“Ninguém tá escutando o que eu quero dizer!
Ninguém tá me dizendo o que eu quero escutar!
Ninguém tá explicando o que eu quero entender!
Ninguém tá entendendo o que eu quero explicar!”
“Tem alguém aí?” (Gabriel, O Pensador)
No sábado, dia 19 de outubro, o Centro Educacional Potencial, de Campos Novos (SC), realizou sua “Feira do Conhecimento Multidisciplinar”, envolvendo desde os alunos do ensino infantil aos alunos dos primeiros anos do ensino fundamental, em episódio que pode, de alguma forma, ser considerado uma manifestação tímida, porém real, da influência do pensamento complexo e de novos olhares para a educação e para a ciência. A expressão “multidisciplinar” no nome do evento sugere, desde o início, uma intimidade com a transdisciplinaridade preconizada como necessária e essencial por Morin (1991).
Nos diversos ambientes temáticos criados (“vida animal”, “reino das letras e da matemática”, etc.), que por sua vez eram divididos em seções internas, as educadoras fizeram questão de estabelecer conexão entre os vários elementos expostos, e destes com a realidade dos educandos. Muitas seções surgiram da demanda dos próprios alunos: os dinossauros, as abelhas, os objetos que se relacionam com certas letras, em que situações os números são normalmente usados etc. Desta forma, as múltiplas divisões e ambientes, por mais separadas que pudessem parecer, sempre se apresentavam como partes de um todo maior: a noção de “extinção”, por exemplo, estabeleceu conexão entre a seção da arara-azul, dos dinossauros, das abelhas, das tartarugas, dos animais ameaçados do pantanal e da caatinga.
Sebastian e Cecília, "monitores" da sessão dos dinossauros. Fonte: acervo do autor (19/10/2019). |
Assim, como alerta Le Moigne (2007), o conceito exposto (de alguma forma “eticamente necessário”), é “o resultado necessário de alguma forma de raciocínio silogístico perfeito (e independente do sujeito pensador)” (p. 117). De acordo com o mesmo autor, “sofremos ainda nas nossas instituições escolares efeitos residuais desse cientismo que o Catecismo Positivista de A. Comte (1852), e As Leis do Pensamento, de G. Boole [...] iriam de alguma forma sacralizar no ensino[...]” (LE MOIGNE, 2007, p. 117).
As visões dos monitores da seção dos dinossauros afiguram-se, de certa forma, dialógicas, permitindo a interação de pontos de vista aparentemente divergentes. Todavia, ambos concordam: “sapo não”, compartilhando aqui convicções (e teorias?) de sua “especialidade”, num metafórico “micro paradigma”, já que, para Kuhn, guardadas obviamente as proporções, um dos sentidos de paradigma é o de “constelação de crenças, valores, técnicas” (KUHN, 1987, p. 218) ou, mais precisamente, “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (KUHN, 1987, p. 219).
Os "cientistas" João Eduardo e Gustavo e as abelhas. Fonte: acervo do autor (19/10/2019). |
Para atingir seus objetivos, as organizadoras do evento, intencionalmente ou não, valeram-se do mandamento máximo de Feyerabend (1977): tudo vale! Valeu misturar réplicas de dinossauros com dino-bots (dinossauros robôs de brinquedo), contextualizá-los com animais atualmente existentes, e para as explicações/compreensões, utilizar lendas, historinhas infantis, manuais didáticos, desenhos televisivos, tudo!
De acordo com as educadoras, grande parte do conhecimento construído pelos educandos é resultado de suas próprias intuições, das relações, descobertas e associações que realizam. Na seção das abelhas, por exemplo, os pequenos monitores Gustavo e João Eduardo, demonstravam zelo e seriedade para explicar a vida social destes insetos. Quando perguntados se o zangão não era um elemento prejudicial na colmeia, pois aparentemente não desempenhava um papel de relevância, os “cientistas mirins” pensaram, pensaram, pensaram e, em atitude semelhante à adoção de um método heurístico, sabiamente ponderaram: “não é porque a gente não sabe exatamente o que que ele faz que não tem importância! Na vida muita coisa é assim”, lecionaram. “Ele pode fazer talvez a segurança, ou ser importante para outra coisa”.
Mural da escola. Fonte: acervo do autor (19/10/2019). |
O contato com a escola, e principalmente com as crianças, é capaz de realimentar a esperança de que os atuais tempos sombrios, para a ciência e para a educação, irão passar, e que no porvir se encontra a matriz revolucionária esperada. Particularmente nesta escola – ou ao menos neste evento – parece haver comunhão de ideias com os autores das referências bibliográficas adotadas abaixo, uma vez que recepciona seus visitantes, professores e alunos com um grande painel em sua entrada que avisa: “A arte de ensinar é a arte de acordar a curiosidade natural com o propósito que cada ser descubra suas potencialidades”. Há algo mais revolucionário do que despertar a curiosidade, a sede de conhecimento de alguém?
Referências:
FEYERABEND, Paul K. Contra o método. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.
KUHN, Tomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
LE MOIGNE, J-L. Inteligência da complexidade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, n. 4, out/dez 2007.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
_____. Ciência com consciência. Lisboa: Europa-América, 1991.
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