Florianópolis, 24 de março de 2018
O
Ranking PISA, abreviação em inglês do Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes, coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), coloca o Brasil na 63ª posição em Ciências, na 59ª em leitura
e na 65ª colocação em Matemática, em uma ranking onde foram avaliados 70 países
(INEP, 2016), e em estudo de 2018 do Banco Mundial, estima-se que o país irá
demorar cerca de 260 anos para atingir a média do nível educacional dos demais
países em Leitura e 75 anos para atingir esta média em Matemática. (WDR, 2018,
p.3). Acrescenta-se a este baixo desempenho avaliado internacionalmente, os resultados
nacionais da edição 2015 do Sistema de Avaliação da Educação, o SAEB. Em
Matemática, os estudantes do Ensino Médio obtiveram o pior resultado verificado
em onze anos da série histórica, iniciada em 1995 (SAEB, 2016). Um contrassenso
ao desenvolvimento de novas tecnologias, cujo princípio básico envolve a
formação qualificada em linguagem matemática e de programação. Podemos associar
à Matemática não apenas o desenvolvimento de novas tecnologias, mas a ela
devemos toda a excelência da lógica, ou, destacando a interpretação positivista
de Roger Bacon, as Matemáticas “são a porta e a chave das ciências e das coisas
deste mundo das quais se permitem um conhecimento certo” (CROMBIE, 1952, p.143,
apud KOYRÉ, 2011, p.56).
Esta
breve introdução sobre a fragilidade do Ensino e Aprendizagem de Matemática no
Brasil remete a questões maiores. Não apenas esta disciplina específica carece
de melhorias, mas toda a formação dos estudantes, de forma geral, necessita de
incremento substancial para que de fato possamos estar falando em formação de
qualidade no nível educacional. Todavia, por destacarmos a Matemática como
exemplo, não significa que estamos aqui privilegiando uma formação positivista,
estritamente associada à análise quantitativa e numérica. Instigar nos
educandos a capacidade de culto ao saber e ao conhecimento é algo que deveria
estar impregnado na matriz educacional como característica intrínseca de
educadores e de todos envolvidos com a Educação. Instigar estudantes a terem um
espírito que tenham a “liberdade de duvidar dos princípios que aceitaram” (DESCARTES, 1979, p.36). Como os estudantes hoje
muitas vezes partem da pergunta do para que aprender e não sobre o porquê de
aprender, transforma-se o ato de aprimorar o conhecimento em algo utilitário. A
reflexão de Descartes [1596-1650] sobre liberdade de duvidar surge de sua
classificação de que existem tão somente duas espécies de espírito. Estes dois
tipos sugeridos por Descartes, grosso modo, são aqueles que crêem ser mais hábeis
do que são e não duvidam dos princípios que lhe são repassados e, de outra
forma e o que seria muito bom que resgatássemos, aqueles espíritos que
modestamente privilegiam a razão. Para tornar esta reflexão mais prática,
podemos exemplificar o caso com uma situação de aprendizagem Matemática.
Quantos dos estudantes brasileiros de Ensino Médio conhecem a Fórmula de
Baskara? Solução chave para equações do Segundo grau. Ainda que tenhamos um
número razoável de estudantes que possam afirmar conhecimento de causa, de fato
este conhecimento é completo ou apenas uma reprodução de símbolos que lhe foram
repassados? O verdadeiro espírito tomado pela inquietação do saber devia seguir
o princípio de “jamais acolher alguma coisa como
verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal” (DESCARTES, 1979, p.37), e do ponto de vista
matemático, para o exemplo da Fórmula de Báskara, sustentar e demosntrar o
porquê da fórmula. Como se chegou a tal conclusão que as raízes são definidas?
Vale o mesmo para argumentos da área de geometria (a soma dos ângulos internos
de um triângulo é sempre 180º?), trigonometria (sen2θ+cos2θ=1); álgebra (produtos
notáveis) e muitas outras áreas. Um ensino que reproduza tão somente, no caso
da Matemática, fórmulas e regras, capacita estudantes a reproduzirem, quando
muito, as mesmas formulas, sem ao menos refletir como se chegou até elas.
