Demarcação científica: conceito possível ou utopia?

 Pequeno ensaio produzido pela acadêmica Cinthia Coutinho Cezar. 

Conceituar ciência no campo da epistemologia é um processo desafiador à pesquisa. Demo (1985) defende ser mais fácil a definição do que não é característica da cientificidade. De acordo com o autor, não são elementos da cientificidade a ideologia e o senso comum, por exemplo. Contudo, Demo (1984) compreende que a ideologia e o senso comum são conceitos intrínsecos ao sujeito e ao objeto e, portanto, é impossível dissociá-los do conceito de ciência. É possível, então, demarcar o que se aproxima do conceito de ciência?

Notoriamente há complexidade nesta conceituação. Contudo, corroboro com a ideia de Demo (1985) no sentido de que só é possível considerar elementos de cientificidade quando há a presença do critério da discutibilidade. Em síntese, algo somente pode ser científico caso se mantenha discutível ao longo do tempo. A ciência se assemelha a um produto inacabado, que requer lapidação ad eternum.

Fonte: https://centroloyola.com.br/para-que-serve-a-utopia.html

Kneller (1980) explora a ciência na história e demonstra que diversas inquietações da humanidade foram propulsoras para o desenvolvimento de ciências como a matemática, a astronomia, a física, a filosofia e outras. Kneller (1980) dispõe que a finalidade da ciência é chegar a uma compreensão exata e abrangente da ordem da natureza- que, paradoxalmente, possui elementos infinitos- e, por conseguinte, compreende que a ciência é intrinsecamente histórica. É neste ponto que o conceito de ciência de Demo (1985) e de Kneller (1980) aproximam-se. Conforme Kneller (1980), para compreender o que a ciência realmente é, é preciso considerá-la acima de tudo como uma sucessão de movimentos dentro do movimento histórico mais amplo da própria civilização.

Tenhamos como exemplo deste movimento histórico o desenvolvimento da teoria da evolução, explicitada no estudo de Kneller (1980). A teoria da evolução, em seu estado da arte atual, foi desenvolvida por meio da unificação entre a teoria da evolução de Charles Darwin e a teoria genética de Gregor Mendel. Neste sentido, é possível perceber a complementaridade da ciência ao longo do tempo e o seu caráter discutível, conforme preconiza Demo (1985). Não há ciência finita, o cientista tem por missão refinar conhecimentos existentes ou produzir novos Kneller (1980).

A ciência, portanto, avança ao ampliar teorias, ao alterar seus pressupostos, a complementar tradições em pesquisa e a simplificar o conhecimento. Compreende-se, pois, que o cientista é o sujeito que promove um enfoque e uma perspectiva acerca de um objeto, mas precisa ter em mente que seu produto é inacabado e integra um movimento histórico.

Considerando o viés da discutibilidade da ciência e sua infinitude, qual o sentido, portanto, de sua promoção? Eduardo Galeano, ao citar o cineasta Fernando Birri, diz que “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: que eu não deixe de caminhar.”. Semelhante à utopia, a ciência é movimento e encontra-se no horizonte. A finalidade da ciência é justamente a busca insaciável pela solução das inquietudes da humanidade visando uma sociedade melhor. Afinal, conforme Bloch apud Demo (1985), toda sociedade existente traz em si a esperança de uma melhor.

Referências 

 DEMO, P. Demarcação científica. In: DEMO, P. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1985. 

 KNELLER. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p. 15-29


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