Da modernidade à pós-modernidade: o surgimento de um novo paradigma

Pequeno ensaio produzido pelo aluno de Mestrado Acadêmico Eduardo Henrique de Borba

No trabalho “Conhecimento Prudente para uma Vida Decente”, o autor Sousa Santos (2004), e Nunes (2004), demonstram preocupação com a acomodação da ciência em torno de um “paradigma dominante”, no que diz respeito às ambiguidades, complexidades e dúvidas que pairam no tempo presente. No intuito de resolver essa questão, os autores propõem um novo pensar científico, através de uma ordem social inovadora, em que a interação, incerteza e insegurança são as principais características. 
Essa nova ciência exige um novo paradigma, uma vez que suas pretensões não são mais atendidas pelos métodos conservadores e rigorosos da ciência moderna. O modelo proposto por Sousa Santos deve ser científico e social, uma vez que, na pós-modernidade, os conhecimentos científicos e não científicos estão em permanente contato, a fim de tornar a sociedade menos desigual e mais democrática.
Este paper tem como objetivo expor comentários e argumentos sobre o tema situado nos conflitos da Ciência, com enfoque no resgate histórico do modelo dominante na modernidade, passando pela sua crise, até chegar ao período de transição, quando surge o chamado “paradigma emergente”. Ao final deste ensaio serão levantados alguns questionamentos sobre a necessidade da adoção desse novo paradigma, visto que, em concordância com o exposto pelos autores, a pós-modernidade trará, de fato, ganhos à Ciência. Uma vez que, a utilização de metodologias inovadoras e classificações epistemológicas apropriadas para cada natureza de problema são essenciais, não sendo coerente focar em uma rigidez e formatação única como antes imposto na ciência moderna.

A ciência moderna pressupõe um mundo sem mudanças, em que prevalece a segurança, a ordem e a previsibilidade em todos os sentidos da vida. Ambos autores, Sousa Santos (2004) e Nunes (2004), identificam e nomeiam esse momento da ciência como “paradigma dominante”. Neste momento a ciência estaria se fundamentando e criando bases em si mesma sem levar em consideração as outras formas de conhecimento, restringindo-se às suas próprias metodologias e princípios, forçando a aplicação de seus métodos na busca de uma verdade universal que só a ciência moderna poderia conferir. Contudo, há diversos sinais de que o paradigma dominante atravessava uma crise que, além de profunda, era irreversível. Para Sousa Santos (2004), tal crise é resultado de uma pluralidade dos temas sociais e teóricos. O autor faz referência a revolução científica iniciada com Einstein e sua teoria da relatividade, vale salientar que Einstein relativizou as leis de Newton, consideradas até então como intocáveis no domínio da astrofísica.

Além disso, cita as investigações de Godel, com o teorema da incompletude e os teoremas sobre a impossibilidade, os quais contribuíram para a crise do modelo científico dominante, fazendo repensar os rigores da matemática e sua capacidade de medição dos  Analisando a ciência do passado, fica claro que ao mesmo tempo em que ela parece ser distante e até mesmo pré-histórica, é também a base do campo teórico da ciência atual. E do mesmo modo, ao olharmos para o futuro, é possível ver situações contraditórias convivendo; ao mesmo tempo em que enxergamos a sociedade da informação e do conhecimento, onde a tecnologia é o centro de tudo, nos deparamos com uma ciência sem limites, que cria guerras nucleares e catástrofes ambientais. Nesse contexto, Sousa Santos (2004) critica o paradigma dominante e resiste as desigualdades científicas, como a distinção entre ciências naturais e ciências sociais. Assim, em busca de uma popularização do conhecimento científico, o autor afirma ser necessário um novo paradigma, o qual nomeia “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”, adequado para avaliar as mais variadas experiências humanas e ampliar o acesso ao conhecimento. Não sendo pretendido negar toda a estrutura construída até a ciência moderna, mas sim fazer uma abertura de conversa entre diferentes modos de conhecimento, contextualizando cada um para que não haja sobreposições entre os mesmos.

Para justificar o paradigma emergente proposto, Nunes (2004) apresenta um conjunto de teses, onde garante que não há mais sentido o entendimento que faz distinções entre ciências naturais e ciências sociais, ainda mais que os avanços recentes da física e da biologia rebatem tal dualismo. Também não se pode mais tolerar a distinção entre sujeito e objeto feita pela ciência moderna, uma vez que o conhecimento advém de uma composição interdisciplinar que caracteriza o novo paradigma. Desse modo, é possível afirmar que todo o ato de conhecer o objeto é autoconhecimento, isto é, forma de o
cientista conhecer. Além disso, o autor afirma que o conhecimento no modelo emergente não segue um único método científico, mas utiliza de uma pluralidade metodológica, antes vista como uma transgressão. Do mesmo modo, o paradigma emergente também entende que nenhum conhecimento é desprezível, e estimula a interação. Portanto, não despreza o senso comum, pois entende que apesar de sozinho sua interação com o conhecimento científico é extremamente enriquecedora, criando uma nova racionalidade. 
Na obra aqui analisada, o autor faz reflexões acerca das mudanças que estão ocorrendo nas ciências, a crise da ciência moderna e a emergência de um novo paradigma, que acompanha a ciência pós-moderna. Tais modificações estão inseridas em um contexto de mudanças sociais, uma vez que não há como modificar a sociedade sem refletir nas ciências. O paradigma emergente pensado por Sousa Santos (2004), e confirmado por Nunes (2004), é uma alteração no curso moderno da ciência. A pós-modernidade chega para se instalar definitivamente, mas a modernidade ainda não deixa de estar presente. Suas verdades e princípios ainda permeiam grande parte das práticas institucionais e sociais, de modo que a simples superação imediata da modernidade é ilusão. Nenhum processo histórico instaura uma nova ordem, ou uma nova fonte de inspiração de valores sociais do dia para a noite, ensinar ainda a Física sob as leis de Newton ou o Direito como somente aquilo que está legislado, demonstra o quão difícil é desapegar das certezas e seguranças do passado, as quais são bem mais cômodas, mas que não devem ser vistas como inflexíveis, e sim passiveis de reconstrução.

A nova realidade social e científica em que vivemos nos força a repensar, a aprender e a ensinar a ciência a partir do novo paradigma. Deste modo, é necessário deixarmos para trás a visão de que somente é correto o que está devidamente imposto nas leis modernas; não se pode querer que na atual conjectura mundial, onde a transformação é permanente, os cidadãos vejam seus ensinamentos engessadas em códigos e em milhares de leis imutáveis, as quais, em sua maioria, podem ser refutadas. Na atual era da incerteza e da insegurança, a inquietude é a maior virtude, a mola propulsora de novas descobertas. A realidade contemporânea busca experiências nas diversas formas de culturas, pensamentos e razões, e esses fatores contribuem para um saber multifacetado e aplicado para as mais diversas situações. 
Portanto, ou enfrentamos as imposições sociais ditadas pelos parlamentos e instituições, para acolher o que for proveitoso na reconstrução fundamentada de um futuro melhor para a humanidade; ou prosseguimos cegos, seguindo imposições rígidas e contestáveis, para que as gerações futuras decidam o que fazer com o que restar desses preceitos e do mundo que conseguem conhecer.


Referências
NUNES, J. A. Um discurso sobre as ciências 16 anos depois. In: SOUSA SANTOS, B. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. São Paulo: Cortez, 2004, p. 59-62.
SOUSA SANTOS, B. Introdução In: SOUSA SANTOS, B. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. São Paulo: Cortez, 2004, p. 17-27.

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