Pequeno ensaio produzido pelo acadêmico Guilherme Aleandro Campestrni.
Ao se
deparar com o estudo do positivismo, tem-se como seu primeiro expoente o
filósofo francês Augusto Comte. Nascido a partir do empirismo, nas palavras de
Padovani e Castagnola (1990, p. 430 e 431), o positivismo admite, como fonte
única de conhecimento e critério de verdade, a experiência, os fatos positivos,
os dados sensíveis; a única realidade existente, o cognoscível, é a realidade
física que se pode atingir fisicamente. Nenhuma metafísica se admite como
interpretação, justificação transcendente ou imanente, da experiência. A
filosofia é reduzida à metodologia e à sistematização das ciências.
Contemporâneo
de Comte é o jurista John Austin que, segundo Costa, inaugurou a abordagem
analítica e sistemática da Teoria do Direito, e seus aspectos conceituais. Ou
seja, para estudar de fato o que é o Direito, deve se tirar determinados
elementos da análise, como por exemplo: a política e a moral. Em síntese,
Austin buscava promover a separação entre o Direito e a Moral.
Ou seja, a
doutrina positivista, quer no âmbito da ciência ou mesmo na ciência jurídica,
amputa a percepção de valores ou a reduz para aquilo que seja quantificável, palpável,
perceptível no mundo material.
Padovani e
Castagnolo (1990, p. 430) dizem, acerca da percepção de democracia (moderna) no
pensamento positivista, que a vontade popular se manifesta através do número,
da quantidade, da enumeração material dos votos. Ora, nota-se que tal teoria,
ao menos se considerada de modo extremado, não garante a consecução de fins
desejáveis, ou seja, perde-se noção do que seja a ética, o bem, o justo.
Chega-se à ótica utilitarista dos meios.
Não
bastasse isso, o próprio Comte (1976, p. 30) visa homogeneidade e a
convergência das diversas doutrinas através da sua teoria. Ocorre que nem em
todas as áreas são suscetíveis a serem estudadas da forma como se propõe. A
própria concepção de Deus reduz-se à noção de natureza. Ou seja, como fazer
ciência diante de questões não quantificáveis, não perceptíveis sensorialmente,
sobre política, sobre ética/moral?
Doutro
lado, há de se frisar que o positivismo, em algum grau, é fundamental e
essencial para uma garantia de estabilidade da própria ciência, inclusive da
ciência jurídica. No direito há o conceito da lei escrita, daquilo que é (ao
menos até que o ordenamento seja alterado). Essa noção no mundo das normas chama-se
segurança jurídica. No Brasil, por exemplo, a Constituição da República garante
aos cidadãos em seu art. 5º, inciso XXXVI, o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada. Já o Código de Processo Civil de 2015, em seu art.
926, prevê a ideia da uniformização da jurisprudência a fim de evitar decisões
divergentes sobre determinado tema.
Doutro
lado, mister que se reconheça que a lei muitas vezes é oca, vazia de sentido,
não reflete o espírito do legislador ou mesmo os valores humanos ou da própria
sociedade. Neste aspecto, o julgador (aqui equiparado a um cientista) precisa
beber de outras fontes para, no caso concreto, solucionar determinada questão.
Fonte: https://aminoapps.com/c/mitologicpt/page/blog/themis-a-justica-mitologia-grega/Wg8p_8lhXue7gd2QRRl0xMrRNxoXxPvZw3
De fato, o
homem não tem como ser particularizado ou limitado pela ciência e muito menos
pela lei. Edgard Morin através da teoria da complexidade faz refletir sobre uma
ciência com consciência, uma ética da solidariedade, a reintrodução do
conhecimento no conhecimento. Segundo Santos e Hammerschidt,
o pensamento complexo visa mover, conjugar, articular os diversos
saberes compartimentados nos mais variados campos do conhecimento, sem perder a
essência e a particularidade de cada fenômeno, religando matéria e espírito,
natureza e cultura, sujeito e objeto, objetividade e subjetividade, arte,
ciência, filosofia. Considera igualmente o pensamento
racional-lógico-científico e o mítico-simbólico-mágico. O pensamento complexo
se estabelece como requisito para o exercício da interdisciplinaridade.
Sob outro
prisma, o positivismo pode desembocar até mesmo numa postura gnóstica. Ou seja,
querendo conhecer o todo, limita-se nas suas reais possibilidades tolhendo as
possibilidades das suas análises. Hughes (2019, p. 118) a este respeito diz que
as alegações podem ser fascinantes mas falsas, de conhecimento definitivo (por
exemplo) do significado da existência (ou transcendência), uma postura de
fechamento em relação ao mundo e à nossa participação nele, estimulada em parte
pela angústia e voltada para a fuga.
Padovani e
Castagnolo (1990, p. 433) enfatizam a busca de Comte pela “nova religião”,
reduzindo tal espectro da vida humana, como um simples culto à humanidade, de
homens úteis à própria humanidade. Ou
seja, suprime-se Deus, seja sob o prisma transcendental ou mesmo social e
cultural, visando utilidade ao próprio homem.
Assim,
tem-se que o positivismo, ainda que garanta em algum nível determinado grau de
estabilidade (e mesmo segurança jurídica do ponto de vista do direito), se
extremado, não garante uma verdadeira epistemologia, ou seja, uma efetiva busca
da verdade, possuindo limitações, amputando, mormente, aspectos relevantes do
ser seja o religioso/transcendental ou mesmo a ética (valores).
Referências
COMTE, A. Discurso sobre o espírito
positivo. Porto Alegre: Editora Globo; São Paulo: Editora da USP, 1976.
COSTA, Gabriel. Filosofia Jurídica
- Entenda o Juspositivismo em John Austin. JusBrasil. Disponível em <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/filosofia-juridica-entenda-o-juspositivismo-em-john-austin/784364443>.
Acesso em 05 de setembro de 2023.
HUGHES, Glenn. Transcendência e
história: a busca por ultimidade das sociedades antigas à pós-modernidade.
Curitiba, PR, Livraria Danubio, 2019.
PADOVANI, U.; CASTAGNOLA, L. O
positivismo In: PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da Filosofia. São Paulo:
Melhoramentos, 1990.
SANTOS, Silvana Sidney Costa; HAMMERSCHMIDT,
Karina Silveira de Almeida. A complexidade e a religação de saberes interdisciplinares:
contribuição do pensamento de Edgar Morin. SciELO. Disponível em < https://www.scielo.br/j/reben/a/rpStZdRWWXPCpQsHhVMYJ9c/
>. Acesso em 05 de setembro de 2023.