira como os indivíduos percebem, interpretam e constroem a realidade. Ferramentas como a "atenção à vida" (attention à la vie), proposta por Schütz, nos convidam a observar o mundo com um olhar renovado, atentos aos detalhes do cotidiano e às nuances da experiência humana. 

A fenomenologia, como um convite à exploração do conhecimento, nos incita a abandonar o conforto das certezas absolutas e a nos imergir na complexidade da experiência humana, reconhecendo a riqueza da subjetividade, da intersubjetividade e das múltiplas realidades que compõem o mundo. No campo da administração, a fenomenologia se destaca como uma ferramenta poderosa para a construção de um conhecimento mais humano, ético e conectado com a realidade, capaz de gerar insights valiosos tanto para a pesquisa quanto para a prática. Em última análise, ao traçar um paralelo com o meio universitário, podemos associar a fenomenologia à extensão universitária, que, com sua vocação de conectar a universidade com a sociedade, encontra na fenomenologia um terreno fértil para o diálogo e a transformação social. Ao romper as barreiras entre a academia e o mundo real, a extensão universitária pode promover uma compreensão mais profunda e contextualizada dos problemas sociais, além de contribuir para a construção de soluções mais justas e eficazes.

REFERÊNCIAS: 

HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 2008. Trechos selecionados.

SCHUTZ, A. Fundamentos da Fenomenologia. In: WAGNER, H. R Sobre fenomenologia e Relações Sociais. Textos Escolhidos e Alfred Shutz. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. 

SCHUTZ, A. Don Quixote e o Problema da Realidade In: LIMA, L. C. Teoria da literatura e suas fontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.


 


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