A injustiça epistêmica no processo penal e a utilização do Tribunal do Júri como instrumento de epistemologia social

 Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico Bruno Bertan Sartor.

Tal como previsto no texto do Kidd et al. (2071), a injustiça epistêmica se dá em diversas áreas das ciências, inclusive nas ciências jurídicas e na administração da justiça. O presente excerto trata acerca da injustiça epistêmica na administração da justiça, em específico no processo penal, bem como a utilização do Tribunal do Júri como instrumento de epistemologia social (GOLDMAN, 2020).

No direito processual penal, cujo código legal utilizado no Brasil é do ano de 1941, existem diversos resquícios de injustiça epistêmica. Kidd et al. (2017) assevera que é ainda comum essa espécie de injustiça estar presente dentro do sistema e práticas legais.

A apreciação da prova no processo criminal pelo juiz singular é um exemplo de injustiça epistêmica no âmbito judicial. Isso porque, em processos semelhantes, em que crimes iguais ou da mesma espécie são julgados, cada juiz, de acordo com os ditames legais e com base na sua interpretação do direito, pode julgar proferindo decisões diferentes e até mesmo contraditórias entre si (KIDD et al., 2017).

Uma das soluções para o problema apresentado, conforme pontua Kidd et al. (2017), seria a utilização de tribunais colegiados, ou seja, com mais de um membro julgador, de forma que a prova fosse analisada de forma conjunta. No Brasil, a Carta Constitucional de 1988, no capitulo reservado ao Poder Judiciário e à administração da justiça, estabeleceu que as decisões de segundo grau, quando há um recurso contra a decisão singular de primeiro grau, devem ser colegiadas. A análise conjunta da prova e de outros temas processuais possibilita que haja maior certeza no julgamento, reduzindo, assim, possíveis erros judiciais.

Fonte: https://www.tjma.jus.br/midia/cgj/noticia/513131/tribunal-do-juri-de-governador-nunes-freire-absolve-reu-por-homicidio

Porém, por influência do direito anglo-saxão, existe no Brasil, já no primeiro grau de jurisdição, a existência de um Tribunal colegiado, o denominado Tribunal do Júri, citado por Goldman (2020) como um instrumento de epistemologia social.

Epistemologia social é um ramo da epistemologia que prestigia os processos de tomada de decisões plurais, em um processo que se preocupa com toda a coletividade, em contrate com a epistemologia tradicional, que é voltada ao individualismo (GOLDMAN, 2020).

Em ciência a crença de um grupo coeso, e não apenas de um único indivíduo, tem um peso muito mais forte (GOLDMAN,2020). No âmbito judicial, os crimes dolosos contra a vida (homicídio, aborto, infanticídio e indução ao suicídio), em face de sua gravidade, são julgados por um tribunal coletivo, conhecido como “do júri”.

O Tribunal do Júri, composto por cidadãos maiores que cumprem certos requisitos legais, ao analisar o processo penal em conjunto com o magistrado, possibilita que a decisão tomada (condenatória ou absolutória) seja protegida de erros e tenha uma força vinculante mais forte perante a sociedade.

Goldman (2020) cita o Tribunal Popular como uma forma de epistemologia social no âmbito do Poder Judiciário justamente por essa tomada de decisão coletiva, onde o colegiado é soberano.

Destarte, o exemplo do Tribunal do Júri, como instrumento de epistemologia social dentro da justiça tende a ser um farol para aqueles processos de tomadas de decisão individual. Em outros países, como os Estados Unidos da América, a regra, hoje, já é a utilização do Júri para julgamento da maioria dos crimes. Esse processo pode chegar até o Brasil, conforme algumas propostas legislativas que tramitam no Congresso Nacional.

Por fim, é de se ressaltar que a utilização do Tribunal Popular, além de um exemplo de epistemologia social, ajuda a evitar a injustiça epistêmica no âmbito judicial, já que a tomada de decisões se dá de maneira plural, com vários “pontos de vistas” existentes na sociedade sendo representados pelos jurados.

REFERÊNCIAS:

 

GOLDMAN, A. The What, Why, and How of Social Epistemology. In: Fricker, M; Graham, P.J; Henderson, D. & Pedersen, N.J.L.L  The Routledge Handbook of Social Epistemology. New York, Routledge Taylor & Francis, 2020, p. 10-21.

 

KIDD, I.J; MEDINA, J.; POHLHAUS, Jr., G. (Edd) The Routledge Handbook of Epistemic Injustice, 2017. Introduction e Capítulo 1 – Varieties of Epistemic Injustice.


Nenhum comentário:

Postar um comentário