Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico Flávio Facha Gaspar.
Começo esta
reflexão com o ditado de origem Africana, segundo qual “Em África, quando morre
um mais velho é uma biblioteca que se queima”. Esta frase em grande medida é um
indicador para depreendermos como a elaboração de conhecimentos no continente
acontece. Por um lado, a figura dos mais velhos, entendidas como conhecedores e
sábios, por causa das suas experiencias vividas. Por outro, a questão da
oralidade, já que no continente, a oralidade se constitui como o meio principal
através do qual os conhecimentos são passados.
Os conhecimentos e
saberes no continente Africanos são passados através da oralidade. Uma boa parte das culturas africanas está baseada na tradição oral, a
mesma ocupa um espaço pertinente na maneira que os povos enxergam e se enxergam
no mundo, ou seja, a sua cosmovisão está imbuída e é percebida com e através da
oralidade. Para entendermos melhor trarei exemplos.
Segundo Amaro (HÂMPATÉ, 2010), a tradição Bambara do Komo ensina que a
palavra, Kuma, é uma força fundamental que emana do próprio Ser Supremo, Maa Ngala, criador de todas as coisas. Ou seja, as palavras
não se constituem como meramente uma entoação através do qual podemos
transmitir uma mensagem, mas é e sobretudo um elemento essencial de elo entre
Deus e os homens.
O objetivo desta reflexão está na tentativa de colocar em destaque outras epistemes, e como tal, é preciso ampliar as formas de se fazer ciência fora do eixo ocidental do que seria produzir conhecimento ou considerar ciência.
MBEMBE, Achille.África insubmissa:cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial. Luanda: Ed. Pedago, 2013. |
Segundo
Bourdieu (2013), uma revolução cientifica encontra terreno mais fértil numa
contra-comunidade. No entanto, nossa intenção não é percorrer este caminho.
Porque seria fácil colocarmos o sul global em oposição ao norte global, entre o
norte desenvolvido e o sul subdesenvolvido, entre aqueles que possuem o
monopólio em sentido mais amplo de produção daquilo considerado eminentemente
cientifico e os que precisam demonstrar serem capazes de produzir ciência
dentro dos paradigmas instituídos pelo norte global.
Bloor
(2008), diz que a exaltação da experiência como fonte do conhecimento pode ser
vista como que encorajando os indivíduos a confiar nos próprios recursos
físicos e psicológicos a fim de chegar a conhecer o mundo. Esta visão se
aproxima do que sucede no continente Africano, no entanto, a produção de
conhecimentos no continente está além da experiência adquirida ao longo do
tempo, pois, estes conhecimentos são colocados em testes pelo conselho dos
anciãos. Embora, esta forma de produção de conhecimento se aproxima também ao
monopólio da autoridade cientifica, que possui a capacidade técnica e o poder
social (BOURDIEU, 2013). No conselho de anciãos encontramos, jovens e mulheres.
O que pode ser um indicativo de maior pluralidade na forma de constituição do
que seria as autoridades que anuem o que seria considerada ciência consistente.
De
ressaltar que não estamos numa postura de refutar as formas de se produzir uma
sociologia da ciência, outrossim, de reconhecer as potencialidades e entender
os limites de operacionalização em outras latitudes, que possuem cosmovisão de
mundo diferentes e próprias.
Com esta
reflexão tentamos colocar a baila outras epistemes que poderiam nos ajudar a
ampliar as formas de produção da ciência e que tenha sentido para as pessoas
que são sujeitos e alvos desta ação. Por isso, o titulo de África Insubmissa,
em alusão a livro do intelectual contemporâneo Camaronês Achille Mbembe.
Referências
HAMPATÉ BÂ, Amadou. A
tradição viva. In: História
geral da África, I: Metodologia e pré-história da África. 2.ed
– Brasília: UNESCO, 2010.
BLOOR, David.
Conhecimento e imaginário social. Editora Unesp. São Paulo, 2009.
BOURDIEU, Pierre. A
sociologia de Pierre Bourdieu. Editora Olha d’Água. São Paulo, 2013.
MERTON, Robert K. Ensaios
de sociologia de ciência. Editora 34. São Paulo, 2013.
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