A Teoria Ator-Rede (TAR), ou Actor-Network Theory (ANT), também conhecida como sociologia das associações, consiste num aporte teórico-metodológico que foi desenvolvido por Bruno Latour, Michel Callon e John Law, visando, a princípio, contribuir para os estudos de ciência e tecnologia através de um olhar aprofundado sobre as noções de espaço e lugar, de micro e macro, de estruturas e de interações locais. Interrompendo as noções de escala, ela vê conexões e articulações entre atuantes num espaço relacional plano. (LATOUR, 2012).
Tal teoria destaca-se por evidenciar a proposição hipoteticamente simétrica entre as relações humanas e aquilo que denomina como não-humanos, a exemplo de objetos, animais, fenômenos da natureza e artefatos materiais, ou seja, toda a variedade de elementos que perpassam a condição humana (LATOUR, 2012).
Nesse sentido, quando os humanos se relacionam e interagem com os não-humanos, acabam por formar associações, produzindo, assim, os fenômenos sociais (LATOUR, 2012). Assim, a referida teoria compreende a sociedade como nada mais do que o resultado das muitas associações estabelecidas entre os citados anteriormente (LATOUR, 2012).
Neste contexto de interação entre humanos e elementos não humanos, surge a problemática das fake news, fenômeno social proliferado principalmente nos últimos anos pela relação humano-tecnológica, cujas consequências são a proliferação, principalmente, de conteúdos falsos/extremistas e de cunho geralmente duvidoso. Contudo, é errôneo pensar que se trata de um fenômeno moderno: a desinformação (dito pela Unesco como o termo mais coerente a ser utilizado, apesar de muitos associarem o termo como sinônimo de fake news) é um velho conhecido das sociedades, embora tenha sido substancialmente nutrido por novas tecnologias (UNESCO, 2018).
Fonte: Artuzi (2019). |
Posto isto, é de conhecimento dos mais “sabidos” que as tecnologias disponíveis hoje podem simplificar a manipulação e a fabricação de conteúdo, incluindo o protagonismo (e o papel de vilã) das redes sociais para ampliar diariamente as “verdades absolutas”, vendidas por Estados, políticos e entidades corporativas, e visando o compartilhamento e a credulidade da massa não-crítica (LATOUR, 2012). Desse processo, pode-se dizer que o estrago começa a tomar proporções largas para a desestabilização social – das micro às macro sociedades e/ou grupos.
A questão é que a desinformação, em contexto de polarização, vem pouco a pouco dominando os contextos da vida cotidiana – seja pelo compartilhamento de alguma “corrente do WhatsApp”, ou a postagem de notícias sensacionalistas de fontes duvidosas, principalmente em redes sociais, como o Facebook. (UNESCO, 2018).
A consequência disso tudo é que o fenômeno da desinformação (ou demais sinônimos) vai ao encontro do que Latour (2012) chama de “social”: não se trata de uma coisa homogênea, muito pelo contrário; não distingue uma coisa das outras, “como um carneiro negro entre carneiros brancos, e sim um tipo de conexão entre coisas que não são, em si mesmas, sociais” (LATOUR, 2012, p. 23).
Assim sendo, tal conexão entre as redes estabelecidas faz parte o indivíduo ser o que ele é, sem o separar de suas ações – o que sugere a reflexão acerca do fato que a identidade dos indivíduos não existe sem a glória e a “desgraça social.” (LATOUR, 2012). Isso porque, segundo o autor, (1) se um indivíduo junto com demais criou recursos de comunicação e tecnologia pensando na agilidade das relações sociais; (2) e se o uso de tais recursos vem propiciando, igualmente, vantagens e distúrbios coletivos, (3) o resultado dessa fábula reavivada na pós-modernidade é culpa e também parte intrínseca de nossas vidas – individuais e coletivas.
Portanto, um dos objetivos pertinentes da TAR junto ao fenômeno abordado seria o de elencar possíveis olhares sobre como se engajar à educação da sociedade em tempos de pós-verdade. Assim, por exemplo, ao invés de se adotar uma abordagem puramente técnica e sistematizada, como a dos livros didáticos, pode-se procurar uma estratégia didática holística, isto é, ao invés de ensinar simplesmente que a terra é redonda ou que vacinas funcionam, é pertinente discutir quais são as evidências que sustentam essas ideias e como essa rede tenta ser desarticulada por programas concorrentes e vice-versa. Nesse contexto, pode-se discutir, também, as questões de poder e de disputa que envolvem as práticas sociais, incluindo a científica. (LIMA et al., 2019).
Ao atar os atores em suas redes, denota-se, assim, que aquilo que fortalece uma proposição é a rede que ela articula e não uma suposta objetividade. Assim, quando propostas alternativas se apresentarem para a opinião pública, elas terão que mobilizar uma rede satisfatória para fazer frente ao que já foi massificado. Essas medidas, contudo, não garantem que as pós-verdades serão abandonadas; mas, ainda que paulatinamente, busca contribuir para a formação de cidadãos com maior possibilidade de desenvolver um olhar reflexivo sobre o que lhes é apresentado. (LIMA et al., 2019; LATOUR, 2012).
À guisa de conclusão, cabe refletir a respeito do comportamento da sociedade frente a fenômenos amplificados e intensificados pelos artefatos tecnológicos, de modo que se seja possível a ressignificação de ações subjetivas daqueles que participam desta atuação-rede, formando cidadãos capazes de analisar criticamente não só as informações recebidas, mas o contexto que cerca e, de tal modo, discernir sobre os fatos, as consequências e, principalmente, questionar a bolha contemporânea que permeia a vida em sociedade.
Referências:
ARTUZI, Thomás. [Imagem de pessoa sendo sugada por tela de celular.] In: GARATTONI, Bruno; SZKLARZ, Eduardo. Você tira o celular do bolso mais de 200 vezes por dia. Super Interessante, Comportamento, 23/09/2019. Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/voce-tira-o-celular-do-bolso-mais-de-200-vezes-por-dia/. Acesso em: 17/11/2019.
LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Bauru: EDUSC, 2012.
LIMA, Nathan Willig et al. Educação em ciências nos tempos de pós-verdade: reflexões metafísicas a partir dos estudos das ciências de Bruno Latour. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 19, p. 155-189, 2019.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A
CULTURA (UNESCO). Journalism, ‘fake news’ & disinformation. France:
Unesco, 2018.
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