Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico Leonardo Quadros Schroeder Pontes.
A abordagem trazida pelos textos escritos por Alvin Goldman (2020) e Ian Kidd e outros (2017), são conexos e complementares, quando tratam respectivamente do que seria a Epistemologia Social e suas três faces lá designadas e, ao mesmo tempo, a percepção trazida pelo segundo texto quando trata de injustiça epistêmica.
Em minha percepção, inicialmente, fica bastante claro que há de se separar a Epistemologia Tradicional da social, tendo em vista que a primeira está focada apenas no conhecimento e como ele pode ser produzido e justificado e, por outro lado, a Epistemologia Social está preocupada também com a coletividade de agentes epistêmicos, considerados em grupos, equipes ou instituições. Essa compreensão social epistemológica foi construída após a superação do entendimento egocêntrico de metodologia autocentrada de Descartes, que em o Discurso do Método (1979), aborda questões específicas baseadas na razão e comprovação científica de tudo sem qualquer ausência de dúvida, como se modelo matemático fossem. Nessa toada, como forma de afirmar a Epistemologia Social ainda com padrões tradicionais, estabeleceu-se três abordagens que corroboram o alegado, quais sejam: interpessoal, social e institucional.
Fonte:https://www.rededucativajamli.com/2017/03/banco-de-preguntas-filosofia.html |
Certamente, vislumbro que essas teorias amplificam demais o debate, permitindo que o entendimento nessas três esferas de tudo se trate e se conecte com a Epistemologia tradicional, que se preocupa apenas com o conhecimento e não com as relações sociais. As riquezas das três fontes epistemológicas acima se permeiam quando se entende o processo de conhecimento alavancado por cada um de seus estágios, pois ao mesmo tempo que o caráter interpessoal é a formação de convicção por meio de ideias de terceiros que solidificam sua própria visão, a compreensão coletiva institucional decorre naturalmente da primeira. Entendo que cada um que possui suas convicções, sem questionar a origem, mas compreendendo que todo ser individual participa de uma coletividade e, por vezes, de compreensões institucionais, é perfeitamente crível que a leitura primária interpessoal decorra das pessoas mais próximas e, certamente a leitura coletiva ou de classe sobre determinado assunto será a mesma ou muito próxima. Assim, partindo para uma visão mais ampla fica mais fácil entender que o aspecto institucional é totalmente influenciado e incorporado pelas formas epistemológicas primeiras, cujas percepções e aceitações são solidificadas através da crença de seus membros, porém, não sendo considerados uma coletividade.
Nesse sentido, seja qual for à forma de entendimento da Epistemologia Social, percebo que a injustiça epistêmica pode estar presente em qualquer delas e de variadas formas e, como revela o texto, a injustiça ocorre dentro das atividades e instituições em que os conhecedores se envolvem a conhecer. Percebo que o texto de Kidd, Medina e Pohlhaus (2017), define essa injustiça como a negação do direito a contribuir para o conhecimento ou desqualificar o conhecimento do outro, geralmente agindo com agentes privilegiados que se escoram em seus argumentos de autoridade ou precedência sobre o tema. De maneira bastante clara, definem os autores que nem sempre essa injustiça é voluntária, mas, afirmam que podem ter características testemunhais ou hermenêuticas. Mais precisamente acerca dessas duas modalidades, traz o texto o racismo como forma de ideologia e meio de legitimação da lógica anti-negra, o que de fato mostra-se grave quando se considera uma questão estrutural e de impacto geral inclusive no campo do conhecimento. Pedro Demo, em sua obra Metodologia Científica em Ciências Sociais (1981), já alertava no trecho em que abordava a Demarcação Científica, que a ideologia não é fonte da ciência e de demarcação, bem como reconhece a dificuldade de extirpá-la do processo de conhecimento, mas revela a necessidade de neutralizá-la quando do momento de pesquisas, ou no caso em específico, na percepção de produção de conhecimento seja qual for à raça ou etnia do conhecedor.
Vejo de maneira muito evidente, dentro da instituição que trabalho que possui natureza militar, que há dois vieses bem claros de atuação epistêmica e suas injustiças. A primeira delas é o entendimento que agimos em regra como um grupo ou classe, com mesmos padrões conceituais, corroborando a ideia de Epistemologia Social Coletiva e, segundo, a percepção geral e injustificada que órgãos militares não são locais em que mulheres deveriam trabalhar e, que as mulheres que lá estão hoje, contribuem de maneira diversa da pretendida, bem como pouco sabem como contribuir para os aspectos gerais de conhecimento da instituição, sendo colocadas em segundo plano quando se trata de atividade operacional e administrativa. Penso que na mesma toada do preconceito com sul global quanto à produção de conhecimento em relação ao eixo americano e europeu, esse ponto de vista solidifica-se em instituições militares brasileiras, pois, de forma semelhante ao que ocorre no texto quanto às filósofas feministas que perceberam a dominância e opressão do patriarcado sobre sua produção de conhecimento, não é diferente penso quanto às mulheres militares em nosso país, que por vezes são subjugadas intelectualmente somente pela sua condição de ser mulher e, na atualidade, já demonstram ser muito mais capazes que os homens nas mais diversas atividades. Tudo isso, bem definidamente ocorre quando o que chama o texto de contrato social permite que aqueles que estão em posição de dominância desenvolvam uma arrogância epistêmica que não os fazem querer mudar o “status quo” e, no caso específico das mulheres militares, ou todas aquelas em que estejam em situação semelhante, pode-se caracterizar como exclusões de primeira ordem, ou seja, aquela que dá menos credibilidade a contribuição do conhecedor pelo preconceito de identidade, o que é fato presente nos mais diversos setores da sociedade.
Referências Bibliográficas
DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1981.
DESCARTES, R. Discurso do Método. In René Descartes. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
KIDD, I.J; MEDINA, J.; POHLHAUS, Jr., G. (Edd) The Routledge Handbook of Epistemic Injustice, 2017. Introduction e Capítulo 1 – Varieties of Epistemic Injustice. In: https://www.routledge.com/The-Routledge-Handbook-of-Epistemic Injustice/Kidd-Medina-PohlhausJr/p/book/9780367370633
GOLDMAN, A. The What, Why, and How of Social Epistemology. In: Fricker, M; Graham, P.J; Henderson, D. & Pedersen, N.J.L.L The Routledge Handbook of Social Epistemology. New York, Routledge Taylor & Francis, 2020, p. 10-21.
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