Ampliando este problema para todas as disciplinas, ensinam-se conteúdos para
cumprir um cronograma de grade curricular muitas vezes de forma descontextualizada
e artificial.
É bem possível que para os educadores
envolvidos na formação dos jovens estudantes seja mais simples repassar o
conhecimento tal qual vem sendo feito no Brasil há muitas décadas, como podemos
verificar nos indicadores de qualidade da educação disponíveis para o Brasil.
Todavia, a mesma facilidade teremos para analisar as consequências disto para o
desenvolvimento do país. Francis Bacon [1561-1626] a sua época já constatara
que “as
ciências que ora possuímos nada mais são que combinações de descobertas
anteriores” o que até hoje continua sendo um argumento válido. Apresentar aos
estudantes novos conhecimentos carrega consigo uma construção histórica de
séculos, e isto pode ser resgatado a partir de reflexão para melhor compreensão
dos temas em estudo. Isto exige dos formadores capacitação adequada. Uma
formação distinta que resgate a importância do culto ao conhecimento em
detrimento a uma aprendizagem utilitarista com fim em si mesmo. Todavia este é
um desafio maior que implicaria reestruturar um sistema de educação complexo e
de dimensões continentais como é o caso brasileiro.
Este
desafio, embora imponente, não deve por este motivo ser deixado de lado. Cabe a
nós educadores e pessoas envolvidas com o ambiente acadêmico propor alterações
que modifiquem a atual estrutura como está formada. Como deve ser feito é algo
que demanda muito estudo e planejamento, todavia há indicações importantes de
como não fazer, ou nas palavras de Francis Bacon:
Seria algo
insensato, em si mesmo contraditório, estimar poder ser realizado o que até
aqui não se conseguiu fazer, salvo se se fizer uso de procedimentos ainda não
tentados (BACON, 1979, p.14)
Dito
de outra forma, não poderemos modificar a qualidade do ensino no Brasil se
forem mantidas as mesmas práticas e estrutura de ensino já consolidadas.
Evidentemente que existem boas práticas e bons gestores públicos que conseguem
resultados positivos na Educação mesmo inseridos em contextos completamente
adversos. Isto deve ser incentivado e replicado tanto quanto possível. Um
quadro de mudança na educação que privilegie uma formação de qualidade com
culto à razão e ao conhecimento é essencial para o desenvolvimento do país. O
resgate de algumas ideias de grandes pensadores como René Descartes e Francis
Bacon deve servir como incentivo de um caminho possível e repleto de sabedoria.
REFERÊNCIAS
BACON, F. Novum Organum In: Francis Bacon. Coleção os
Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1979. p. 1-21. (trechos escolhidos).
DESCARTES, R. Discurso do Método. In René Descartes.
Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (trechos escolhidos).
INEP
– Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasil no PISA 2015: análises e reflexões
sobre o desempenho dos estudantes brasileiros / OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico — São
Paulo: Fundação Santillana, 2016.
KOYRÉ, A. As origens da ciência moderna: uma nova
interpretação. In KOYRÉ, A. Estudos de História do Pensamento Científico. Rio
de janeiro. Forense Universitária, 2011.
SAEB –
Sistema de Avaliação da Educação Básica. Resumo
dos Resultados Edição 2015. Brasília/DF. Setembro de 2016.
WDR – World Development Report– Learning to Realize Education´s promise - International Bank for
Reconstruction and Development / The World Bank, 2018. https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/28340/9781464810961.pdf, acessado em 07/03/2018.
Simplesmente maravilhoso repleto de fantásticos saberes...recomendo a leitura e reflexão...claro um.analfabeto "propisital" nunca irá se interessar..Parabéns!
ResponderExcluirMuito bom! Na educação os fins não são justificados pelos meios e sim construídos por eleS! Que nossos alunos despertem para a beleza que é a construção do conhecimento!
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