Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico Julio Cesar Schvambach.
Com a democratização dos meios de comunicação, as
instituições e grupos epistêmicos chamados “fontes autenticadas” estão sob
xeque. Antes praticamente inquestionáveis, agora os mesmos precisam se
justificar diante de um grupo cada vez maior de pessoas que questionam a sua
legitimidade e veracidade.
Diante da massificação das chamadas “Fake News”, um
nome popular que se dá a um rumor falso, são necessários novos meios de fazer
com que os grupos epistêmicos considerados como autoridade ou especialistas
possam ter as crenças produzidas por eles validadas, e mais do que isso, ter os
meios de participação social que garantam essa validação e justificação.
A epistemologia social é uma das principais
interessadas na análise e no impacto de como essas crenças possuem uma
participação social na sua formação e quais as crenças verdadeiras que são
geradas a partir dela. O presente trabalho pretende trazer luz à presente
discussão.
O capítulo 02 do livro “The Routledge Handbook of
Social Epistemology”, que tem como título “The What, Why, and How of
Social Epistemology”, escrito por Alwin Goldman (2020), começa com as três
questões centrais sobre as quais se apoia a epistemologia social: “o que?”,
“por que?” e “quando?”. O objetivo final da epistemologia, seja ela tradicional
ou sua variante, a epistemologia social, busca fazer com que as pessoas possam
ter crenças verdadeiras, ou pelo menos, melhores. No entanto, a discussão sobre
o que seria uma crença verdadeira, ou como ela se fundamentaria como legítima e
genuína, tem sido fonte de questionamentos e intensos debates ao longo do
últimos 100 anos. A começar pelo debate iniciado na segunda metade do século
que questionou a própria noção de verdade, racionalidade e objetividade, que
geralmente eram colocadas tendo como pano de fundo interesses políticos e de
dominação social.
Fonte: https://irmacaputoresearch.com/estudos_reflexoes/epistemologia-filosofia-estetica-e-filosofia-da-linguagem/ |
Um dos pontos que o capítulo 02 do livro mencionado acima trata é justamente o da Fonte Autenticada, assunto sobre o qual este paper pretende debater. Num momento em que o mundo passa por um questionamento dos modelos de sociedade vigentes nas democracias ocidentais, e a forma como se produziu ciência até então (levanto em consideração fatores como a justiça epistêmica), a chamada “fonte autenticada” tem sido questionada a respeito da sua genuinidade, autoridade e mesmo a neutralidade. Quando falamos de “fonte autenticada”, significa abordar, por exemplo, de grupos epistêmicos coletivos ou institucionais que fornecem informações e conhecimentos considerados como “oficiais”, que servem como parâmetro. Podemos, dentro dessa categoria, colocar os órgãos governamentais de estatística que tratam sobre saúde, emprego, renda e outras informações sociais. Também podemos colocar conselhos de classe como os conselhos de medicina, conselhos de engenharia, ou organizações do terceiro setor que se dedicam a pesquisar assuntos importantes como questões de segurança pública, inclusão e combate a formas de opressão e violência, entre outros.
Ao falar sobre duas das variantes da Epistemologia
Social, a ES Interpessoal e a ES Coletiva, um questionamento fica evidente e
quase gritante: a necessidade que temos de desacreditar nos rumores. Rumores
seriam informações improvisadas ou incompletas que circulam entre um
considerável número de pessoas. Já a “Fonte Autenticada” seria embasada pela
palavra de um especialista, que teria, em tese, um conhecimento elevado sobre
uma determinada área do saber. Mas como confiar e aceitar as declarações deste ou
daquele especialista? E quando as palavras de especialistas diferentes entram
em dissonância, qual das duas opiniões devem ser aceitas? Como aceitar que
aquele saber não foi propositalmente manipulado?
Embora as respostas dessas perguntas ainda estejam em
construção pelos epistemólogos sociais, podemos aventar algumas pistas para
poder responder isso. A primeira, é que podem existir processos que são
incondicionalmente confiáveis, não porque nunca errem, mas porque a partir dele
se produz um número elevadíssimo de crenças verdadeiras. Porém, a questão da
justificação e da racionalidade deve também ser condicionada a uma
possibilidade de atestação por agentes epistemológicos distintos, que após a
análise da crença produzida, poderão concordar ou não se ela é de fato
verdadeira. Um exemplo real disso seria a auditoria nos processos eleitorais
das nações democráticas. Apesar das respostas para a justificação das chamadas
Fontes Autenticadas ainda serem incompletas, há pistas que nos permitem pelo
menos deduzir a falibilidade destas e conduzir a sociedade a crenças melhores.
A epistemologia social nos faz refletir sobre como os
grupos epistêmicos produzem (e se produzem) conhecimentos que resultam em
crenças verdadeiras, tanto para eles próprios quanto para os membros das
instituições que são geridas ou influenciadas por esses agentes ou grupos
epistêmicos. A veracidade do que uma “fonte autenticada” produz de crenças vai
depender da sua disponibilidade (ex.: ditaduras ou autocracias só possuem uma
fonte autenticada, sem possibilidade de auditoria externa) e do quanto de
crenças verdadeiras a partir do conhecimento produzido por ela é gerado. Num
momento em que a internet massificou não somente as informações úteis como
também os rumores infundados e sensacionalistas, é dever dos teóricos
epistêmicos sociais se debruçar em busca de garantir a confiabilidade das
crenças como também preocupar-se com o seu impacto social e o quanto as massas
participam desses processos.
REFERÊNCIAS
GOLDMAN, A. The What, Why, and How of Social Epistemology. In: Fricker,
M; Graham, P.J; Henderson, D. & Pedersen, N.J.L.L The Routledge Handbook of Social
Epistemology. New York, Routledge Taylor & Francis, 2020, p. 10-21
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