Este
estudo deseja demonstrar que as generalizações populares sobre comportamentos
ou características, genericamente definidas como estereótipos, são um pré-saber
relativo ao saber estatístico.
Primeiramente,
é importante definir a conceituação de estereótipo. Aqui, será aceita a
sugestão de Stangor (2010), que coloca os estereótipos como características
genéricas, de fácil observação, mentalmente associadas a um grupo social e
cristalizadas ao longo do tempo.
Também
é importante ressaltar que os estereótipos não necessariamente estão associados
ao comportamento discriminatório negativo objetivo, como exposto por Castel
(2008, p. 14). Negativo porque é “uma instrumentalização da alteridade,
constituída em favor da exclusão”, objetivo porque o portador do comportamento
discriminatório efetivamente age contra o discriminado.
O
estereótipo, na verdade, deve ser encarado como uma formulação do senso-comum.
Nos termos de Demo (1985, p. 14), senso comum é aquele conhecimento “acrítico,
imediatista, que acredita na superficialidade do fenômeno”. Características
perfeitamente aplicáveis aos estereótipos, que podem ser vistos como
estatísticas intuitivas, formadas a partir da simples observação, sem rigor
metodológico ou formalidade acadêmica.
Uma
vez que foram categorizados dentro do senso comum, ainda é possível definir os
estereótipos como um pré-saber, pois, como coloca Japiassu (1977), pré-saberes
são aquisições não-científicas de estados mentais, formados de modo natural ou
espontâneo, opiniões-primeiras ou pré-noções, incluídas dentro de algum
contexto social.
Também
segundo Japiassu (1977), os pré-saberes, exatamente por não terem caráter
científico, são sujeitos a reproduzir uma gama de traços contrários ao saber,
como erros, generalizações indevidas. Porém a existência dos saberes está
condicionada a existência prévia dos pré-saberes. Neste caso, defende-se que a
existência do saber estatístico está relacionada com o pré-saber estereótipo.
Não
é razoável acreditar que a estatística moderna, com todas as suas sofisticações
e rigores matemáticos e metodológicos, seria possível se o homem não tivesse, desde
os primeiros momentos de sua existência como animal social, uma inclinação
natural para observar padrões, tentar categorizá-los em grupos e,
posteriormente, fazer previsões a partir deles.
A formação de estereótipos pode ser tomada como uma adaptação evolutiva da mente humana, uma vez que, como apresentam Peric e Murrieta (2015), a evolução humana não se deu somente em relação a condições externas, como temperatura e clima, mas também ao ambiente social. Era uma questão de sobrevivência saber identificar padrões e atribuí-los a indivíduos que provavelmente também os tivessem. Em resumo, a ciência não haveria de contar com a sofisticada estatística moderna se, um dia, não tivesse contado com a rudimentar “estatística intuitiva” dos estereótipos.
Como
um tipo de pré-saber, que não é científico, o uso de estereótipos, não é
recomendado e, na maioria das vezes, inclusive, é fortemente desaconselhável.
Porém, como coloca Demo (1985), a ciência acadêmica até pode aceitar métodos
que não tenham tanto rigor metodológico, derivados do senso-comum, desde que
não haja equivalente dentro de vias testadas por experiências profundamente
críticas.
Fonte: Samary, Yamartino e Anvari (2013)
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Guerra
(2002) apresenta a teoria da cognição social, inserida no contexto da
psicologia social, onde, até nos estudos mais modernos, a formação de
estereótipos é vista como estrutura cognitiva útil para o levantamento de
informações que são similares aos membros de um mesmo grupo, as quais podem ser
efetivamente organizadas e armazenadas, com a desvantagem de estarem expostas a
variáveis pessoais de quem as coleta. Corroborando com isso, Jussim (2016)
mostra que dentro da área de psicologia social, eivada com uma série de
problemas metodológicos, a precisão dos estereótipos é um dos pontos de apoio mais
bem estabelecidos.
Os
estereótipos nasceram da necessidade humana de compilar informação (dados) e
atribuir padrões, enfim, descrever o mundo que nos cerca, de forma rápida e com
algum grau de precisão. Já a estatística, nasceu da necessidade de coletar
estes dados de maneira formal, mantendo a subjetividade de quem coleta no
limite do aceitável, para a criação de parâmetros efetivos, na busca da
descrição mais fidedigna possível da realidade.
O
que ainda deve ser buscado por trabalhos futuros é avaliar a real necessidade
que os campos de pesquisa têm de ainda fazerem o uso de estereótipos como esta
forma de estatística rudimentar e discutir até que ponto eles podem ser usados
sem que o pesquisador incorra na atitude discriminatória negativa objetiva.
Referências:
CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
DEMO, Pedro. Introdução
à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1985.
JUSSIM, Lee et al. Stereotype accuracy: one of the largest and most replicable effects in all of social psychology. In: JUSSIM, Lee et al. Handbook of prejudice, stereotyping, and discrimination. 2. ed. New York, USA: Psychology Press, 2016. p. 31-63.
GUERRA,
Paula Bierrenbach de Castro. Psicologia social dos estereótipos. Periódicos
Eletrônicos em Psicologia, Itatiba, v. 7, n. 2, p. 239-240, dez. 2002. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext &pid=S1413-82712002000200013&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 14 ago. 2019.
JAPIASSU, H. Alguns instrumentos conceituais. In: JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. 6. ed. São Paulo: Francisco Alves, 1991, p. 15-39.JUSSIM, Lee et al. Stereotype accuracy: one of the largest and most replicable effects in all of social psychology. In: JUSSIM, Lee et al. Handbook of prejudice, stereotyping, and discrimination. 2. ed. New York, USA: Psychology Press, 2016. p. 31-63.
PERIC, Mikael; MURRIETA,
Rui Sérgio Sereni. A evolução do comportamento cultural humano: apontamentos
sobre darwinismo e complexidade. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, Rio
de Janeiro, v. 22, supl., dez. 2015, p. 1715-1733.
SAMARI,
William; YAMARTINO, Ray; ANVARI, Rafaan. What each country leads the world in. DogHouse
Diaries, 2013. Disponível em: <http://thedoghousediaries.com/5414>.
Acesso em 29 ago. 2019.
SOWELL, Thomas. Discrimination and disparities. New York, USA: Basic Books, 2019.
SOWELL, Thomas. Discrimination and disparities. New York, USA: Basic Books, 2019.
STANGOR,
Charles. Conceptualizing stereotypes and prejudice. In: STANGOR, Charles. Stereotypes
and prejudice: essential readings. Philadelphia, USA: Psychology Press,
2000.
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