A teoria do ator-rede desenvolveu-se primeiro nos estudos da ciência e tecnologia, principalmente por Bruno Latour, Michel Callon e John Law, pretendendo ser uma alternativa às abordagens que enfocavam apenas o papel dos humanos ou apenas o dos objetos na compreensão do desenvolvimento e das mudanças tecnológicas. Ela defende que existem entidades que são formadas e adquirem seus atributos por meio do conjunto de relações que estabelecem com outras. A entidade, por sua vez, é resultado de uma estrutura hierárquica pré-estabelecida, do acesso a informações privilegiadas, do domínio sobre o que depende dela. Assim, uma entidade surge e se mantem à medida que as relações que a compõem permanecem inalteradas (ALCADIPANI; TURERA, 2009; LAW, 2004).
Uma de suas principias contribuições é um enfoque menos antropocêntrico dado à sociologia, ao considerar os elementos não-humanos como dotados de agência, influentes no cotidiano e não subservientes aos humanos. Se os humanos estabelecem uma rede social não é porque interagem apenas entre si, mas porque interagem com elementos não-humanos também. Máquinas, estruturas e instituições também formam o social (ALCADIPANI; TURETA, 2009; CAMPOS; PALMA, 2017; QUEIRÓZ, 2011). Isto posto o objetivo deste paper é discutir o processo de construção do conhecimento a partir da perspectiva da teoria do ator-rede.
Latour (1994) defende que a pretensa modernidade, ao introduzir novos conhecimentos, funcionou com um mecanismo de exclusão: para apresentar novas ideias era necessário apagar aquelas que estavam associadas ao pensamento antes vigente. O conhecimento precisava, dessa forma, ser constantemente “purificado”, ficando sempre mais próximo da “verdade”, que seria una, ainda que provisória. Porém, o processo de construção e acumulação do conhecimento não se dá na forma preconizada pelos positivistas, uma linha reta temporal que sempre avança, a partir do último ponto de referência. Ele depende da biografia dos pesquisadores, bem como de suas intenções e anseios particulares ao fazer ciência, das interações que estes fazem com sua rede de relações e do contexto em que estão inseridos, além dos materiais que estão disponíveis para análise e coleta de informações pertinentes. (QUEIRÓZ, 2011).
Fonte: Guimaraes (2017). |
Outra necessidade fundamental no processo de construção do conhecimento, é que aquele que detém a posição hierárquica superior abra mão de seus privilégios e arrisque sua posição, seja transmitindo da melhor forma possível o conhecimento e conviver com a possibilidade de que aquele que aprende o supere em termos de acúmulo de saber, ou renunciando os pressupostos de sua teoria (ou teoria que defende) quando está já não se prova mais válida.
Na perspectiva da TAR, a disseminação do conhecimento só faz sentido se aquele que o recebe, mas que também o constrói, tiver a oportunidade de conectá-lo a sua realidade, não havendo uma metodologia única para sua absorção. Cada indivíduo, tributário de sua história e das redes que a compõem, deve encontrar sua própria maneira de fazer isso, a qual pode ser modificada, ao passo que redes e história não são estáveis, diferenciando cada vez mais sua própria metodologia. Esta necessidade de conexão faz com que não baste que um conhecimento seja cientificamente comprovado; ele não pode ser redundante para a realidade daquele que aprende e deve ecoar, de alguma forma, no seu cotidiano (ARENDT, 2004).
Nesta perspectiva, Wenger (1988) defende que toda aprendizagem deve acontecer em comunidades, onde os objetivos são definidos e a participação dos indivíduos é reconhecida, dando-lhes sentido de pertencimento a uma determinada rede. Dentro destas comunidades de aprendizagem são desenvolvidos três elementos fundamentais: um significado, onde a atividade educacional fornece sentido – individual e coletivo – para a nossa existência no mundo; uma prática, que exprime a vivência partilhada de experiências e perspectivas e a qual permite “aprender fazendo”; e uma identidade, que surge pela forma como a aprendizagem transforma a biografia dos indivíduos inseridos nessa comunidade.
Essas comunidades, além de existirem em substância, necessitam de uma materialidade, precisam se dar em espaços físicos, como a universidade ou grupos de estudo. Ou necessitam de elementos físicos para serem estabelecidas, como no caso de uma comunidade de aprendizado on-line que depende de computadores, redes de conexão, etc. A proposição de Wenger (1988) ajusta-se à ideia sugerida pela Teoria do Ator-Rede de que um indivíduo desvinculado, sem senso de pertencimento ou com uma reduzida rede relacional, encontra-se em uma situação de empobrecimento. Neste contexto ele é alguém impedido de compartilhar o conhecimento que possui e de aperfeiçoá-lo através da troca.
A Teoria do Ator-Rede, conforme exposta acima, é uma lente de análise útil para compreender de que o forma o conhecimento é construído e compartilhado, mas também de quais são as condições necessárias para que isso aconteça. A maior contribuição, talvez, resida na ideia da inseparabilidade dos pontos da rede e na relação de interdependência existente entre os elementos (sejam eles humanos ou não-humanos) que as compõe.
Referências:
ALCADIPANI, R.; TURETA, C. Teoria ator-rede e análise organizacional: contribuições e possibilidades de pesquisa no Brasil. Organizações & Sociedade, v. 16, n. 51, 2009, p. 647-664.
ARENDT, R. Psychology and the actor-network theory. Paper presented in the 4S & EASST Meeting, École des Mines de Paris, 2004.
CAMPOS, S. A. P. de; PALMA, L. C. Contribuições da teoria ator-rede para o estudo da sustentabilidade. Revista Metropolitana de Sustentabilidade, v. 7, n. 1, 2017, p. 47-67.
GUIMARÃES, V. [Imagem de figuras humanas em rede.] In: GUIMARÃES, Vanessa. O que podemos aprender com o conhecimento em rede? 24/10/2017. Disponível em: https://jornalistavanessaguimaraes.wordpress.com/2017/10/24/ conhecimento-em-rede/. Acesso em: 14/11/2019.
LATOUR, B. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994
LAW, J. After method: mess in social science research. London: Routledge, 2004.
QUEIROZ, M. de F. A. et al. Discutindo a aprendizagem sob a perspectiva da teoria ator-rede. Educar em Revista, n. 39, 2011, p. 177-190.
SERTILLANGES, A-D. La vida intelectual: su espíritu, sus condiciones, su métodos. Barcelona: Editora Estela, 1965.
WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. New York: Cambridge University Press, 1998, p. 12-15.